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Alvos de ataques na faculdade, estudantes conservadores vivem rotina de isolamento, angústia e perseguição
Há quase um milênio, as universidades dedicam-se a ensinar várias áreas do conhecimento. Ali é o lugar do livre pensar e da discussão e troca de ideias. Certo? Completamente errado. O que ocorre nos centros acadêmicos brasileiros de hoje é bem diferente. O marxismo invadiu o terreno dedicado ao cultivo do saber, doutrinadores de esquerda substituíram os antigos professores e os alunos se transformaram em militantes a serviço da revolução socialista. Com o tempo, as faculdades passaram a ter um pensamento único: o de esquerda.
Em vez de aprender, os estudantes são obrigados a engolir aberrações como a linguagem neutra em sala de aula e, pasmem, disciplinas como “o golpe de 2016”, como ocorreu na Universidade de Brasília, em 2018. “É um ambiente controlado pela esquerda”, constatou o ex-ministro da Educação Ricardo Velez Rodriguez. “A esquerda começou a dominar as universidades na década de 1960, no início do regime militar. Enquanto o governo reprimia as guerrilhas no campo e também a direita, os ‘progressistas” aravam o terreno das faculdades.’”
Enquanto esteve no governo, Velez sentiu na pele a força que a esquerda tem na educação, tanto que foi derrubado por ela, em virtude de pressões internas do próprio MEC, ao tentar mudar algumas coisas na educação. Entre outras propostas, o ex-ministro queria alterar os critérios de indicação de reitores para as universidades federais, que, segundo ele, são praticamente escolhidos por sindicatos pelegos. “Enquanto isso continuar, pouco poderá ser feito pela boa educação dos estudantes”, disse. “Alunos que pensam diferente continuarão sendo perseguidos.”
“Vivo uma rotina angustiante”
Estudantes que não rezam nessa cartilha se isolam e vivem rotinas de aflição que envolvem humilhações em sala de aula, perseguições públicas e assassinato de reputação. É o caso da estudante Julia de Castro, 20 anos. Apaixonada por história desde pequena, ela ficou muito feliz ao descobrir que havia sido aprovada no vestibular da Unirio, em 2019. Nos primeiros meses, Julia se deu conta de que o sonho virara pesadelo. Isso porque os professores usavam a sala de aula para fazer propaganda político-partidária contra o presidente Jair Bolsonaro e distorciam fatos sobre o passado, além de discorrer acerca de um futuro utópico socialista. “Foram momentos bem angustiantes”, disse.
Durante dois anos, Julia calou-se, para conseguir “sobreviver”. “Fiquei na espiral do silêncio”, resumiu ela, em alusão à teoria segundo a qual indivíduos omitem as próprias opiniões quando conflitantes com o pensamento da maioria ao seu redor, por causa do medo do isolamento e da zombaria. As coisas pioraram no início de outubro deste ano, depois de ela ter sido descoberta de direita e eleitora de Bolsonaro. A estudante passou a ser atacada diariamente por colegas, sob o olhar complacente dos professores.
“Um site de fofocas da faculdade, cujos autores são anônimos, publicou posts das minhas redes em que eu apoiava o governo, sob a ‘manchete’: ‘Como essa ‘Julia Bolsonara’ pode estudar na Unirio e apoiar esse homem?’”, contou Julia. Segundo ela, todos os alunos leem o “jornal” e iniciaram uma “cruzada” para descobrir quem era Julia. “Um colega de uma amiga minha, que não estuda na Unirio mas sabe quem sou, porque sempre me odiou, em virtude de meu posicionamento político, lê o blog e marcou o meu perfil nele com a mensagem ‘Os seus dias estão contados’”, disse Julia. “Assim, a minha turma inteira ficou sabendo.”
Depois do ocorrido, Julia procurou uma advogada, que a orientou a gravar um vídeo. Foi o que fez. Pouco depois do episódio, Julia publicou um vídeo no Instagram. Nas imagens, visivelmente triste, a jovem mostrou comentários preconceituosos e ameaças contra ela nas redes sociais. “Seus dias estão contados”, escreveu um internauta, no Twitter. “Vamos ter que amarrar a Bia em uma cadeira para não ter confusão”, publicou outra pessoa.
Julia rebateu os comentários dizendo não ter medo de ser cancelada. Segundo a estudante, ela não vai mais ficar “na espiral do silêncio”. “Vocês são intolerantes e raivosos”, disse, na transmissão. “Acredito que vivemos em uma democracia e, em uma democracia, as pessoas podem ter ideias diferentes. Mas não é isso que a esquerda faz.”
Desde que tudo ocorreu, ela não recebeu apoio da universidade nem dos professores. A volta às aulas ficou bastante complicada. “Estou isolada”, desabafou. A família acionou a polícia, mas as investigações ainda estão em estágio inicial.
“Ameaçaram minhas filhas”
Vitória Mattar, 24 anos, é aluna de ciências sociais da Universidade Federal de Pelotas (UFPel), a mesma instituição que, em 2021, aplicou uma prova com uma questão escrito “Fora Bolsonaro”. No curso há dois anos, ela relata momentos de tensão, desde que foi descoberta de direita, no início da graduação. Os ataques se intensificaram depois do primeiro turno da eleição, quando Vitória elogiou candidatos conservadores que haviam vencido a disputa. A estudante criou um Twitter para fazer um trabalho da UFPel e descobriu os ataques a ela na rede social. “Chamaram-me de ‘bolsonarista desgraçada’”, lembrou.
A estudante criou um Twitter para fazer um trabalho da UFPel e descobriu os ataques a ela na rede social. “Chamaram-me de ‘bolsonarista desgraçada’”
Decidida a expor a situação, compareceu a um comício do presidente Jair Bolsonaro em Pelotas (RS), na segunda semana de outubro, e tirou uma foto segurando um cartaz com a denúncia: “Sou aluna de ciências sociais da UFPel e sofri perseguição. Luto por minha própria liberdade e pela da minha família”. Após esse dia, a vida acadêmica e pessoal de Vitória foi de mal a pior. “Na sala, todos passaram a me olhar de forma estranha”, disse. “Quando os estudantes da minha sala viram a foto, ficaram extremamente bravos”, afirmou Vitória. “Começaram a me xingar pelo WhatsApp, recebi mensagens com juras de morte do tipo ‘Você vai levar um tiro na cabeça’, entre outras frases horríveis.”
O desrespeito acabou completamente quando uma aluna cuspiu em Vitória durante uma aula e disse para ela “aguentar as consequências”. Naquele momento, a estudante resolveu acionar a direção da universidade, para relatar o ocorrido. Vitória avisou um secretário da UFPel e pediu segurança. O homem, contudo, respondeu que a faculdade pouco poderia fazer. A estudante recorreu à polícia e aguardou a chegada dos agentes do lado de fora. Enquanto esperava, vários colegas de sala passavam ofendendo-a. Com medo de ser agredida, Vitória fez uma live no Instagram, para “ter provas se o pior ocorresse”.
Mais tarde, registrou um Boletim de Ocorrência na polícia. No dia seguinte, a advogada da jovem decidiu conversar com a coordenadora do curso. A docente prometeu uma reunião com os alunos. Quando esse encontro aconteceu, havia alunos de vários cursos na sala. Vitória disse que, durante a fala da coordenadora, em nenhum momento a educadora a defendeu. “Pelo contrário, pôs mais lenha na fogueira”, relatou. “A coordenadora chegou a dizer que, caso os alunos estivessem se sentindo ameaçados, poderiam procurar os seus direitos.”
Vitória disse que seguiu a vida depois disso, mas as ofensas continuaram. Tampouco a eleição de Lula apaziguou os ânimos. “Colaram um cartaz na porta ameaçando ‘colocar fogo nos fascistas’”, disse a aluna. “As mais recentes ameaças dizem que não vou conseguir continuar estudando, que não me querem na sala. Ameaçaram até as minhas duas filhas, que são pequenas. Não sei como vai ser agora.” A estudante está há duas semanas sem ir para a faculdade, e a UFPel não a procurou.
“Estou na espiral do silêncio”
Pedro Henrique (nome fictício), 23 anos, estuda Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie e está prestes a concluir o curso. Assim como Julia e Vitória, ele é de direita. A diferença entre eles está no fato de que, ao longo de cinco anos, Pedro ficou na espiral do silêncio e não pretende sair dela tão cedo, por medo de retaliação profissional. “Pago R$ 2,6 mil de mensalidade e, se descobrirem meu posicionamento, temo não conseguir mais ajudar aqui em casa”, disse. “No Direito, o cancelamento é intenso e acaba com qualquer pessoa rapidamente.”
Segundo Pedro, ao longo do curso, apenas 10% do conteúdo aprendido tinha relação com Direito, enquanto os 90% restantes eram militância pura. “Se eu tive bons professores, consigo contar nos dedos das mãos”, observou. Mesmo na espiral do silêncio, Pedro já foi alvo de olhares de reprovação dos colegas nas duas vezes em que se manifestou em sala de aula, ainda que de forma comedida. “Perdi vários seguidores no Instagram”, lembrou.
Com pouquíssimos colegas, o jovem está conseguindo terminar o curso. Também no emprego ele evita se pronunciar, visto que o local é dominado por pessoas de esquerda. A esperança de Pedro é chegar a uma posição em que dificilmente poderá ser derrubado e, de lá, conseguir expor suas opiniões com mais tranquilidade. Segundo ele, a educação brasileira está péssima. “Não sei o que vai ser da minha geração”, desabafou o estudante.
“Perseguições como essas estão tipificadas no artigo 147-A do Código Penal, que cerceia a liberdade da vítima, podendo levar o agressor a pegar de seis meses a dois anos de cadeia”, disse João Daniel Silva, presidente da Associação Brasileira de Juristas Conservadores. “Há também a questão do assédio moral. Em se tratando de uma universidade pública, isso é mais grave ainda, por ser administração pública. Os reitores de quaisquer instituições de ensino têm o dever de assegurar aos alunos um ambiente em que as liberdades serão preservadas. E os estudantes, ao virem seus direitos violados, podem acionar a Justiça.”
O ex-ministro Ricardo Velez Rodriguez acrescenta ser necessária uma mudança profunda na educação brasileira, a começar pela reciclagem dos cursos de pedagogia, mudanças no conteúdo dos livros didáticos e nos métodos de ensino, como o de Paulo Freire, “que só é usado aqui no Brasil para formar militantes”. “Se as coisas continuarem assim, o país não tem como ir para a frente”, disse Rodriguez.
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Revista Oeste