Em vez de tratar o blecaute com prudência, ministro de Minas e Energia contribuiu para transformar o apagão em episódio político, atitude inaceitável para quem ocupa o cargo
Alexandre Silveira, ministro do ex-presidiário Lula - Divulgação
Uma falha no sistema de
energia provocou um blecaute
de proporções gigantescas na
última terça-feira. Todos os
Estados do País foram
afetados, com exceção
de Roraima, o único fora do
sistema interligado nacional.
A pane começou às 8h31; o
restabelecimento de energia
começou a voltar de forma
gradativa às 9h16, mas
algumas localidades no Norte
e Nordeste levaram mais de
seis horas para ter o
atendimento plenamente
recomposto.
Como todo apagão, o episódio
gerou um transtorno e tanto em
escolas, hospitais, indústrias e
no sistema de transporte
público.
Suas causas ainda serão
devidamente esclarecidas pelos
órgãos técnicos do setor. Até
ontem, já se sabia que houve
sobrecarga de energia no Ceará,
mas não era de conhecimento
público o município onde o
incidente teria ocorrido nem a
empresa responsável pelas
instalações. Havia indícios de
que outro evento, concomitante
ao inicial, pudesse ter
acontecido no sistema de
transmissão no Norte do País
– falha sobre a qual havia ainda
menos informações oficiais.
Isso, por si só, causa estranheza,
uma vez que o Operador
Nacional do Sistema Elétrico
(ONS) detém
tecnologia suficiente para
identificar a origem dos
distúrbios rapidamente.
Assim foi feito em
todos os blecautes anteriores:
mesmo sem saberem a razão
pela qual um equipamento não
funcionou da forma como
deveria, as autoridades do
governo sempre divulgaram,
horas após a ocorrência, as
informações sobre as quais já
havia alguma certeza, como o
local em que se originou o
problema.
A falta de transparência criou
um ambiente perfeito para a
profusão de oportunistas, que
atribuíram o incidente a
causas que vão do aumento
da presença de fontes
renováveis e intermitentes na
carga a uma alegada falta de
segurança no sistema elétrico.
Por trás dessas explicações
costuma haver interesses
implícitos, como o lobby das
termoelétricas e a defesa da
regionalização do sistema,
revertendo tendências e
diretrizes que corretamente
nortearam a expansão do setor
desde o racionamento de 2001.
Ao pior papel, no entanto,
prestou-se o próprio governo.
Em vez de tratar o caso com
a prudência recomendada,
o ministro de Minas e Energia,
Alexandre Silveira, transformou
o apagão em um episódio
político. No lugar de dar espaço
para explicações de técnicos do
ONS, da Agência Nacional de
Energia Elétrica (Aneel) e do
próprio Ministério, Silveira
monopolizou uma longa
entrevista coletiva sem
esclarecer o que de fato teria
causado o blecaute.
Sem atribuir responsabilidade
pelo blecaute a nenhuma
empresa em particular, o
ministro aproveitou o momento
para criticar a privatização da
Eletrobras, insinuando que a
desestatização da empresa teria
comprometido a segurança do
sistema elétrico. Sugeriu ainda a
hipótese de ter havido
sabotagem e solicitou a
participação da Polícia Federal
e da Agência Brasileira de
Inteligência (Abin) nas
investigações antes mesmo da
conclusão das apurações
técnicas.
Além de não apresentar
explicações convincentes para
a sociedade, o ministro perdeu
uma excelente oportunidade
para demonstrar liderança no
enfrentamento de uma crise.
Em uma inusitada inversão
de papéis, tal espaço foi
ocupado pelo ministro da
Casa Civil, Rui Costa, que
atribuiu o blecaute a um erro
técnico e assegurou haver
sobra de energia para abastecer
o País.
Pouco importa que um
apagão seja explorado
politicamente pela
primeira-dama,
por deputados petistas ou por
parlamentares da oposição.
Para o caso em particular, as
opiniões desses atores são
absolutamente irrelevantes.
Porém, pela autoridade do cargo
que ocupa, é inaceitável que o
ministro aja da mesma forma.
Horas após a patética entrevista
de Silveira, o diretor-geral do
ONS, Luiz Carlos Ciocchi,
disse que o órgão deverá
divulgar informações
mais precisas sobre o blecaute
ainda nesta semana. Já o
Relatório de Análise de
Perturbação (RAP),
que trará uma avaliação mais
completa sobre as causas do
incidente, levará um mês para
ser concluído. Que os trabalhos
do ONS sejam pautados com
rigor, seriedade e transparência.
É o que a sociedade merece
depois de
tantos palpites desencontrados
e declarações levianas.
Editorial do Estadão