domingo, 19 de outubro de 2014

"Aécio sufoca Dilma para atravessar o Rubicon", por Vitor Hugo Soares

Com Blog do Noblat - O Globo


“A liderança é um risco, quem não assume não merece esse nome", proclamou Ulysses ao justificar o mandamento primeiro e básico de seu famoso Decálogo político.

Na sua principal reportagem política de quarta-feira, 15, o jornal espanhol El Pais (Edição do Brasil) definiu com precisão o quadro eleitoral brasileiro, às vésperas da votação, no segundo turno: um País polarizado como nunca, desde a redemocratização, irá às urnas no dia 26 para decidir o dilema de reeleger a petista Dilma Rousseff, ou escolher Aécio Neves, do PSDB, seu novo presidente.
Na quinta-feira, 16, a nação "viu com espanto" o mais feroz e contundente debate entre os dois candidatos finalistas, transmitido pelo SBT. A frase citada, esclareço, é copiada do falecido Walmir Palma, notável repórter policial da Bahia. Palma cunhou a expressão para designar aquele tipo renitente e chato de leitor que chegava à antiga redação de A TARDE, na Praça Castro Alves, com um exemplar do jornal baiano debaixo do braço, nas horas mais impróprias e tensas do fechamento da edição. Começava a desfiar sua queixa ao infeliz repórter designado para ouví-lo, com a frase invariável: "Li com surpresa"... 
Ontem, 17, o País amanheceu lotado de "vi e li com surpresa". Isso depois de assistir ao vivo o debate na TV, ou ler sobre ele e suas incríveis cenas de bastidores, na intensa repercussão nos jornais e redes sociais. Textos, vídeos, fotografias da candidata petista, ainda zonza depois da refrega com o tucano. Sem conseguir articular a resposta a um pedido de avaliação do debate, Dilma disse à repórter estar passando mal, sendo levada para sentar-se e receber um copo com água para se recompor.
Por fim, a imagem acabrunhante para um participante de debate político, seus apoiadores, assessores e eleitores: Dilma, ainda grogue pela dureza dos golpes da refrega, que causou "queda brusca de pressão", precisa de amparo para deixar o estúdio. 
Mal comparando (ou bem?), parecia o pugilista que sai do ringue não totalmente refeito do "nocaute técnico" imposto pelo adversário. Situação vexatória que, provavelmente, fará a candidata rever nos debates que faltam antes da votação (Record e Globo), a estratégia  de aplicar golpes abaixo da linha da cintura dos adversários, para vencer a qualquer custo.  
O que mais importa aqui, no entanto, é registrar um fato inexorável: a disputa Aécio x Dilma chegou aos seus momentos mais efervescentes, cruciais e imprevisíveis. Aquele instante que o mestre da política e do parlamento, Ulysses Guimarães, afirmava ser o mais importante para todo homem público. A hora que separa o estadista do reles chefete de província, do provocador barato de palanque ou da propaganda "gratuita" na TV. Hora em que, na imagem histórica fantástica e poderosa de Ulysses, o político está a exemplo do conquistador romano Julio Cesar, na margem do Rio Rubicão.
Precisa decidir se atravessa o rio. Se vai adiante, nas suas conquistas, ou se detém e recua, acovardado frente ao desafio desconhecido e ao medo dos golpes no escuro. É o instante do primeiro e mais importante mandamento do Decálogo do Estadista, gestado pelo saudoso, bravo e indomável comandante das refregas contra a ditadura e pela redemocratização no Brasil: A CORAGEM.
"Há momentos em que o homem público tem que decidir. Sem coragem não o fará. Cesar não foi ao Rubicon para pescar, disse André Malraux. Se Pedro Primeiro fosse ao Ipiranga para beber água, suas estátuas não estariam nas praças públicas do Brasil. O medo tem cheiro. Os cavalos e cachorros sentem-no, por isso derrubam ou mordem os medrosos. Mesmo longe, chega ao povo o cheiro corajoso de seus líderes. A liderança é um risco, quem não assume não merece esse nome", proclamou Ulysses ao justificar o mandamento primeiro e básico de seu famoso Decálogo político.
Ainda na madrugada da sexta, depois de virulento comício em Manaus, o ex-presidente Lula, dirigente maior do petismo, saiu em defesa da afilhada Dilma. Ele que, na véspera, em palanque no Pará, havia chamado Aécio Neves de "o cara embriagado que se recusou a fazer exame do bafômetro ao ser flagrado pela Lei Seca no Rio de Janeiro", considerava "grosseiro" o comportamento do tucano diante da petista no debate do SBT.
Prefiro ficar com o sábio conselho da minha saudosa mãe, dona Jandira, política ferrenha e seguidora fiel até a morte de Ulysses e Tancredo: "Quem procura, acha".
Tancredo Neves e Ulisses Guimarães (Foto: Divulgação)Tancredo Neves e Ulisses Guimarães (Imagem: Divulgação)