Tribunal Superior Eleitoral errou ao julgar a situação política do ex-coordenador da Operação Lava Jato
Deltan Dallagnol durante discurso na tribuna da Câmara dos Deputados | Foto: Divulgação/Agência Câmara
O Tribunal Superior Eleitoral (TSE) errou ao cassar o mandato de deputado federal de Deltan Dallagnol (Podemos-PR). Esse é o entendimento do advogado Arthur Rollo, especialista em direito eleitoral.
Apesar de considerar como “incabível a decisão tomada nesta semana pela Justiça Eleitoral, ele acredita que o ex-coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba não vai conseguir reverter a situação e, assim, seguirá sem ter mais o mandato de parlamentar. De acordo com Rollo, Dallagnol deve perder, inclusive, se levar o caso para o Supremo Tribunal Federal (STF).
“Em tese, é possível obter efeito suspensivo no recurso extraordinário no STF, mas é bastante difícil”, diz Rollo em entrevista a Oeste. Nesse sentido, ele ressalta que dois ministros do Supremo já votaram contra o ex-procurador no TSE: Alexandre de Moraes e Nunes Marques.
Caso Dallagnol: 5 perguntas para o advogado Arthur Rollo
Diante da cassação do mandato de Deltan Dallagnol, o advogado especialista em direito eleitoral também falou, na entrevista a Oeste, sobre o ritmo da Justiça Eleitoral e explicou o que deve ocorrer com o conjunto de propostas de autoria do então deputado do Podemos na Câmara.
Confira, abaixo, a entrevista com o advogado Arthur Rollo:
1 — Há embasamento legal para o TSE cassar o mandato de deputado federal do Deltan Dallagnol com base, segundo a Corte, de que ele “teria saído” do Ministério Público para “escapar” de eventuais processos administrativos?
O fundamento legal utilizado pelo TSE foi o art. 1º, I, “q” da LC 64/90, que considera inelegíveis, por oito anos, juízes e membros do Ministério Público “que tenham pedido exoneração ou aposentadoria voluntária na pendência de processo administrativo disciplinar. Embora existissem 15 procedimentos administrativos, quando do pedido de exoneração de Dallagnol, nenhum deles tinha caráter disciplinar, como exige o tipo da inelegibilidade. Normas restritivas de direitos, como é o caso daquelas que preveem situações de inelegibilidade, devem ser interpretadas restritivamente. A nosso ver, o TSE conferiu interpretação ampliativa, incabível, a situação de inelegibilidade.
A intervenção na vontade de quase 345 mil eleitores paranaenses, que votaram em Dallagnol, deve ser excepcional e estritamente nos casos em que a lei prevê. A fraude, a nosso ver, foi presumida pelo TSE, que presumiu que ele pediu exoneração antes para evitar a instauração de procedimentos disciplinares e presumiu também que um dos procedimentos administrativos seria convertido em disciplinar.
Na dúvida, sempre deve ser prestigiada a vontade do eleitor, porque, segundo a Constituição Federal, todo poder emana do povo. A vontade de sete ministros não pode substituir a vontade de mais de 345 mil eleitores. A fraude deveria ter sido provada, o que não aconteceu. Houve presunção de fraude para a aplicação de uma hipótese de inelegibilidade, que não se enquadrava exatamente na situação de Dallagnol. Errou o TSE, na minha opinião.
2 — Pelo o que o senhor acompanhou do julgamento, quais devem ser os próximos passos por parte da defesa do Dallagnol?
Cabem, em tese, embargos de declaração no TSE e recurso extraordinário para o STF. Embargos de declaração são um recurso impróprio, manejado apenas para pré questionar matéria constitucional, para suprir omissões e contradições e sanar erros. Geralmente, os embargos precisam ser opostos para fazer com que o acórdão trate de matéria constitucional para, assim, permitir o recurso extraordinário, que só cabe diante de violação constitucional por parte do TSE.
“Mesmo no STF a reversão é improvável, até porque dois ministros já votaram contra no TSE”
Advogado Arthur Rollo, especialista em direito eleitoral, sobre a situação política de Deltan Dallagnol
Certamente, a defesa de Dallagnol vai alegar ofensa ao contraditório, pois a fraude na desincompatibilização antes do prazo foi presumida, com prejuízo ao direito de defesa, previsto no art. 5º, LV da Constituição Federal. Não cabem efeitos suspensivos nesses recursos, e o TSE já determinou cumprir sua decisão imediatamente, antes da publicação do acórdão. Em tese, é possível obter efeito suspensivo no recurso extraordinário no STF, mas é bastante difícil.
3 — Então o senhor acredita que Dallagnol não vai conseguir reverter a atual decisão do TSE?
Será praticamente impossível reverter essa decisão ainda no TSE. Mesmo no STF a reversão é improvável, até porque dois ministros já votaram contra no TSE. Não deve demorar muito o desfecho do processo. Normalmente demora por volta de um ano. O tempo de tramitação vai depender do recebimento ou não do recurso extraordinário. Se o TSE não receber o recurso extraordinário, cabe agravo para o STF. Em casos de agravo não cabe sustentação oral e o julgamento pode ser virtual, mais célere. Se receber o recurso extraordinário, cabe sustentação oral e o julgamento tem que ser na turma, o que leva mais tempo.
4 — O TSE considerou, em maio de 2023, inválido um registro das eleições de outubro de 2022. Como fazer para a Justiça Eleitoral julgar em definitivo casos de uma eleição ocorrer?
São comuns, infelizmente, os casos de julgamentos de recursos em registros de candidaturas muito tempo depois das eleições. A forma de resolver isso é antecipar o calendário eleitoral, que estabelece que os registros das candidaturas devem ocorrer até o dia 15 de agosto do ano da eleição. A lei pode antecipar esse calendário e, desse modo, permitir o julgamento definitivo dos recursos antes da eleição, para não correr o risco do eleitor votar em candidatos inviáveis e inelegíveis.
5 — A página da Câmara dos Deputados na internet mostra Deltan Dallagnol como autor de 144 propostas e relator de outras três. O que acontecerá com essas propostas diante da cassação do mandato dele?
As propostas legislativas continuam mesmo quando os mandatos dos deputados acabam. Fica mais difícil a tramitação, pois normalmente quem não é autor não gosta de assumir o projeto de outro, porque, em caso de aprovação, os louros vão para o autor do projeto. É comum a apresentação de substitutivos, de forma que os projetos apresentados assumem nova relatoria e modificações substanciais, que acabam transferindo os louros da aprovação para quem “adota” o projeto em andamento. As propostas legislativas e os votos que ele [Dallagnol] proferiu persistem e são válidos, mesmo diante da cassação do mandato.
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Anderson Scardoelli, Revista Oeste