
Numa pré-campanha eleitoral marcada pelo cenário de incertezas e imprevisibilidade, a definição dos vices nas chapas de candidatos à Presidência passou por difíceis articulações. Em muitos casos, os escolhidos foram não só os planos B, mas os C e D. Assim, as negociações acabaram explicitando que a aliança com o centrão era o fator que mais dava ao presidenciável tranquilidade e leque de opções relevantes para fazer escolhas estratégicas.
À exceção de Geraldo Alckmin, que convidou a senadora Ana Amélia (PP), uma das muitas opções que sua aliança oferecia, os outros candidatos precisaram recorrer a soluções caseiras, seja dentro do próprio partido, ou com vices de perfis semelhantes aos seus. Bolsonaro, líder das intenções de voto nos cenários sem Lula, recebeu negativas de seus nomes preferidos: o senador Magno Malta (PR) e a advogada Janaína Paschoal, e fechou com o general Hamilton Mourão (PRTB). Ciro Gomes, depois de perder o centrão, acabou numa chapa puro sangue, com Kátia Abreu, que lhe confere uma inserção num nicho diferente, o do agronegócio. Já o PT e Marina se uniram a velhos aliados.
Entre os vices escolhidos pelos principais candidatos, destaca-se a forte presença de mulheres, principalmente se Manuela D'Ávila (PCdoB) for confirmada na chapa do PT. Esse fator mostra como os políticos estão de olho no eleitorado feminino, a maioria no Brasil, principalmente no caso de Alckmin, que teve maior escopo para escolha. Mas, no geral, o que realmente determinou foram as alianças e coligações partidárias, segundo especialistas.
— Em vários casos, os candidatos possuíam outros nomes de preferências, mas as chapas acabaram muito vinculadas às alianças. O Ciro Gomes, por exemplo, tentou aliança com o centrão, depois com o PSB e até com o PCdoB, e no final terminou com uma vice do próprio partido. Bolsonaro também teve que apelar para uma aliança de última hora com o PRTB. Quem teve uma aliança que permitia muitas opções foi o Geraldo Alckmin — explica o cientista político, e professor da PUC, Ricardo Ismael, destacando a relevância da conquista do apoio do centrão nesse aspecto.
Na mesma linha, o professor da USP José Augusto de Albuquerque afirma que o principal era pegar o centrão, e que a escolha do vice se tornou “secundária”.
— O que o Ciro estava procurando no centrão que ele odeia? Uma forma de ter votos e, principalmente, governabilidade caso eleito. Ideia era: quem pegar o centrão, vai ter escolha fácil para vice. Centrão não morre de amores por Alckmin, mas achou que ele é capaz de ganhar, e que ele tem abertura para diálogo. Definição do vice se tornou refém da formação da coalizão.
Incertezas e rejeição do governo
A demora na definição dos vices foi um dos aspectos marcantes nas negociações. Segundo Geraldo Tadeu Monteiro, cientista político da UERJ e presidente do Instituto Brasileiro de Pesquisa Social, o cenário político de incerteza geral culminou em articulações dificultadas. Além das múltiplas candidaturas, destaca-se o fato de que, pela primeira vez desde a redemocratização, a situação não consegue emplacar um nome que saia, no mínimo, na frente da disputa.
— Várias candidaturas foram colocadas e retiradas. Acrescenta-se ainda a grave crise econômica e um governo com rejeição recorde e sem um candidato muito definido. Tudo isso abre uma janela de incerteza muito grande. O político gosta de se posicionar estrategicamente, apostar no cavalo que vai vencer, então as alianças e, consequentemente, escolhas de vice, foram adiadas ao máximo — explica Monteiro.
Diante da imprevisibilidade, os candidatos acabaram mudando as lógicas de escolha de vice, enxerga Monteiro.
— Normalmente, se escolhe vice para fechar uma lacuna. Se está mal entre o eleitorado feminino, escolhem uma mulher. Se quer mais apoio no Nordeste, pega alguém de lá. Dessa vez nem isso conseguiram, foi a lógica do “não tem tu, vai tu mesmo”.
Com as definições das chapas, é possível apontar aqueles candidatos que saíram mais vitoriosos ou derrotados. Alckmin escolheu uma senadora do Rio Grande do Sul, um dos maiores eleitorados do Brasil — onde pode se configurar uma disputa de votos com Álvaro Dias — e mulher, que também pode lhe render mais simpatia das eleitoras. Ainda assim, é uma conservadora, o que não afasta os votos mais à direita. Já Ciro Gomes escolheu uma vice que sinaliza um movimento mais ao centro, dizem os cientistas políticos ouvidos pela reportagem.
Bolsonaro enfraquecido e PT mais jovem
O professor da FGV Cláudio Couto analisou as movimentações dos candidatos. Segundo ele, Bolsonaro fechou com alguém que não lhe agrega um novo eleitorado. Nos outros casos, as escolhas foram de certa forma complementares.
— O caso do Bolsonaro é interessante, porque ele é um capitão e o Mourão um general. Acaba sendo uma inversão da hierarquia militar que eles tanto prezam. No final, os dois pregam para os próprios convertidos. Agora, é interessante analisar que o Mourão seria um escudo “anti impeachment”, pois ninguém vai querer derrubar Bolsonaro para botar um general na presidência — diz Couto, que viu estratégias diferentes dos outros candidatos.
— A Ana Amélia foi uma escolha estratégica para o Alckmin, porque o Alvaro Dias era um obstáculo para ele no Sul. A Kátia Abreu, para o Ciro, pode lhe trazer inserção no agronegócio. E a Marina Silva fez uma micro aliança. O PV não agrega muito, mas é melhor que nada. E o Eduardo Jorge tem bom trânsito entre os jovens e movimentos sociais.
Além de não ter ampliado seu leque eleitoral, com a escolhe de um general como vice, Bolsonaro viu ainda dois adversários se aliarem a pessoas ligadas ao agronegócio, nos casos de Katia Abreu e Ana Amélia.
— Acho que Bolsonaro perde mais no caso da Ana Amelia. É difícil o Ciro convencer muito os ruralistas por ser identificado com a esquerda, ainda que tenha a Katia. Já o Alckmin tem mais diálogo com eles — afirma Couto.
Já Ismael relativiza a perda política de Bolsonaro.
— Katia vai ajudar o Ciro na região Norte e Centro Oeste. Ana acho que tem mais a questão do eleitorado do Rio Grande do Sul, independente do agronegócio. Mas não sei se Bolsonaro perde tanto, porque, apesar de elas influenciarem, o eleitorado quer saber mais das ideias do presidente, e não do vice.
A falta de um nome muito forte, como era por exemplo Michel Temer, então presidente do PMDB, para a Dilma, também é um fator de destaque. Ismael afirma que nenhum vice “vai arranjar problemas para seu presidente”. De todos os casos, o que mais resguarda imprevisibilidade, até pela própria incerteza sobre a cabeça da chapa, é o do PT.
— Os dois da chapa são jovens, então pode ter problemas para público mais velho e conservador. Por outro lado vão ser queridinhos do circuito universitário. Mas acho que a Manuela destoa um pouco, se pensarmos que ela pode assumir a presidência — afirma Ismael.
Do outro lado, Couto analisa que a escolha do PT foi positiva para o partido pois rejuvenesce seus quadros.
— Lula muito provavelmente não será candidato, então devemos ter a chapa Haddad e Manuela. No sudeste ele vai ter dificuldade, mas com apoio nítido do Lula pode crescer principalmente no Nordeste. Os dois podem figurar como políticos novos, sem problema de corrupção. A aposta do PT pode ser em rejuvenescer sua cara. Gestão do Haddad talvez até tenha tido problemas em São Paulo, mas muito até por ele ser mais arrojado que era o seu eleitorado.
Aposta nas mulheres
Apesar da estratégia de colocar mulheres na chapa, a conversão em votos femininos não é garantida. Para José Augusto de Albuquerque, o eleitorado feminino não deve ser seduzido pelas vices mulheres.
— Podem até enxergar como puro modismo ou afronta, no caso de candidatos de direita recorrerem a mulheres. Até o Bolsonaro tentouuma mulher. Então podem ser que não embarquem .
Lucas Altino, O Globo