quinta-feira, 17 de agosto de 2023

'Um apagão de explicações', editorial do Estadão

Em vez de tratar o blecaute com prudência, ministro de Minas e Energia contribuiu para transformar o apagão em episódio político, atitude inaceitável para quem ocupa o cargo


Alexandre Silveira, ministro do ex-presidiário Lula - Divulgação



Uma falha no sistema de 

energia provocou um blecaute

de proporções gigantescas na 

última  terça-feira. Todos os 

Estados do  País foram 

afetados, com exceção

 de Roraima, o único fora do 

sistema interligado nacional. 

A pane começou às 8h31; o 

restabelecimento de energia 

começou a voltar de forma 

gradativa às 9h16, mas 

algumas localidades no Norte

 e Nordeste levaram mais de

 seis horas para ter o 

atendimento plenamente 

recomposto.


Como todo apagão, o episódio 

gerou um transtorno e tanto em

 escolas, hospitais, indústrias e 

no sistema de transporte 

público.


Suas causas ainda serão 

devidamente esclarecidas pelos 

órgãos técnicos do setor. Até 

ontem, já se sabia que houve 

sobrecarga de energia no Ceará, 

mas não era de conhecimento 

público o município onde o 

incidente teria ocorrido nem a

 empresa responsável pelas 

instalações. Havia indícios de 

que outro evento, concomitante

 ao inicial, pudesse ter 

acontecido no sistema de 

transmissão no Norte do País 

– falha sobre a qual havia ainda 

menos informações oficiais.


Isso, por si só, causa estranheza, 

uma vez que o Operador 

Nacional do Sistema Elétrico 

(ONS) detém

tecnologia suficiente para 

identificar a origem dos 

distúrbios rapidamente. 


Assim foi feito em

todos os blecautes anteriores: 

mesmo sem saberem a razão 

pela qual um equipamento não 

funcionou da forma como 

deveria, as autoridades do 

governo sempre divulgaram, 

horas após a ocorrência, as 

informações sobre as quais já 

havia alguma certeza, como o 

local em que se originou o 

problema.


A falta de transparência criou 

um ambiente perfeito para a 

profusão de oportunistas, que

 atribuíram o incidente a 

causas que vão do aumento 

da presença de fontes 

renováveis e intermitentes na 

carga a uma alegada falta de 

segurança no sistema elétrico. 


Por trás dessas explicações 

costuma haver interesses 

implícitos, como o lobby das 

termoelétricas e a defesa da 

regionalização do sistema,

revertendo tendências e 

diretrizes que corretamente 

nortearam a expansão do setor

desde o racionamento de 2001.


Ao pior papel, no entanto, 

prestou-se o próprio governo. 

Em vez de tratar o caso com

 a prudência recomendada, 

o ministro de Minas e Energia, 

Alexandre Silveira, transformou 

o apagão em um episódio 

político. No lugar de dar espaço

 para explicações de técnicos do 

ONS, da Agência Nacional de 

Energia Elétrica (Aneel) e do 

próprio Ministério, Silveira 

monopolizou uma longa 

entrevista coletiva sem 

esclarecer o que de fato teria

 causado o blecaute.


Sem atribuir responsabilidade 

pelo blecaute a nenhuma 

empresa em particular, o 

ministro aproveitou o momento

 para criticar a privatização da 

Eletrobras, insinuando que a 

desestatização da empresa teria 

comprometido a segurança do 

sistema elétrico. Sugeriu ainda a

 hipótese de ter havido 

sabotagem e solicitou a 

participação da Polícia Federal 

e da Agência Brasileira de 

Inteligência (Abin) nas 

investigações antes mesmo da

 conclusão das apurações 

técnicas.


Além de não apresentar 

explicações convincentes para

 a sociedade, o ministro perdeu 

uma excelente oportunidade

 para demonstrar liderança no 

enfrentamento de uma crise. 


Em uma inusitada inversão 

de papéis, tal espaço foi 

ocupado pelo ministro da 

Casa Civil, Rui Costa, que 

atribuiu o blecaute a um erro 

técnico e assegurou haver 

sobra de energia para abastecer 

o País.


Pouco importa que um 

apagão seja explorado 

politicamente pela 

primeira-dama, 

por deputados petistas ou por 

parlamentares da oposição. 

Para o caso em particular, as 

opiniões desses atores são 

absolutamente irrelevantes. 

Porém, pela autoridade do cargo 

que ocupa, é inaceitável que o 

ministro aja da mesma forma.


Horas após a patética entrevista 

de Silveira, o diretor-geral do 

ONS, Luiz Carlos Ciocchi, 

disse que o órgão deverá 

divulgar informações

mais precisas sobre o blecaute 

ainda nesta semana. Já o 

Relatório  de Análise de 

Perturbação (RAP), 

que trará uma avaliação mais 

completa sobre as causas do 

incidente, levará um mês para 

ser concluído. Que os trabalhos 

do ONS sejam pautados com 

rigor, seriedade e transparência. 


É o que  a sociedade merece 

depois de 

tantos palpites desencontrados 

e declarações levianas.


Editorial do Estadão