segunda-feira, 6 de agosto de 2018

Crise afeta setor de mídia em agências

A receita para anunciar, no passado, era simples. Bastava escolher entre rádio, TV, revista, jornal e outdoor. Ou fazer uma combinação de veículos. Agora, além desses meios, há Instagram, Facebook, Google, Twitter, blogueiros, “influencers” e mais uma série de aplicativos ou “pontos de contato” com o consumidor. Navegar essa complexidade parece exigir estratégia e experiência. No entanto, na contramão dessa necessidade de planejamento, as agências estão cortando justamente do profissional de mídia, responsável por guiar a comunicação de uma marca em um terreno cada vez mais complexo.
O departamento de mídia estuda o mercado para decidir quando e como é melhor anunciar. O problema é que, em um momento de crise econômica, que se refletiu em dificuldades para o mercado publicitário, esse departamento vem sendo afetado por cortes – e o alvo principal são justamente os cargos de liderança, que pagam salários mais altos. Para Paulo Sant’Anna, vice-presidente de mídia da McGarryBowen e presidente do Grupo de Mídia São Paulo, trata-se de um “tiro no pé”.
O profissional de mídia, segundo Sant’Anna, não só faz a triagem de quanto um cliente deve investir em cada veículo, mas também negocia preços de inserções. Ele defende que, se essa tarefa ficar nas mãos de alguém pouco experiente ou mal preparado, o alcance da campanha – por mais criativa que seja – pode ser prejudicado, já que a mensagem poderá ser desperdiçada nos meios errados. “Perde a agência, perde o cliente”, resume.
Mídia&MKT
Enxugar setor de mídia pode afetar resultado de campanhas, diz Sant'Anna, da McGarryBowen 
Foto: Felipe Rau/Estadão
Cortes. A Young & Rubicam é uma das agências que reestruturaram seu departamento de mídia. Extinguiu o cargo de vice-presidente de mídia, os de diretores gerais e os de diretores de grupo, segundo Gláucia Montanha, que assumiu há um ano como diretoria-geral de mídia.
“O que fizemos foi mudar uma estrutura que tinha vários patamares, até chegar ao VP (vice-presidente) de mídia, por outra mais horizontal, mais enxuta e efetiva”, explica Gláucia. O formato, diz, foi inspirado no modelo das startups, com mais cargos gerenciais e menos diretorias e chefias.
A WMcCann também vem fazendo mudanças – provocadas por problemas financeiros, segundo André França, diretor-geral de mídia da agência. Enquanto tenta administrar a questão dos custos, a empresa busca um novo perfil de profissional de mídia, que deve entender também de análise de dados e de ferramentas de tecnologia.
Embora acredite que o profissional de mídia não possa ter uma formação apenas da área de humanas, como tradicionalmente ocorria, o executivo da WMcCann admite que ainda não se sabe qual é o novo modelo ideal para o departamento.
Para Mario D’Andrea, presidente da Associação Brasileira de Agências de Publicidade (Abap), as agências ainda estão “tateando” como atuar em um cenário pulverizado. “As pessoas mudaram seus hábitos de mídia. Clientes e agências sempre estão atrasados em relação ao consumidor”, diz. “Por isso, o mídia deveria ser mais valorizado. Mas, em vez disso, o profissional que se valoriza agora por aí é o que fica atrás de números: quantos ‘views’, quantos ‘likes’, quantas impressões. E isso não quer dizer nada.”
D’Andrea diz que a crise do setor de mídia nas agências brasileiras não reflete o cenário do mercado internacional. Lá fora, segundo ele, a experiência é valorizada. “A publicidade deixar de lado o líder do departamento de mídia é como um banco abrir mão de suas lideranças e deixar o gerente iniciante cuidar da fortuna do cliente.”
Clientes. A diretora de marketing da montadora alemã BMW, Nina Dragone, diz que o mercado está se transformando e que essa realidade exige um profissional mais completo. “Mas isso de forma nenhuma quer dizer que o departamento (de mídia) precisa ser enxugado. Equipes enxutas demais acabam impactando o cliente também”, diz ela.

Segundo Ricardo Armbrust, ex-profissional de mídia de agências como Africa, Dentsu, Fischer America e atual executivo da Johnson & Johnson, a crise nas agências afetou mais os departamentos de mídia. “Os clientes – e não falo só por mim – estão preocupados. As agências perderam muito tempo quando colocaram os profissionais de criação na liderança. Agora, estão perdendo o foco novamente ao dilacerar a área de mídia.”

Lílian Cunha,especial para o Estado, O Estado de S.Paulo