quarta-feira, 29 de junho de 2022

‘Dizer que o branco não pode falar sobre racismo. É cometer racismo’

 Para o desembargador federal William Douglas, a questão social precisa ser debatida por todos os espectros políticos  

O desembargador já trabalhou como advogado, delegado de Polícia, Defensor Público, professor de Direito Processual | Foto: Arquivo pessoal
O desembargador já trabalhou como advogado, delegado de Polícia, Defensor Público, professor de Direito Processual | Foto: Arquivo pessoal

O preconceito faz parte da sociedade humana. Portanto, todos devem falar sobre racismo. A fala é do desembargador federal William Douglas, 55 anos. Ele é professor voluntário na Educafro — instituição que promove bolsas de estudo para a população negra com ajuda de voluntários — e pastor da Igreja Batista Getsêmani.

O desembargador do Tribunal Regional Federal da 2ª Região do Estado do Rio de Janeiro possui mais de 50 livros publicados e já vendeu mais de 1,2 milhão de obras. Em 1998, lançou o livro Como Passar em Provas e Concursos e, no mesmo ano, foi procurado pelo frei Davi, diretor da Educafro, para ministrar aulas aos estudantes da instituição. Em janeiro de 1999, deu sua primeira aula e se apaixonou pela docência. Atualmente, ainda é professor no local.

Sempre questionado sobre o seu “lugar” de fala nas questões negras, em que atua incansavelmente, William explica que, embora o termo pareça interessante, é utilizado para segregar opiniões. “Estou há mais de 20 anos trabalhando com esse tema e não tenho lugar de fala? Começaram a usar essa expressão para excluir a fala de algumas pessoas, negando a liberdade de expressão”, afirmou. “Dizer que o branco não pode falar sobre racismo é cometer racismo.”

O desembargador já trabalhou como advogado, delegado de polícia, Defensor Público, professor de Direito Processual na Universidade Federal Fluminense, entre outras funções. Além disso, participa de diversos projetos sociais com intuito de levar formação aos mais pobres.

A seguir, os principais trechos da entrevista.

1 — O que motivou o senhor a defender pautas do movimento negro?

Cresci em um lar cristão, lendo a Bíblia e entendendo que devo amar o próximo. O cristianismo me fez lutar pela causa negra. A fim de obedecer a ordem de Jesus Cristo entrei no movimento negro. Muitas pessoas pensam que sou de esquerda pela minha defesa em favor da pauta negra. Entretanto, sempre tento enfatizar que a defesa do pobre e do necessitado é uma pauta cristã há mais de 2 mil anos. Antes de existir direita e esquerda já havia essa defesa por parte do cristianismo. Em 1999, quando comecei de fato a lutar pela causa negra, falar sobre o assunto era mais fácil. Na época, a única dificuldade que tive foi o estranhamento por parte dos negros. Era como se eles pensassem, “o que esse branco conservador está fazendo aqui?”. Com o tempo eles foram entendendo.

2 — Como o senhor enxerga as questões raciais nos dias de hoje?

Atualmente, a pauta do movimento negro está muito ideologizada e ligada à temas, como: luta de classes, revanche, reparação e ressentimento. É como se o movimento ignorasse a orientação do pastor Martin Luther King Jr. de que, para resolver os problemas, não podemos beber do cálice da amargura. Essa questão de “você não tem lugar de fala” e “branco não pode falar sobre racismo” fez com que eu sofresse mais resistência hoje do que no início da minha jornada. Houve uma mudança na forma em que combatemos o preconceito racial. Como se a falta de união e colaboração fosse a solução. Não existe diferença entre quem fala “bandido bom é bandido morto” e “fogo nos racistas”. A esquerda critica a direita pela fala do bandido, mas defende colocar fogo em outra pessoa. Ambos são discursos de violência. O combate não é uma forma de resolvermos esse problema. O racismo é um problema da sociedade, logo, todos devemos lutar. É uma questão social que afeta os direitos humanos e a escala dos direitos da Constituição Federal.

Um dos problemas sociais desse país é que tem muita gente teorizando e poucas trabalhando

racismo
“Como conservador prezo pela meritocracia”, disse William Douglas | Foto: Arquivo pessoal

3 — Qual sua opinião sobre cotas raciais, racismo estrutural e dívida histórica?

Sou a favor das cotas sociais e raciais para estudar. Mesmo que a racial traga malefícios, entendo que os benefícios são maiores. No entanto, sou contra as cotas para o concurso público. Concurso não é para fazer política social, mas para escolher os melhores. Como conservador acredito e prezo pela meritocracia. O que acontece nos atuais concursos é que eles renunciam à qualificação e focam na cor. Sobre o racismo estrutural, é uma teoria completamente equivocada que tira a responsabilidade pessoal. Ao colocar a culpa na estrutura, ela se torna da sociedade. Da mesma forma, a dívida histórica. No período da escravidão, no Brasil, todos tinham escravos. Todos precisam pagar por algo do passado? Isso é cometer anacronismo histórico. A forma como essa abolição foi realizada é errada em todos os sentidos. Pode até existir uma dívida histórica, mas uma geração vai pagar por algo que durou 400 anos? Quem deve pagar a dívida é o devedor, e esse já morreu. É uma discussão improdutiva e teórica. Prefiro coisa práticas. Gostaria de saber, do pessoal que discute isso nas universidades, quantas aulas eles deram de graça para as pessoas necessitadas, brancas ou negras? Quantas bolsas de estudos conseguiram? Quantos livros doaram? Um dos problemas sociais desse país é que tem muita gente teorizando e poucas trabalhando.

4 — A direita consegue dialogar com o movimento negro?

Existe um déficit de comunicação tanto na esquerda quanto na direita. Essas bolhas não estão conseguindo se comunicar e conversar. A direita possui uma incompetência na comunicação que é atroz. E isso se agrava porque existe uma captura ideológica, feita pela esquerda, no movimento negro. Isso é ruim para o movimento, mas é bom para os progressistas. Existem muitos negros de direita que são abandonados duas vezes: o pessoal da esquerda chama eles de capitães do mato (entendo isso como racismo) e os integrantes da direita não dão nenhuma atenção para eles. É só ir em qualquer escola chique ou restaurante chique e contar quantos negros têm. Não é possível encontrar 50% de pessoas negras nesses lugares. Se olharmos os 10% mais ricos, ao menos 80% são brancos. Já nos 10% mais pobres, cerca de 70% são negros. É fácil entender que existe um problema racial no Brasil. Mas a esquerda trabalha isso de uma forma equivocada, segregando e não colaborando. Antigamente, o negro queria ter uma oportunidade. Agora, muitos deles acham que não devem se esforçar. Ele acha que é a vítima, credor de uma dívida histórica e que o branco é o opressor. Essa mentalidade é um problema. Tenho aluno que não quer mais estudar. O ataque que a esquerda faz à meritocracia faz com que muitos negros não desejem mais ter o mérito, mas, as cotas. Isso é ruim para o negro. Enquanto a direita não aprender a dialogar com esse grupo, a captura da esquerda vai continuar acontecendo.

5 — O que fazer para melhorar a comunicação?

O primeiro passo é sentar e ouvir o outro lado. Depois, devemos buscar pautas comuns, por exemplo: a direita e a esquerda não conseguem concordar com as cotas raciais. Contudo, acredito que ambas não vão concordar com as fraudes nessa política pública. Se é para ter cotas, não podemos deixar que um malandro entre na cota. Essa é uma pauta comum. Outro assunto interessante é a questão da cota social, o movimento negro tem dificuldade em lidar com isso. É uma visão limitada, pois essa política consegue agregar mais negros, uma vez que 70% dos mais pobres são negros. Já a cota racial agrega uma quantidade objetiva de negros, dentre eles, os ricos que não precisam das cotas. Além disso, deixa o branco que é pobre de fora. Portanto, a cota social é mais inteligente, se for ajustada em alguns aspectos. O movimento negro, por questões ideológicas, prefere se abster dessa pauta e focar na questão racial.

Rute MoraesRevista Oeste