Mesmo com uma reforma da Previdência, é quase nenhum o espaço fiscal para aumentar (ou manter) gastos sociais com cortes maiores em outros
A PEC 241, aprovada na Câmara dos Deputados, não mudou apenas a numeração ao chegar ao Senado Federal. O conteúdo que agora atende pela designação de PEC 55 e vai passar por mais dois turnos de votação até ser promulgada, presumivelmente em meados de dezembro, não é o mesmo que foi enviado pelo governo ao Congresso. O relatório aprovado na Câmara endureceu ainda mais a proposta de emenda constitucional e introduziu restrições adicionais ao texto original, não deixando válvulas de escape para situações excepcionais, exceto calamidades públicas bem definidas, mesmo no caso de despesas obrigatórias, como as da Previdência.
De acordo com o texto aprovado na Câmara, todos os ganhos de arrecadação eventualmente obtidos, como a recente repatriação de recursos mantidos no exterior, mesmo quando originados de crescimento da economia, só poderão ser destinados ao reforço do resultado primário ou à redução do estoque de restos a pagar. No caso de descumprimento do teto, além da vedação a contratações de pessoal e a realização de concursos públicos, despesas obrigatórias não poderão ser reajustadas — salários de servidores e benefícios previdenciários, só para dar uma ideia, são gastos obrigatórios. Havendo descumprimento do teto, o dispositivo aprovado na Câmara incluiu também a proibição de reajustes do salário mínimo.
Já havia uma consciência bem disseminada de que não seria fácil cumprir os tetos previstos na PEC, mesmo com abrangentes cortes de programas e investimentos públicos, sem reformas restritivas na Previdência Social. Com a PEC 55, essa interdependência se tornou inevitável e ficou evidente que as mudanças propostas no regime fiscal são indissociáveis da reforma previdenciária. Um estudo do economista Pedro Fernando Nery, consultor do Núcleo de Estudos e Pesquisas do Senado, qualifica, não sem razão, o novo regime fiscal e as mudanças na Previdência como “reformas gêmeas” (http://bit.ly/2fiPiSN).
Nery calculou quanto os gastos previdenciários absorveriam do total de despesas públicas ao longo do tempo, sem uma reforma da Previdência. A conta começa com 55% do total orçamentário, em 2017, e avançou até 75%, em 2026. O autor lembra que o espaço para cortes fica ainda mais restrito, se for considerado que muitas despesas pesadas, sobretudo entre as obrigatórias, são legalmente bem protegidas e terão prioridade natural a serem preservadas, na determinação dos cortes.
O que se observa, quando se tem conhecimento dessas restrições e particularidades, é que as acirradas discussões até aqui travadas sobre que gastos a cortar e a preservar, se aprovada a PEC como está, podem não ter passado, na vida real, quase de um exercício teórico. A verdade é que, na prática, sobraria quase nada a poupar de encolhimentos — Saúde e Educação incluídos. O argumento dos defensores da PEC, segundo o qual investimentos públicos e gastos sociais poderiam ser preservados desde que outras rubricas fossem podadas, não encontra espaços fiscais verdadeiros para serem obtidos.
Mais do que isso, parece realista considerar a alta probabilidade do descumprimento do teto, mesmo que uma reforma previdenciária básica consiga ser aprovada e ainda que o período de transição nela estipulado não seja muito longo. Com base nas simulações apresentadas por Pedro Nery, a partir do décimo ano de vigência do teto de gastos, se o indexador das despesas anuais não for alterado, mantendo-se a inflação do ano anterior como fator de correção, verifica-se que descumprir o teto será praticamente inevitável, uma vez que os gastos previdenciários consumiriam, nos dez anos subsequentes, toda a despesa primária e até um pouco mais.
Com o descumprimento do teto, os mecanismos automáticos de contenção de gastos promoveriam, nas palavras do consultor legislativo do Senado, uma espécie de “reforma automática” da Previdência, pela via do congelamento nominal do salário mínimo, aos quais dois terços dos benefícios previdenciários estão atrelados. A “reforma automática”, assim, recairia diretamente sobre as camadas de renda mais baixas.