domingo, 5 de agosto de 2018

"A saída é mais jornalismo", por Marcos Lisboa

Fake news é expressão nova para tema velho.
 Os “Protocolos dos Sábios de Sião” foram forjados no começo do século passado. Tratava-se da suposta ata de uma reunião de lideranças sionistas com planos para controlar o sistema financeiro e a imprensa ocidental; depois utilizada por Henry Ford e pelos nazistas para atacar os judeus.
Não foi a primeira vez. As falsificações eram frequentes na antiguidade. O cristianismo, por exemplo, defrontou-se com os relatos forjados de seguidores dos apóstolos, como o famoso pseudo-Dionísio.
Na Idade Média, foram inventadas deliciosas viagens a terras inexistentes e seus animais maravilhosos. Há 16 anos, falsificou-se um encontro entre Charles Dickens e Fiódor Dostoiévski com tamanha sofisticação que chegou a ser citado em duas biografias de Dickens.
Em “Tlön, Uqbar, Orbis Tertius”, Jorge L. Borges presta homenagem a essa antiga arte ao relatar o encontro de uma edição falsificada da “Enciclopédia Britânica” que descreve um país inexistente.
“O Nome da Rosa”, de Umberto Eco, começa com a inventada descoberta de um manuscrito medieval que conta a investigação de crimes em um mosteiro e su a biblioteca. O culpado é um monge, Jorge, cego como Borges.
Por aqui, na República Velha, a imprensa difundiu falsificações, como as cartas atribuídas a Arthur Bernardes com ofensas aos militares. Não houve desmentido que bastasse. Os anos 1950 assistiram à proliferação da imprensa que distorcia fatos para vender jornais ou difamar a divergência, perversamente retratada em “O Beijo no Asfalto”, de Nelson Rodrigues.
A notícia, porém, como alerta Eugênio Bucci, jamais é falsa. Ela pode estar errada ou colorir alguns aspectos, esquecendo outros. Não se combate o erro ou a distorção com censura, mas sim com mais notícias, com o contraponto e o debate.
A jurisprudência americana estabeleceu que notícias não podem ser censuradas, a menos que causem grave e comprovado risco, como a publicação do dia e local da invasão da Normandia pelas tropas aliadas. Jornalistas podem ser punidos apenas caso reportem com demonstrada falta de cuidado. Falsificações não são notícias e podem resultar em ações criminais.
No governo Lula, acusaram-me de ser um agente a soldo do Banco Mundial. Alguns críticos, por má-fé ou incompetência, utilizavam estatísticas de década anterior. Existem relatórios que inventam que apoio sicrano ou beltrano.
Defender a liberdade de expressão implica conviver com afirmações estapafúrdias, mesmo quando o desatino sugere desonestidade. Melhor rir das bobagens que capturam os desavisados. O remédio é ler mais, não menos. A alternativa da censura tem efeitos colaterais desastrosos.
Perfil falso no Facebook usa imagem de Marcos Lisboa, colunista da Folha
Perfil falso no Facebook usa imagem de Marcos Lisboa, colunista da Folha - Reprodução
 
Marcos Lisboa
Presidente do Insper, ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda (2003-2005) e doutor em economia.

Folha de São Paulo