O que está em jogo não são apenas estátuas e outros símbolos físicos do passado, mas a preservação do espírito que inspirou as conquistas civilizacionais da cultura ocidental
No mundo ocidental o passado se tornou alvo de pilhagem intelectual. Muitos de seus símbolos e monumentos históricos são vandalizados, danificados ou simplesmente destruídos. No eixo anglo-americano, a bandeira nacional com frequência é tratada com desprezo e atacada pelos líderes de suas instituições culturais como um símbolo de racismo, opressão e discriminação.
Em meses recentes, a hostilidade em relação a monumentos e ícones nacionais que simbolizam a história de uma nação se transformou em tumultos e manifestações histéricas. Ainda que esses protestos nos Estados Unidos afirmem ser inflamados pela causa antirracista, é evidente que sua animosidade é direcionada a muito mais do que isso.
Em São Francisco, uma multidão derrubou a estátua de Ulysses S. Grant. Ele foi o general que derrotou os confederados na Guerra Civil dos Estados Unidos, e o presidente que trabalhou para garantir os direitos de ex-escravos no Sul depois do conflito. Ainda mais bizarro, em Washington, os manifestantes atacaram Lincoln e uma estátua conhecida como Memorial da Emancipação.
Na Inglaterra, o alvo dos manifestantes foi a estátua de Winston Churchill, um dos maiores heróis do país. Bizarramente, um homem que, como é notório, enfrentou Hitler e teve um papel fundamental na derrota da Alemanha nazista foi denunciado como nazista por apoiadores do movimento Black Lives Matter.
É importante entender que essas reações ao passado da nação estavam previstas há tempos. Na sequência da eleição do candidato à Presidência Donald Trump, estudantes de diversas universidades atearam fogo à bandeira do país.
Em uma instituição, a Hampshire College, em Massachusetts, os funcionários da faculdade decidiram acalmar os alunos e o corpo docente, que ficaram incomodados com a eleição de Trump, baixando a bandeira dos Estados Unidos. Em diversas instituições de ensino superior, funcionários descreveram o hasteamento da bandeira como “polêmico”, uma vez que membros das comunidades da universidade a consideram um símbolo de “ódio e racismo”.
Em 2017, Donald Trump previu que as pessoas que estavam protestando contra monumentos confederados iam mirar Washington e Jefferson na sequência. Seus críticos o acusaram de paranoico e o culparam por alimentar a polarização. Infelizmente, ficou provado que ele estava certo.
Os conselhos e as opiniões de avós com frequência são considerados irrelevantes e possivelmente prejudiciais
Em certo sentido, não há nada de novo nem necessariamente questionável em queimar bandeiras ou derrubar estátuas. Ainda tenho lembranças felizes da queda da estátua de Stalin em Budapeste em outubro de 1956, no começo da Revolução Húngara no mesmo ano.
Apesar de ser uma criança de 9 anos, eu tinha plena consciência do fato de que uma estátua de Stalin servia como um símbolo da tirania soviética contra a qual as pessoas pegaram em armas e lutaram. Para o povo da Hungria, a derrubada da estátua de um ditador forasteiro representou um golpe contra um regime da ocupação estrangeira.
Também não acho que os revolucionários queimando bandeiras soviéticas estavam fazendo nada de errado. Para eles, isso era um movimento contra um poder vindo do exterior para oprimir seu povo. Esses atos violentos não estavam direcionados contra o passado de uma nação — pelo contrário, representaram uma tentativa de recuperar a tradição e a história de uma comunidade.
Diferentemente da queda da estátua de Stalin em 1956, a onda atual de destruição de imagens que está percorrendo o mundo ocidental não é motivada por um movimento mobilizado contra um sistema de opressão brutal.
O alvo principal dos destruidores de estátua do presente é o passado. Os vários protestos e atos que emergiram em 2020 têm como objetivo desligar o mundo ocidental de seu passado. Esse projeto não tem como alvo apenas os símbolos físicos do Ocidente, mas, o que é mais significativo, suas tradições e seus valores fundamentais.
Desde o fim da 2ª Guerra Mundial, e especialmente desde os anos 1960, o sentimento de menosprezo antitradicionalista e intolerante tem sido amplamente promovido pela cultura ocidental e pelas instituições de ensino. A desconfiança profundamente arraigada em relação à tradição chega a ponto de alertar mães e pais sobre as práticas de criação usadas por pais em épocas pregressas.
O que acontece é que os chamados profissionais da criação de filhos aconselham mães e pais a seguir os conselhos dos profissionais da criação de filhos. Nas sociedades ocidentais, essa cruzada silenciosa contra o passado direcionou seu veneno para alterar a maneira como sociedades adultas socializam os jovens. Os conselhos e as opiniões de avós com frequência são considerados irrelevantes e possivelmente prejudiciais para o desenvolvimento das crianças.
Como resultado da institucionalização dessas atitudes, as crianças não são mais socializadas pelos valores de seus avós nem, sem dúvida, de seus antepassados mais distantes.
Em curso, um projeto do NYT para desmerecer a importância da Revolução Americana
Nas décadas recentes, o passado e suas tradições têm sido gradualmente exilados da vida pública. Por exemplo, na Inglaterra, o hasteamento da bandeira com frequência é visto como um ato de jingoísmo — nacionalismo exacerbado e agressivo — cometido por radicais da extrema direita.
E os educadores costumam denunciar o ensino de história nacional como excessivamente patriótico. Um estudo sobre a cultura política da Grã-Bretanha, Risk, Threat and Security, revela que a população do país se tornou alienada de suas instituições nacionais e seu vínculo com os valores compartilhados é superficial demais para constituir uma “comunidade dinâmica”.
Recentemente, a hostilidade em relação aos valores fundamentais do Ocidente adquiriu uma forma sistemática. Essa tendência se expressa de maneira mais flagrante pela iniciativa “1619 Project”, do jornal The New York Times. O projeto afirma que os Estados Unidos foram fundados com o propósito de consolidar a escravidão e que, até hoje, o país é dominado por esse legado. O “1619 Project” também põe em dúvida um fato histórico, o de que os Estados Unidos tiveram início em 1776.
De acordo com essa versão distorcida do passado, a Revolução Americana não foi exatamente uma guerra por independência, mas um ato egoísta para preservar a exploração e a opressão. Dessa forma, a contribuição da Revolução Americana para o desenvolvimento do ideal ocidental de liberdade é apagada da história. O mais importante é que o “1619 Project” foi criado para contaminar a tradição e a base que constitui o way of life americano. Essa tentativa de vandalizar a tradição de um país é muito mais tóxica do que a derrubada de uma estátua.
Para nós, o que está em jogo não são apenas os símbolos físicos do passado, mas a preservação do espírito que inspirou as conquistas civilizacionais do Ocidente.
Frank Furedi é professor emérito de Sociologia na Universidade de Kent, na Inglaterra. Colunista da Spiked, é autor de livros considerados clássicos sobre temas como medo, paranoia e guerra cultural, como How Fear Works (2018) e First World War — Still No End in Sight (2016). Seu último livro, Why Borders Matter: Why Humanity Must Relearn the Art of Drawing Boundaries, foi lançado em julho pela Routledge.
Revista Oeste