segunda-feira, 3 de agosto de 2020

"Felipe Neto e a decadência de nossas instituições", por Carlos Adriano Ferraz

Nessa semana que passou duas notícias atraíram minha atenção: a participação do youtuber e influencer digital Felipe Neto em uma live com um ministro do “supremo” tribunal federal (STF) e um convite (feito pelo presidente da câmara dos deputados) para que o mesmo participe, vejam só, de uma sessão no congresso nacional para discutir fake News (atualmente expressão usada para definir opiniões liberais e, sobretudo, conservadoras, bem como qualquer manifestação de apoiadores do Presidente Jair Bolsonaro - ainda que seja, imagino, para elogiar seu corte de cabelo). Um detalhe interessante é que ele foi convidado para debater sobre o suposto problema das fake News (e para “dar ideias”) no momento em que ele mesmo foi (conforme matéria da Revista Oeste) condenado pela juíza Giselle Rocha Raposo por ..... disseminar notícias falsas (desabonando a imagem do presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Augusto Xavier da Silva). Diante disso eu sinceramente não ficaria surpreso se o próximo passo do STF e da presidência do congresso nacional fosse, por exemplo, convidar o ex presidente Lula para discutir leis anticorrupção. Bom, mas isso apenas nos mostra como funciona a esquerda. A esquerda não seria esquerda se não operasse dessa forma. Não há surpresa aqui. Com efeito, vou me eximir de tecer comentários sobre as polêmicas em torno desse sujeito de 32 anos (idade adulta, pois, na qual cabe a todos mostrar indícios de alguma maturidade cognitiva e, mesmo, moral). No entanto, deixarei abaixo desse texto dois links para vídeos que esclarecem muito a seu respeito, assim como nos mostram, e isso é importante observar, sua talvez maior habilidade: imitar uma foca. Colocado isso, passo, então, à questão central: o que leva instituições essenciais à nossa democracia, como judiciário e legislativo, a convidarem para um “debate” alguém cuja maior habilidade parece ser imitar uma foca? Em que medida alguém com esse perfil (esclarecido em grande medida pelos vídeos que postarei abaixo) pode contribuir para um debate que não seja em torno de como melhor imitar uma foca ou falar obscenidades e outras frases desconexas e sem fundamento em uma linguagem ignóbil? Sim: essa é uma questão importante que emerge quando assistimos aos seus vídeos, amplamente acessíveis, especialmente no Youtube. Com efeito, segundo vejo isso apenas nos mostra o quão vilipendiadas estão nossas instituições. Não apenas isso, nos mostra como nossas instituições têm sido narcotizadas e violentadas. E não se trata apenas do judiciário e do legislativo: o mesmo tem ocorrido com família, instituições de ensino, etc. Na verdade, a notoriedade de um indivíduo que fala obscenidades em linguagem pobre é, antes de tudo, um sintoma: ele só acende e é colocado sob os holofotes porque nossas instituições já estão, por anos, vertiginosamente em declínio. Afinal, no passado seria simplesmente impensável que a alguém com esse perfil fosse dada notoriedade e influência, especialmente por ministros e deputados. Mas não apenas por eles: famílias funcionais também não permitiriam que seus filhos tivessem livre contato com o “conteúdo” (sic) oferecido por ele, seja em redes sociais seja em publicações. Como sabemos pelos dados, no passado as famílias ainda se mantinham, em sua maior parte, estruturadas dentro do modelo que poderíamos chamar de “tradicional”: crianças criadas pelos seus pais biológicos em ambientes de pouco conflito. E, como sabemos, crianças criadas dentro desse modelo se saem melhor em todos os sistemas de avaliação referentes à sua saúde mental e a critérios sociais. Como disse mesmo um presidente de esquerda, Barack Obama, “crianças que crescem sem pai têm cinco vezes mais chances de viver na pobreza e cometer crimes; nove vezes mais chances de abandonar a escola e vinte vezes mais chances de acabar na prisão”. Isso apenas corrobora a célebre afirmação de nosso saudoso Rui Barbosa, a saber, “a família é a célula máter da sociedade”. Na verdade, muito provavelmente os pais de outrora sequer permitiriam que seus filhos convivessem com alguém que fizesse uso de linguagem obscena para proferir uma enxurrada de estultices. Como dizia um ditado comum à minha época, “diga-me com quem andas e eu te direi quem tu és". E eu não consigo imaginar pais realmente engajados na paternidade/maternidade felizes com um filho falando vulgaridades em desacordo com a lógica e com a gramática. Em verdade, embora assistíssemos a programas de palhaços como “Os Trapalhões”, tais programas eram restritos àquilo que poder-se-ia considerar seu propósito: entretenimento lúdico para a família. Seus integrantes não apenas divertiam a família sem a corromper: eles fortaleciam os laços familiares (entre pais e filhos). Não apenas isso, eles não aderiam a uma agenda política cujo propósito é fazer colapsar nossas instituições (família inclusa). Tratavam-se de programas produzidos para a família, a qual, à época, era mais unida, isto é, compartilhava diversos momentos, inclusive momentos de entretenimento. Hoje, com a fragmentação da família, nossas crianças estão à mercê de maus exemplos e à exposição, por exemplo, a obscenidades e à erotização precoce e suas consequências nefastas (como pedofilia, por exemplo). Novamente: os dados simplesmente corroboram esse flagelo, o qual pode ser testemunhado empiricamente. Além disso, acrescente-se que estamos em um contexto em que são eleitos, para deliberar sobre os rumos de nossa sociedade, atores de filmes pornô, palhaços, etc, os quais muito provavelmente deveriam ficar restritos às atividades para as quais estão originariamente vocacionados. Mas não apenas elegemos sujeitos com esse perfil: também elegemos indivíduos intelectualmente medíocres e moralmente indigentes em um deletério processo com um terrível efeito dominó: aquelas figuras torpes que elegemos acabaram por nomear ministros, secretários, etc, alinhados com sua miséria moral e intelectual. Isso nos trouxe ao que muitos chamam de “herança maldita”, uma herança de partidos de esquerda como Psdb (esquerda Fabiana) e PT. Se não bastasse isso, crianças e jovens são submetidos a um ensino medíocre (estamos nas últimas posições na avaliação do ‘Programa Internacional de Avaliação de Estudantes’/Pisa, o qual avalia o desempenho de 80 países nos quesitos leitura, matemática e ciência). Esses fatos revelam a miséria de nossas instituições políticas e de ensino. Sobre a família, ela está tão combalida quanto às demais instituições citadas. Para que se tenha uma ideia da tragédia, um censo escolar de 2011 revelou que, naquele momento, quase 6 milhões de crianças não tinham sequer o nome do pai em suas certidões de nascimento. Hoje estima-se que o número possa ter chegado a 10 milhões. Resultado? Ora, eis que chegamos a Felipe Neto e ao seu protagonismo junto às crianças e em instituições como legislativo e STF, bem como na grande mídia que o tem vitimizado. Assim, na verdade o seu acesso a essas instituições se dá em virtude de ele estar alinhado àqueles que atualmente possuem nelas o protagonismo. Quando soube de seu debate com um ministro do STF, pensei: trata-se de um diálogo ‘inter pares’. O mesmo me ocorreu ao ver o convite que lhe foi feito pelo presidente da câmara dos deputados. Imagino que eles se entendam bem e não há problemas nisso. Afinal, é estimável que todos encontrem aqueles com os quais possam manter uma relação de intercompreensão, não é mesmo? O que é realmente preocupante é o fato de instituições tão fundamentais como judiciário, legislativo, mídia, família, instituições de ensino, estarem vulgarizando a discussão sobre temas tão essenciais quanto liberdade de expressão, valores, participação de jovens na política, etc. Aliás, se nossas instituições estão realmente preocupadas com o debate a partir de argumentos, por que não elevam a discussão e não convidam jovens como Nikolas Ferreira (um dos vídeos abaixo é dele) para debater a partir de robustos argumentos? Por que não dão espaço ao contraditório, assegurando não apenas diversidade e um debate altamente qualificado, mas garantindo a liberdade de expressão (trato dela em dois vídeos disponíveis na nossa página do DPL no Facebook)? Por outro lado, se nossos magistrados e políticos realmente querem transformar o debate público em uma “palhaçada” ordinária, julgo que seria menos danoso convidarem alguém como o lúdico Sérgio Mallandro, para que ele possa entoar seu famoso “vem fazer glu-glu”. Além de divertida sua participação seria também ingênua e inócua. Sem falar que seria, em minha opinião, mais elevada intelectualmente. Carlos Adriano Ferraz Graduado em Filosofia pela Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), Mestre em Filosofia pela Universidade Federal de Santa Maria (UFSM), doutor em Filosofia pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), com estágio doutoral na State University of New York (SUNY). Foi Professor Visitante na Universidade Harvard (2010). É professor da Universidade Federal de Pelotas (UFPEL), bem como membro do Docentes pela Liberdade (DPL) nacional e diretor do DPL/RS. Jornal da Cidade