Michael Shellenberger| Foto: Wikimedia Commons
Recentemente, Elon Musk fez duas postagens que chamaram a atenção do público brasileiro no X. A primeira foi um sucinto “!”, um ponto de exclamação. A segunda, o adjetivo “preocupante”. Ambas vinham como comentários a uma postagem do jornalista Michael Shellemberger, um dos primeiros jornalistas a ter acesso aos Twitter Files, e sobre quem eu já falei aqui nesta coluna. No último dia 30/01, Shellemberger – que, em março do ano passado, havia denunciado a um comitê da Câmara de Representantes dos EUA o que chamou de “complexo industrial da censura” em seu país – divulgou em seu perfil no X uma reportagem publicada no site Public, um portal de mídia alternativa fundado por ele.
Intitulada “FBI, Soros, And Secret Police In Vast Censorship Conspiracy in Brazil”, e autorada pelo repórter investigativo brasileiro David Ágape (responsável pelo excelente portal A Investigação), a matéria dá detalhes concretos sobre um fenômeno que os leitores desta coluna – em artigos como esse, esse ou esse – já suspeitavam há tempos: o Brasil ocupa hoje uma posição colonizada e subalterna num grande arranjo supranacional de poder que não seria exagerado chamar de Internacional da Censura. Num tal esquema global de restrição da liberdade de expressão, que abarca as elites política, financeira e comunicacional de boa parte do planeta, e no qual se imiscuem as esferas pública e privada (como bem demonstrou Shellemberger em seu depoimento ao Congresso americano), o partidarismo desavergonhado, truculento e autoritário dos representantes dos nossos tribunais superiores é apenas a ponta do iceberg, e conta com o respaldo de uma série de poderosos atores globais.
Em sua competente e audaz reportagem, David Ágape esmiúça a atuação desses atores e os procedimentos dessa vasta conspiração para destruir a internet livre, restringir o debate público e minar a democracia representativa mundo afora, com destaque especial para o Brasil, hoje uma espécie de laboratório para os epistocratas, por poder contar com mecanismos mais eficazes e instantâneos de censura, via parceria política entre Judiciário e Executivo. Após meses de investigação, Ágape e sua equipe descobriram que o FBI ajudou o Brasil a censurar seus cidadãos e que a Open Society Foundation (de George Soros e seu filho Alexander) e a Omidyar Foundation (de Pierre Omidyar, fundador do eBay) investem pesadamente (no financiamento da guarda vermelha digital Sleeping Giants Brasil, por exemplo) para promover a censura no Brasil. Ademais, a matéria mostra como o Estado brasileiro montou uma força policial-judicial secreta cuja função é espionar e censurar pessoas consideradas propagadoras de “informações falsas”. A conclusão da investigação é que, juntos, o FBI, os Soros e o Supremo Tribunal Federal do Brasil estão envolvidos em um ataque direto contra as proteções à liberdade de expressão asseguradas tanto na Constituição brasileira quanto na americana.
O Brasil ocupa hoje uma posição colonizada e subalterna num grande arranjo supranacional de poder
Que o regime brasileiro esteja envolvido em censura em massa, ninguém em sã consciência ignora. A censura promovida pelo Supremo Tribunal do Brasil é tão extrema que até jornais como o The New York Times, simpático à censura promovida contra Trump e seus apoiadores, expressaram indignação com a disposição da corte brasileira em perseguir jornalistas e podcasters insubmissos, a exemplo do Monark, alcunhado pelo jornal nova-iorquino de “o Joe Rogan brasileiro”. Mas a investigação conduzida por Ágape vai além do que já está evidente, demonstrando a existência de um Complexo Industrial de Censura no Brasil, aconselhado pelo governo dos EUA e financiado por Soros, Omidyar e outros globalistas. No cerne do Complexo está o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), braço da Suprema Corte, comandando uma força policial de censura que conduz investigações secretas cujo objetivo é silenciar, intimidar e neutralizar dissidentes e opositores do regime.
Segundo a matéria no Public, em 5 de março de 2018, o TSE se reuniu com o FBI e um representante da Embaixada dos EUA para discutir a censura de “notícias falsas”. Juízes-políticos brasileiros já vinham partilhando da preocupação dos representantes das elites globalistas com os resultados políticos de 2016, causados, segundo o diagnóstico desse grupo, pelo excesso de liberdade nas redes (ver, a respeito, esse meu artigo de novembro do ano passado). Assim como ocorreu em boa parte do mundo, a demanda por censura no TSE surgiu em reação ao referendo do Brexit no Reino Unido e à eleição de Donald Trump nos EUA. Em meados de 2017, já procurando meios de evitar localmente a possível ascensão política de um “nacional-populista” como Jair Bolsonaro, nossas autoridades eleitorais expressaram preocupação com o impacto das “notícias falsas” no Brasil. Entrevistas e documentos mostram que a principal preocupação era evitar uma "repetição de 2016", ou seja, a eleição de Trump e a suposta Colusão Russa.
Em dezembro de 2017, o tribunal eleitoral organizou um fórum público para discutir meios de censurar o que as autoridades eleitorais e seus parceiros ideológicos consideravam ‘notícias falsas”, “desinformação” e “ação de robôs”. Nesse sentido, criou-se um conselho especial para “realizar pesquisas” e “formular estratégias” para censurar informações politicamente inconvenientes sob o pretexto do combate às “fake news” e ao “discurso de ódio”.
A censura no Brasil intensificou-se após a eleição de Bolsonaro em 2018. Agências governamentais, ONGs e a mídia mainstream lançaram a tese de que Bolsonaro só vencera graças à “desinformação”, a mesma narrativa criada para explicar a vitória de Trump em 2020. No Brasil, uma célebre matéria de uma porta-voz do petismo no jornalismo, Patrícia Campos Mello, alegou que a campanha de Bolsonaro abusara de disparos de desinformação via WhatsApp, o aplicativo de mensagens diretas do Facebook. Essa narrativa serviu como pretexto para o início da investigação sobre Fake News do Congresso Brasileiro em 2019.
Assim como ocorreu em boa parte do mundo, a demanda por censura no TSE surgiu em reação ao referendo do Brexit no Reino Unido e à eleição de Donald Trump nos EUA
Diz ainda a reportagem que, em 2018, a Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) e o setor de inteligência do Exército Brasileiro colaboraram com o TSE para planejar um esforço de censura, conforme consta nas atas da reunião. Agentes do FBI e funcionários do Departamento de Justiça dos EUA participaram das sessões do TSE. O supervisor de Operações Cibernéticas do FBI na época e um agente do Departamento de Justiça especializado em contrainteligência para frustrar interferências estrangeiras estiveram presentes. Eles compartilharam insights sobre os esforços do Departamento de Justiça dos Estados Unidos e do FBI na luta contra “notícias falsas”. Deji Okediji, representante da Embaixada dos EUA, também participou do encontro.
Em 24 de abril de 2019, diz Ágape, o TSE realizou um “Seminário Internacional sobre Fake News e Eleições”, que contou com a presença de ministros do TSE, incluindo o então ministro da Justiça Sérgio Moro, e representantes do FBI. Rogério Galloro, ex-membro do Comitê Executivo da Interpol, que agora supervisiona várias divisões de inteligência dentro do TSE, também esteve presente. Assim como tem ocorrido nos EUA e na Europa, o regime brasileiro está censurando políticos populistas e seus apoiadores. E assim como o Homeland Security interferiu nas eleições de 2020, o TSE do Brasil interferiu nas eleições de 2022.
O governo brasileiro financiou a criação de ferramentas de censura por meio da Fundação Getúlio Vargas (FGV). Assim como o Stanford Internet Observatory, a FGV buscou criar uma ferramenta para monitorar as redes sociais em busca de “padrões suspeitos” e “desinformação potencial” durante as eleições. Por sua vez, o TSE empreendeu uma ampla gama de ações de censura semelhantes às usadas nos EUA e na Europa. O tribunal endossou o plano da FGV de criar uma lista negra, eufemisticamente referida como um “registro de sites não conformes”. E buscou ajuda de ONGs (organizações neo-governamentais) como a Safernet e First Draft, a fim de criar listas negras de supostos disseminadores notícias falsas. E assim como a Omidyar Network propôs maneiras para os usuários de redes sociais denunciarem outros usuários às autoridades, o tribunal concebeu mecanismos para os usuários denunciarem seus concidadãos com opiniões tidas por subversivas.
Em outubro de 2022, às vésperas do segundo turno das eleições, o advogado do presidente Lula afirmou ter documentado um “ecossistema de desinformação” dos apoiadores de Bolsonaro, um desses conceitos políticos vagos que, no Brasil de hoje, serve para embasar perseguições judiciais a inocentes. O TSE concordou e implementou medidas massivas de censura contra os assim estigmatizados como “bolsonaristas”. No cargo, o atual mandatário propôs uma repressão abrangente à liberdade de expressão, algo que, segundo o ex-ministro comunista da justiça e atual ministro comunista do STF, estava com os dias contados. O governo propôs um regulador especial para discursos do governo. Em novembro passado, promoveu a censura com a União Europeia. Em dezembro, o TSE anunciou seu plano de censura, que abrangerá “discurso de ódio” e qualquer coisa que supostamente solape isso que os representantes do regime chamam de “democracia”.
Lendo a excelente reportagem de David Ágape, só posso então repetir a conclusão que escrevi no artigo de 2018 sobre o truque do “combate às fake news” e o avanço da censura:
“Estamos diante de um verdadeiro ataque à democracia perpetrado justo por aqueles que, em recorrentes campanhas de autopromoção, mais professam defendê-la. Trata-se de uma gente arrogante, elitista e autoritária, investida de um senso auto-hipnótico de superioridade moral, pelo qual se arvoram o papel de polícia do debate público. Crendo-se imunes ao erro, e provincianamente instalados em seus safe spaces, querem porque querem refazer a sociedade à sua imagem e semelhança, sem a presença inconveniente, na rede e nas seções de comentários dos jornais, do “bando de deploráveis” que insiste em não os reverenciar. A guerra por uma internet livre está apenas começando, e dela deverá fazer parte todo aquele que, ademais de zelar pela própria, zela também pela liberdade de consciência alheia. É hora de somar forças contra o totalitarismo dos epistocratas”.
Flávio Gordon, Gazeta do Povo