O Ministério Público Federal (MPF) em Pernambuco ajuizou ação civil pública contra o Município do Recife, a União e três organizações sociais da área de saúde para que seja dada transparência às despesas realizadas no enfrentamento da pandemia da covid-19 com recursos oriundos do Sistema Único de Saúde (SUS). O caso é de responsabilidade dos procuradores da República Cláudio Dias, Rodrigo Tenório e Silvia Regina Pontes Lopes.
A transparência das contratações decorrentes do enfrentamento da pandemia já tinha sido objeto de recomendação conjunta expedida pelo MPF e pelo Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO). No documento, ambos os órgãos defenderam que a Lei Ordinária Municipal nº 18.704/2020, ao afastar obrigações de transparência, viola os princípios constitucionais da publicidade e da moralidade administrativa, bem como a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 15.527/2011) e normas que vinculam o município do Recife à obrigatoriedade de manutenção do dever de transparência e controle dos gastos efetuados junto a entidades do terceiro setor.
Só em 2020, o município já recebeu mais de R$ 310 milhões via Fundo Nacional de Saúde, dos quais cerca de R$ 64 milhões foram destinados ao combate à covid-19.
No entanto, após a expedição da recomendação, foi apurada a persistência de graves falhas na transparência ativa dos recursos vinculados ao SUS e repassados ao município para o enfrentamento da pandemia. Além disso, foi verificado que as organizações sociais da área de saúde acionadas pelo MPF – Fundação Professor Martiniano Fernandes (Imip Hospitalar), Sociedade Pernambucana de Combate ao Câncer (Hospital do Câncer de Pernambuco) e Instituto Humanize de Assistência e Responsabilidade Social – não fornecem, em seus portais da transparência, as informações mínimas previstas por lei.
Conforme consta na ação, os valores repassados a essas organizações para a gestão de hospitais de campanha e outras unidades hospitalares ultrapassam R$ 150 milhões.
Gastos obscuros
O MPF frisa que não há, nos portais da transparência, discriminação de informação estruturada que identifique os contratos firmados por dispensa ou as notas de empenho registradas pelo Município do Recife e pelas organizações sociais de saúde referentes às contratações e aquisições realizadas com base na Lei Federal nº 13.979/2020.
“Embora a Lei Federal tenha entrado em vigência em fevereiro de 2020 e os primeiros processos de dispensa de licitação, com fundamento na nova legislação, publicados em março de 2020, constatou-se que o site de transparência específico ‘Covid-19’ do Município do Recife somente foi disponibilizado em 6 de maio de 2020, ou seja, quase dois meses após a deflagração dos primeiros processos de dispensa com base no novo regramento da covid-19 por parte da gestão municipal”, argumentam os procuradores da República na ação.
O MPF destaca, ainda, que o próprio Conselho Gestor de Conformidade dos Contratos de Gestão do Município do Recife reconheceu, em junho de 2020, a ausência de transparência em relação a dados relevantes de despesas efetuadas pelas entidades contratadas para gerir os hospitais de campanha criados para o enfrentamento da pandemia.
Os procuradores da República reforçam a necessidade de observância da Portaria nº 394 da STN, de 17 de julho de 2020, publicada em decorrência de recomendação conjunta do MPF e do Ministério Público de Contas junto ao Tribunal de Contas da União (MPTCU). A norma estabelece a padronização de fontes de recursos que deverá ser observada para identificação das verbas federais vinculadas a ações e serviços públicos de saúde e repassadas para o enfrentamento da pandemia da covid-19.
Pedidos
O MPF requer, com pedido de liminar, que o Município do Recife mantenha atualizadas, no portal da transparência, as informações sobre empenhos realizados no enfrentamento da pandemia, bem como que divulgue oficialmente suas dispensas emergenciais em até dois dias úteis após assinatura.
O MPF quer que seja assegurada a transparência ativa dos contratos de gestão ou instrumentos similares celebrados com as organizações sociais de saúde, hospitais de ensino e hospitais filantrópicos. Pede, ainda, que o município observe a padronização prevista na Portaria nº 394/2020 da STN e não realize alterações de fontes de recursos sem registro no sistema de operação financeira e sem justificativa.
Também é pedido, na ação, que Imip Hospitalar, Hospital do Câncer de Pernambuco e Instituto Humanize de Assistência e Responsabilidade Social deem publicidade às informações essenciais à compreensão dos gastos, conforme exigido pela Resolução nº 58/2019 do Tribunal de Contas do Estado (TCE) de Pernambuco. O MPF requer ainda que a União fiscalize, periodicamente, o cumprimento da Portaria nº 394/2020 da STN por parte do município do Recife.
Caso ocorra eventual descumprimento de decisão judicial, o MPF pede, além do pagamento de multa diária de R$ 20 mil, que seja determinada a suspensão dos contratos de gestão firmados com as organizações e a suspensão do repasse de transferências voluntárias ao município.
Íntegra da ação que tramita sob o número 0813148-97.2020.4.05.8300, na 10ª Vara Federal em Pernambuco. (Com informações da Ascom da Procuradoria da República em Pernambuco)
Diário do Poder