Deputada federal Adriana Ventura (Novo) | Foto: Divulgação
A deputada federal Adriana Ventura lamenta a cassação do mandato de Deltan Dallagnol e se diz preocupada com as arbitrariedades que vêm ocorrendo no país. Para a entrevistada, o Brasil vive uma ditadura
Alguns rostos conhecidos puderam ser vistos ao lado de Deltan Dallagnol em todas as entrevistas concedidas pelo deputado federal depois da cassação de seu mandato por decisão do Tribunal Superior Eleitoral. Entre eles estava o da deputada federal Adriana Ventura. Em vez do sorriso largo, uma de suas marcas registradas, a preocupação marcava sua fisionomia, enquanto balançava verticalmente a cabeça em sinal de aprovação ao que dizia o colega sumariamente punido.
Nascida em São Paulo, Adriana estreou na Câmara dos Deputados em 2018, surfando na onda anticorrupção que, embora tenha mobilizado o Brasil há pouco mais de quatro anos, parece tão longínqua. O mandato, focado em temas ligados à saúde, à educação e ao empreendedorismo, foi bastante produtivo. Em 2022, contrariando as expectativas de muitos militantes do partido, foi a única deputada federal reeleita pelo Novo em território paulista. A otimista vocacional agora confessa estar inquieta. “É lamentável tudo isso que está acontecendo. Pelo que estamos sentindo, o deputado Deltan foi o primeiro de vários.”
No dia seguinte à cassação, ela sentiu-se mal ao acordar. Foi ao Departamento Médico da Câmara dos Deputados (Demed) e tomou meio litro de soro. No começo da tarde, fugiu literalmente rumo ao plenário da Casa para participar das votações. Em seguida, atravessou os intermináveis corredores subterrâneos do Congresso e se entrincheirou no gabinete localizado no oitavo andar do Anexo IV. Ali concedeu a Oeste esta entrevista, que terminou com uma pergunta da entrevistada: “Estou um pouco fraca. Será que falei demais?”. Como se verá, ela disse o essencial.
Confira os principais trechos da entrevista:
Como a Câmara dos Deputados recebeu a notícia da cassação de Deltan Dallagnol?
É lamentável. Pelo que estamos sentindo, o deputado Deltan foi o primeiro de vários. O clima aqui em Brasília está péssimo. Muitos deputados estão assustados e boa parte não se pronuncia por medo. O que está acontecendo é uma aberração em todos os sentidos. Estamos vendo uma vingança em curso, um revanchismo político planejado e anunciado com vários entes dos Três Poderes agindo em conjunto. E o Senado, que é a Casa Legislativa responsável pelos tribunais superiores, está inoperante. Estão vendo essas arbitrariedades e simplesmente não fazem nada. E, para completar, outra parte do Congresso está em festa, comemorando.
Deltan Dallagnol já esperava que o resultado da votação fosse esse?
Ele ficou surpreso. Conversamos bastante antes da decisão e ele estava tranquilo, porque as narrativas que estavam sendo usadas para condená-lo não existem na lei. O que aconteceu nesta quarta-feira foi uma decisão baseada em suposições. É como se eu falasse: “Acho que você não gosta de mim e que vai me matar”. Então, condeno você antes do crime acontecer. É algo que foge da lei. O que mais me assusta é não ver a sociedade se manifestando, os bons juízes, os advogados. Cadê todo mundo? É um conluio do silêncio. Se todo mundo ficar quieto, alguém será o próximo. Já vimos isso antes. Está faltando coragem.
As pessoas têm motivos para estarem tão apavoradas?
Onde estão as instituições fortes? Os outros ministros do STF deveriam se pronunciar diante de diversas decisões monocráticas absurdas que temos visto. Cadê a Justiça? As pessoas buscam justiça. A partir do momento em que temos sentenças arbitrárias para atingir alvos específicos, as pessoas se preocupam com a razão. O Brasil vive uma ditadura e não se dá conta. Quando há medo, não há liberdade. Quando há controle e censura, também não. E não há democracia sem liberdade.
Há poucos dias, a Câmara votou a urgência do PL 2630 e depois o presidente da Casa, Arthur Lira, voltou atrás. O que está acontecendo no Congresso?
A oposição queria debater o tema. Acontece que, hoje, tudo que vai para votação é escolhido a dedo. Não existe mais o rito legislativo, mas um relatório feito a poucas mãos e enfiado goela abaixo no plenário, em regime de urgência, sem passar pelas comissões. Os projetos são colocados ou retirados de votação na hora que eles querem. E apenas quando eles têm certeza de que vão ganhar. Isso não é democracia.
“É triste demais ver cassado um deputado que combateu a corrupção, e não aqueles que compraram votos ou foram flagrados recebendo dinheiro de propina”
Logo depois do adiamento da votação, Flávio Dino, ministro da Justiça, disse que o PL 2630 seria aprovado no Legislativo ou entraria em vigor por decisão do Judiciário.
O Executivo abusa do seu poder e quer impor a sua vontade e o seu discurso. Quem falar qualquer coisa diferente do que eles querem será censurado. A Casa Legislativa está tendo suas funções invadidas e não está legislando. O Executivo tenta alterar leis por decretos. É preciso seguir um rito para a aprovação de qualquer lei. Não dá para ser na canetada, na imposição. De novo: isso não é democracia.
Recentemente, a senhora também denunciou o aparelhamento da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa). Como isso está sendo feito?
Todos os dias, recebo muitas denúncias e pedidos de ajuda relacionados ao aparelhamento de estatais. Quando entra um novo governo, é normal que o primeiro escalão seja mudado. Agora, quando isso invade o segundo e o terceiro escalões, isso fica preocupante. (Leia reportagem nesta edição: “Cabide de empregos para derrotados”) Este governo está aparelhando tudo. Na Petrobras, estamos vendo o mesmo filme se repetir. Na Embrapa, o presidente foi afastado antes de completar o mandato. Agora, os conselheiros estão sendo pressionados a aprovar os novos diretores da empresa. Não estou dizendo necessariamente que esses diretores sejam incompetentes, mas que, se é uma empresa pública, o critério de escolha deveria ser técnico, e não político. (Leia reportagem nesta edição: “O inimigo do agro”)
O Partido Novo não ocupará nenhuma cadeira na CPI que investigará o 8 de janeiro. O que houve?
Houve uma clara manipulação. Inventaram um novo critério em desrespeito ao regimento interno da Câmara e ao regimento comum, pegaram uma vaga à qual tínhamos direito e entregaram para o PT. Estão inventando leis e desrespeitando o regimento, assim como a Constituição. Estamos num vale-tudo.
No início desta entrevista, a senhora disse que o Deltan Dallagnol será o primeiro de vários. Acredita que o senador Sergio Moro será o próximo?
Não tenho a menor dúvida. Estamos nos unindo e fazendo uma moção de repúdio, e também foi apresentada uma questão de ordem para que o presidente da Câmara explicasse o que faria para defender a Casa. Posteriormente, ele disse que o caso iria para a Corregedoria. O que não reverterá a situação, na minha visão, pois não será apreciada pelos parlamentares, apenas pela mesa. De qualquer forma, estamos trabalhando em várias frentes. O que vemos hoje é que está se abrindo um precedente perigoso pelo qual parlamentares podem ser cassados, por qualquer razão, a qualquer tempo, por desagradar líder partidário ou outra pessoa. E, como estamos falando de vingança e revanchismo contra a Lava Jato, o senador Moro está na mira.
A senhora sempre foi otimista com relação ao Brasil. Continua com esse sentimento?
Não estou desanimada. Estou preocupada. Esta semana foi bastante difícil. É muito triste ver um colega ser cassado da maneira que foi, em um julgamento de um minuto e seis segundos. Muitos parlamentares estão indignados. Nossas instituições precisam não só funcionar, mas ser sérias. A base da democracia é o voto. Portanto, o único poder moderador que deveria existir é o povo. É triste demais ver cassado um deputado que combateu a corrupção, e não aqueles que compraram votos ou foram flagrados recebendo dinheiro de propina. Os valores estão comprometidos. Pergunto-me como será este país no futuro. Deram um tiro na cara do cidadão brasileiro.
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Branca Nunes, Revista Oeste