sexta-feira, 28 de agosto de 2020

"5G: muito mais do que um celular melhor", por Dagomir Marquezi

Entenda o que é o 5G, a internet das coisas e a grande revolução tecnológica já em curso


Nós já passamos por isso muitas vezes. Uma nova sigla aparece do nada no universo da tecnologia. A princípio não damos muita bola. Mas a sigla vai nos cercando, cercando e logo se não sabemos nada sobre ela ficamos para trás, por fora, alienados das maravilhas que um grande avanço tecnológico proporciona. Você lembra quando ainda não existia o 4G e a gente frequentava locadoras de vídeo, agências de banco e andava de táxi?

O 5G não vai chegar. Já chegou. E aqui estão algumas respostas a perguntas que você pode se fazer.

O que quer dizer afinal 5G?

5G é a sigla para identificar a quinta geração de tecnologia para redes de sinais para celulares. Sua vantagem mais aparente é a velocidade na transmissão de dados, que pode ser até 100 vezes maior que a de uma boa conexão 4G no Brasil, hoje. A 1G foi introduzida em 1989. A partir daí, aproximadamente a cada dez anos o sistema de celulares dá um salto tecnológico para outra geração.

A velocidade de transmissão de dados é a única diferença para o atual padrão 4G?

Não. As redes 5G poderão eventualmente substituir com larga vantagem nossas atuais conexões com a internet por cabo. Com a grande capacidade de transmissão de dados, vão tornar irrelevante a memória interna de cada celular. Tudo irá para a nuvem. Outro aspecto positivo é a diminuição substancial do consumo de energia, em até 90%.

Qual a velocidade de transmissão da rede 5G?

Para efeito de comparação, uma boa rede 4G atinge a velocidade de 20 megabits por segundo (Mbps). Num teste realizado pela revista Fortune em várias cidades dos Estados Unidos, as velocidades na rede 5G variaram de 220 a 950 Mbps. Ou seja, 11 a 47 vezes mais rápida do que o que temos hoje. Além disso, o tempo de resposta a um comando (ou “latência”, na linguagem técnica) vai ser reduzido a quase zero. Você dá um Enter ou clica num link e ele se abre, sem suspense.

E a tão falada capacidade do 5G de acelerar a “internet das coisas? O que é afinal a internet das coisas?

internet das coisas (ou IoT, Internet of Things) faz com que aparelhos se comuniquem entre si, tornando-se inteligentes. Poderemos, por exemplo, acender luzes antes de entrar em casa. Sua escova de dentes poderá alertá-lo de que você tem uma cárie. A geladeira poderá avisar ao supermercado se um produto tiver acabado. Seu vaso sanitário estará capacitado a fazer um diagnóstico básico de sua saúde. Seu carro vai poder avisar à polícia que está sendo roubado. Veículos se comunicarão entre si evitando acidentes. Numa escala mais ampla, a IoT pode monitorar áreas de desastre em tempo real, cuidar remotamente de fazendas e até realizar cirurgias a distância.

Toda a rede 4G terá de ser substituída?

Durante um período de transição, as duas redes funcionarão de forma integrada. Conforme a evolução do mercado, a nova rede 5G vai se espalhar. E, com essa expansão, novos horizontes econômicos deverão surgir.

Que tipo de transformação econômica a 5G pode trazer?

Dois exemplos com duas empresas que mudaram o mundo com a chegada de uma nova geração. A rede 3G havia resolvido a comunicação por voz entre dois celulares, mas a transmissão de dados era ainda muito precária — o que não permitia o desenvolvimento de aplicativos mais sofisticados. A rede 4G foi implantada em 2010. Fundado em 2009, o Uber explodiu no mercado global a partir de 2013. A Netflix, que era um serviço de locação de DVD, começou a virar uma plataforma de streaming em 2010. A nova tecnologia gerou conceitos completamente novos de economia.

Em números, qual será o impacto econômico da implantação do 5G?

Segundo projeção da norte-americana Qualcomm, o 5G vai criar 22,3 milhões de empregos e gerar crescimento na economia global de US$ 2,1 trilhões. De acordo com a empresa, o pleno impacto econômico global dessa implantação — US$ 13,2 trilhões em bens e serviços — acontecerá em 2035.

A rede 5G pode alterar o atual equilíbrio de poder?

É muito difícil prever as consequências dessa mudança. Uma novidade em especial precisa ser levada em consideração: o 5G é uma tecnologia que já nasce conectada com uma rede de centenas de satélites de comunicação que está cobrindo a Terra. Os astrônomos reclamam que está mais difícil observar as estrelas. Por outro lado, sinais transmitidos de satélites garantem que todo mundo poderá ter acesso à internet. Uma torre de celular pode ser derrubada por um ato de terrorismo, pela decisão de um ditador ou por um conflito armado. Calar o sinal de um satélite é bem mais complicado. A causa da liberdade deverá ganhar um grande instrumento.

Meu celular vai acessar a rede 5G automaticamente?

Provavelmente não. Para acessar o 5G, é preciso ter um aparelho de última geração, capacitado para isso. Já existem alguns poucos modelos à venda no Brasil, com preço acima de R$ 5 mil. E as redes experimentais ainda são restritas. Esse mercado deve explodir (e baratear) a partir do leilão de frequências.

E a segurança da rede 5G?

É um dos aspectos mais complexos da nova tecnologia. E isso fica muito claro com relação à IoT, ou internet das coisas. Em 2018, existiam 7 bilhões de aparelhos funcionando conectados com a internet. Esse número deve triplicar até 2025. Se as devidas medidas de segurança não forem adotadas, um hacker poderá controlar uma casa a distância. Ou uma usina nuclear. A segurança do sistema terá de ser objeto de constante vigilância e aperfeiçoamento.

O 5G já está em operação?

Sim. Num levantamento de junho passado já havia 38 países operando com 5G. Boa parte da Europa, China, Japão, Coreia do Sul, Tailândia, Austrália, Nova Zelândia, Canadá, Estados Unidos, Kuwait, Omã, Catar, Arábia Saudita, África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Trinidad e Tobago. Mas não são coberturas nacionais. Em geral, o 5G ainda está limitado às maiores cidades de cada país. Na China, o número de usuários já passou de 100 milhões.

Neste momento de pandemia não seria mais prudente adiar os gastos para a mudança de padrão?

Cristiano Amon, o brasileiro presidente global da Qualcomm, sugeriu ao site Olhar Digital que a crise pode virar oportunidade. “O setor de tecnologia e telecomunicações tem crescido com a pandemia, porque é por meio da tecnologia que as pessoas têm se conectado e se mantido produtivas. Uma dessas tendências é a transformação da casa em enterprise: o home office está virando office. Então, as pessoas estão interessadas em PCs com novas tecnologias, usam mais o telefone, querem um smartphone melhor. […] Estamos vendo demanda acelerada por transformação digital. Projetos que não eram prioritários, de conectar ativos e internet das coisas, vieram para a frente, porque é mais importante investir nisso do que construir um prédio novo. Então, no setor de tecnologia há oportunidades de crescimento grande e o momento é de aceleração do 5G, não o contrário.”

Como está a situação do 5G no Brasil?

Estamos à espera de um “leilão de frequências” que definirá detalhes técnicos da implantação. Esse leilão, que é determinante para a evolução do sistema, foi adiado por causa da pandemia. De acordo com a Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), o leilão acontece só em 2021, talvez no primeiro trimestre, mais exequível no meio do ano. Segundo o ministro das Comunicações, Fabio Faria, o 5G oferecerá uma cobertura maior para os “órfãos da internet”, que ainda não têm acesso à rede atual. O ministro do Gabinete de Segurança Institucional, general Augusto Heleno Ribeiro Pereira, foi em sentindo contrário em entrevista à Revista Oeste: “O 5G é caro para caramba. Muito caro. E não é para todo mundo. Não é como o telefone celular que temos hoje. No Brasil, não será viável disponibilizar o serviço do Oiapoque ao Chuí. Vai ter, provavelmente, nos grandes centros”.

Quanto tempo teremos de esperar para usar o 5G?

A Anatel está prevendo que a implantação de verdade do 5G no Brasil só aconteça em 2022. Enquanto isso, as operadoras estão aproveitando uma opção chamada 5G DSS, que rearranja os sinais já existentes. Dessa forma, os recém-chegados aparelhos pioneiros 5G já podem ser utilizados com velocidade até doze vezes maior que a atual. Ainda não é 5G de verdade, mas um 4G turbinado, sem todo o potencial da nova tecnologia. Para efeito de comparação: com o 5G DSS é possível baixar um filme inteiro em alta definição em 50 segundos. Com o 5G “de verdade”, esse tempo cai para 17 segundos.

O 5G faz mal para a saúde?

Redes 5G não são culpadas pelo novo coronavírus nem causam câncer. Todo grande avanço tecnológico gera boatos de quem gosta de viver no passado.

Qual o problema com a Huawei?

A Huawei é uma empresa altamente capacitada que oferece preços menores para a implantação da rede 5G. O problema é que a Huawei é chinesa. Sendo chinesa, tem de obedecer às regras do regime ditatorial de seu país. E, como no caso do aplicativo TikTok, ninguém sabe onde terminam as decisões da empresa e começa o poder do Partido Comunista Chinês. Na prática, o perigo é de espionagem e controle remotos em alta escala. Entregar uma rede de importância vital para o futuro de qualquer nação a uma empresa chinesa é no mínimo arriscado. Estados Unidos, Reino Unido, Portugal, Índia, Canadá e Nova Zelândia já estabeleceram limites à Huawei. A França e a Espanha vão pelo mesmo caminho. O embaixador dos Estados Unidos no Brasil, Todd Chapman, já declarou em entrevista ao jornal O Globo que o Brasil terá problemas com investidores norte-americanos se utilizar equipamentos da Huawei. Outras opções de fabricantes incluem a Nokia (finlandesa), Samsung (sul-coreana) e Ericsson (sueca). Marcelo Motta, diretor da Huawei no Brasil, garante que “essas acusações que pesam contra nós não possuem nenhum fundamento e nos acompanham à medida que começamos a crescer no mercado internacional”.

O Brasil aceitaria a Huawei para montar sua rede 5G?

O general Augusto Heleno, ministro do Gabinete de Segurança Institucional, deu esta declaração a esse respeito à Revista Oeste: “O 5G não é um problema só tecnológico. É um tema político estratégico muito sério. Então, não posso dizer a vocês tudo o que temos avaliado em relação ao 5G e à própria Huawei. […] Há questões relacionadas a licitações que envolverão empresas globais, política internacional e segurança de dados. Os dados estarão na mão de alguém, temos que escolher com quem ficarão. Não tem escapatória”. Ou seja: ainda não existe uma definição a respeito. O general Walter Souza Braga Netto, ministro-chefe da Casa Civil, declarou em junho que “questões políticas também serão levadas em consideração” na implantação da rede. Marcos Pontes, ministro da Ciência e Tecnologia, disse que o Brasil não permitirá pressão dos Estados Unidos nas suas escolhas. “Um bom parceiro sempre entende as necessidades do outro”, disse o ministro à Bloomberg. “Da mesma forma que o Brasil não fez reivindicações sobre quais negócios os Estados Unidos fazem com a China e como isso afeta ou não nosso agronegócio”. O Brasil está na difícil condição de querer agradar a seus dois maiores clientes comerciais, os Estados Unidos e a China, que estão em conflito.

Alguém já está pensando na próxima fase?

Sim. A sul-coreana Samsung anunciou que já está trabalhando numa tecnologia 6G para 2028 com velocidade 50 vezes maior que a atual. Segundo a empresa, assim como o 5G vai proporcionar um avanço na internet das coisas, o 6G dará um empurrão no princípio da realidade estendida. A internet das coisas e a realidade estendida vão integrar definitivamente os humanos com a tecnologia que criamos. As máquinas serão mais humanizadas e seremos todos um pouco ciborgues. Outras empresas, como as chinesas Huawei, Xiaomi e a norte-americana Qualcomm, também estão na corrida para o 6G.


Dagomir Marquezi, nascido em São Paulo, é escritor, roteirista e jornalista. Autor dos livros Auika!, Alma Digital, História Aberta, 50 Pilotos — A Arte de se Iniciar uma Série e Open Channel D: The Man from U.N.C.L.E. Affair. Prêmio Funarte de dramaturgia com a peça Intervalo. Ligado especialmente a temas relacionados com cultura pop, direitos dos animais e tecnologia.

Revista Oeste