sábado, 20 de agosto de 2016

Vitor Hugo Soares: Imprensa e verdade: do canoeiro Isaquias ao nadador Ryan"

Com Blog do Noblat - O Globo


Discreta, no meio do bombardeio cerrado do noticiário, sobre os Jogos do Rio 2016 e o impeachment da presidente afastada Dilma Rousseff (que decidiu comparecer aos atos derradeiros do seu praticamente inevitável bota fora, pelo Senado), a Associação Baiana de Imprensa (ABI) festejou 86 anos de fundação, na última quarta-feira, 17. Fiquei indeciso sobre como fazer o registro do relevante fato histórico, para o jornalismo da Bahia e do País, até deparar com os desdobramentos de dois fatos contrastantes, mas expressivamente representativos, do jogo decisivo verdade X mentira, dos tempos olímpicos que atravessamos. Em ambos, a veracidade parece vencer o confronto com a empulhação.
Isso merece ser vivamente saudado. às vésperas do empolgante desfecho de mais um agosto para ficar na memória. Refiro-me, no primeiro caso, aos relatos sobre as glórias de Isaquias Queiroz, o jovem canoeiro de 22 anos, nascido e criado em Ubaitaba, no sul baiano: às margens do lendário Rio de Contas, que embalou os melhores sonhos do menino simples do interior, “sem um rim” (o noticiário faz questão de lembrar o detalhe), perdido depois de despencar de uma árvore durante desastrada brincadeira de infância. Na sexta-feira em que escrevo este artigo, Isaquias já tem conquistadas duas incríveis medalhas olímpicas (prata e bronze), e acabara de se classificar, em  primei ro lugar, para disputar a terceira, neste sábado. Qualquer que seja o resultado da última prova, no deslumbrante cenário da Lagoa Rodrigo de Freitas, o Brasil já celebra, com justiça, os feitos memoráveis deste filho dileto da “aldeia das canoas”.
A parte desonrosa desta narrativa fica por conta da equipe de quatro nadadores dos Estados Unidos, entre eles o multi medalhista Ryan Lochte  - “o garoto mimado da imprensa americana”, como resumiu o repórter Guga Chacra, correspondente da canal privado Globo News em Nova York – , que declarou, em uma delegacia da Polícia Civil, ter sido assaltado violentamente, por ladrões que se faziam passar por policiais, na madrugada de domingo passado, - juntamente com seus colegas Jimmy Feigel, Gunnar Bentz e Jack Conger -, quando retornavam de taxi, na madrugada, de uma festa de embalo  na Casa da França, para a Vila Olímpica.
A apuração da denúncia criminosa e irresponsavelmente forjada e cheia de “buracos” factuais, abriria espaços para um episódio robusto de contradições e acusações perversas e perniciosas, mal costuradas por Ryan, seu idealizador, desde a origem. Um caso carregado de deslustres pessoais, desportivos e profissionais em várias setores (inclusive o jornalismo), repleto de de áreas de sombras, de invencionices e graves e irrecuperáveis malefícios causados à imagem do Rio de Janeiro, sede da Olimpíada, e aos seus habitantes tão generosos e hospitaleiros.
Ao país também, quando, no primeiro momento, o delinquente principal (ao lado de seus parceiros, cúmplices por ação ou omissão), aos 33 anos de idade, foi tratado como “moço, jovem vítima da violência cruel e sem freios que impera na cidade sede dos Jogos 2016. Sem qualquer verificação ou checagem, tudo (ou quase) passou a ser considerado a mais pura e cristalina verdade factual.
E a versão marginal ganhou a estrada do mundo, começando pela Austrália, até chegar, logo em seguida, aos Estados Unidos, onde se transformaria na vergonha real e explícita que se conhece e se revela agora, depois de assentada a poeira do mito – neste caso da mistificação - de que fala o escritor francês, Eduardo Zamacois, em “Opinião Pública”, seu romance mais famoso.   
E se falamos neste caso de imprensa e ética, dos permanentes contrastes e confrontos do bom e do mau jornalismo, vale aqui um destaque especial ao diário britânico The Guardian. Foi ele o primeiro a cumprir, de fato, a regra basilar da reportagem: duvidar sempre das aparências, investigar com afinco e isenção, confrontar dados e palavras, seja lá de quem for, com a realidade. E assim foi buscar as imagens, de Ryan e seus comparsas, tomadas na volta predatória à Vila Olímpica, depois “do terrível  assalto sofrido no Rio". As imagens revelaram delinquentes despreocupados, de posse de suas carteiras, celulares, credenciais e outros pertences. Salvo os 100 reais e os 20 dólares, que se dispuseram a gastar, para pagar prejuízos e se livrarem da enrascada em que, de fato, se envolveriam se chegasse a polícia, chamada para conter os desordeiros olímpicos que vandalizaram, urinaram e depredaram o posto de gasolina onde pediram ao taxista para dar uma parada – já perto da Vila dos Atletas – de volta da noitada com mulheres, álcool e vídeos. O Jornal Nacional da TV Globo divulgou tudo, e o rumo do caso começou a mudar.
Depois é o que se sabe, e as conseqüências ainda por saber e a conferir. Reviravoltas. Mudanças bruscas de opiniões nas redes sociais e na mídia nacional e estrangeira, em muitos casos sem nenhum pedido de desculpas ou autocrítica, nos Estados Unidos, mas também no Brasil. Pusilanimidades, também, a exemplo das justificativas e cumplicidades com os delinquentes e seus maiorais, contidas nas declarações, ao JN, do coordenador de comunicação da Rio 2016, Mário Andrada. Em silêncio seguem o Itamaraty e a diplomacia norte-americana. Encerrada a investigação policial, com esclarecimentos cruciais e devidos, aguarda-se a firme e severa decisão da justiça – esportiva e criminal – que puna os mentirosos predadores responsáveis por este triste e vergonhoso episódio.
Enquanto isso, antes do ponto final, salve Isaquias e viva o aniversário da Associação Baiana de Imprensa e a plena liberdade de informação.
Imprensa (Foto: Arquivo Google)