domingo, 1 de dezembro de 2019

‘80% do pacto entre Mercosul e UE pode ser executado logo’

Com a provável saída do Reino Unido da União Europeia, o Brexit, os britânicos terão de negociar com os países do Mercosul a manutenção de aspectos do acordo comercial fechado com Bruxelas
Embora o pacto firmado entre os dois blocos após 20 anos de negociação ainda exija ratificação por todos os países-membros, há um atalho para que 80% do pacto seja executado de maneira provisória a partir da assinatura ou meses depois dela. A opinião é do analista de questões legais da política comercial do bloco europeu, o belga Guillaume Van der Loo. O pesquisador do Centro de Estudos Políticos Europeu esteve em São Paulo na última semana para um evento da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap) sobre o tema e deu entrevista ao Estado
Para Guillaume Van der Loo, ratificar o acordo assinado entre Mercosul e União Europeia será a parte mais difícil
Para Guillaume Van der Loo, ratificar o acordo assinado entre Mercosul
e União Europeia será a parte mais difícil Foto: Rafayane Carvalho/FAAP
- Quais as expectativas para a aprovação e ratificação do acordo comercial entre Mercosul e União Europeia? 
As negociações levaram cerca de 20 anos e podemos dizer que a parte mais difícil ainda vai começar, que é o processo de assinatura e ratificação. Falando pelo lado europeu, para esse processo ainda há algumas preocupações e questões pendentes. Do ponto de vista dos procedimentos, das instituições e dos atores que precisam assinar e ratificar o pacto, estão o Conselho Europeu, que representa os Estados-membros, e os Parlamentos nacionais de todos os países do bloco. 
- Todos precisam assinar e ratificar o acordo? 
Sim, e isso complica a questão, porque cada um dos 28 Estados-membros segue a própria Constituição. Em alguns deles, seus Parlamentos têm duas Casas e todas precisam aprovar e ratificar. Na Bélgica, por exemplo, até mesmo os Parlamentos regionais precisam assinar e ratificar o acordo.
- Alguém pode vetar? 
Um exemplo de quão problemático e difícil pode ser o processo de assinatura é o caso do acordo econômico assinado entre a União Europeia e o Canadá, há dois anos. Ele é um dos casos que chamamos de “acordo mix”, que significa que precisa ser assinado e ratificado não apenas pela União Europeia, mas por todos os Estados-membros. Por razões políticas, em uma região da Bélgica, um Parlamento local tem bloqueado a assinatura desse acordo para toda a União Europeia. Esse exemplo foi apenas para ilustrar que, se um país disser não, é não. Todos têm de estar juntos. Esse longo processo de ratificação, normalmente, pode levar de três a cinco anos. 
- Há alguma brecha? 
A boa notícia é que existe um clássico atalho para contornar esse processo. Ele é chamado, sob a lei internacional, de “aplicação provisória”. Ele diz que, se a União Europeia e os países do Mercosul concordarem - e isso deve ser proposto pelos europeus -, eles poderão aplicar provisoriamente partes do acordo. Na verdade, 80% do pacto pode ser executado no momento da assinatura ou alguns meses depois dela.
- Por que não é assim direto? 
As razões pelas quais não só a UE, mas todos os Estados-membros precisam assinar e ratificar o acordo é que há provisões que são de competência dos países-membros, e não da União Europeia. A ideia básica dessa aplicação provisória é que os Estados envolvidos possam começar a aplicar as partes que seguem as regras do bloco. Assim, os países-membros não têm de reagir e não precisam se envolver. É difícil pôr em números, mas isso representa a maior parte dos acordos, cerca de 90% dos que estão sob a competência do bloco. 
- Estamos falando de um bloco de 28 membros. E se ele cair para 27, após o Brexit? 
Bem, o Brexit tem sido imprevisível. O cenário mais provável neste momento é o de que o Reino Unido saia mesmo da União Europeia em breve e é possível que o processo de assinatura do pacto comercial aconteça após o Brexit. No melhor dos cenários, ele será assinado em algum momento até o fim do próximo ano. Até lá, o Reino Unido, provavelmente, já terá iniciado sua desfiliação da União Europeia, entrando em um período de transição com Bruxelas. Durante esse período de transição, que pode levar até um ano, o Reino Unido ainda pode manter partes do acordo. Mas o Mercosul terá de aprovar isso também. 
União Europeia
Acordo de livre-comércio entre UE e Mercosul ainda encontra resistências. 
Foto: Yves Herman/Reuters
- Então podemos esperar mais uma negociação?
Sim, mas isso depende, porque nesse período de transição, basicamente, o Reino Unido continuará como um membro de facto do bloco europeu. Temos então três períodos distintos. A fase em que o Reino Unido ainda é um Estado-membro. Depois, há o próximo período, de transição, no qual ele não será mais um membro da UE, tecnicamente, embora continuará sendo na prática. E há finalmente o período em que o país estará realmente fora do bloco. 
- Como será esse período de transição? 
A principal ideia para esse período de transição é que a UE e o Reino Unido precisarão negociar um novo acordo sobre o futuro das relações comerciais entre os dois lados do Canal da Mancha. Atualmente, há apenas o acordo sobre a saída do país do bloco e o processo de separação. Esse entendimento apenas estabelece regulações e a mitigação das consequências, enquanto que o futuro das relações comerciais, por exemplo, ainda precisará ser negociado. Eles podem usar o período de transição para isso. O Reino Unido, contudo, não pode negociar com a União Europeia um acordo comercial enquanto ainda for membro do bloco. Isso seria muito estranho. Por isso existe o período de transição. 
- E o que acontece com o acordo entre UE e Mercosul durante essa fase de transição? 
Se os países envolvidos quiserem, o Reino Unido poderá se manter parte do acordo comercial. Durante esse período, Mercosul e Reino Unido devem começar a negociar um acordo que poderia entrar em vigor no momento em que os britânicos deixarem a UE. Ele poderia ser parecido com o que já foi negociado com o bloco europeu, mas dependerá das preferências políticas de britânicos e do Mercosul. 
- E isso vale para os mais de mil acordos do bloco com outros países?

Sim. De um lado, temos os acordos internacionais que já estão em vigor e os quais o Reino Unido terá de renegociar. Será um esforço enorme para esse período de transição.

Renata Tranches, O Estado de S.Paulo

Lacalle Pou planeja abrir economia e manter leis progressistas no Uruguai

O conservador Luis Lacalle Pou derrotou a esquerda uruguaia por 1,2 ponto porcentual no segundo turno. Se alguém quisesse simplificar o discurso, poderia dizer que houve uma curva à direita após 15 anos de Frente Ampla. Em termos econômicos, isso pode ser verdade, mas nem tudo é tão linear no Uruguai.


 

PARA ENTENDER

Perfil: Lacalle Pou, herdeiro de um clã de políticos tradicionais


O candidato do Partido Nacional busca a presidência do Uruguai pela segunda vez









Foi Lacalle Pou quem apresentou o primeiro projeto de legalização do cultivo para consumo pessoal de maconha na América Latina, em 2010. Ele propôs a união estável entre pessoas do mesmo sexo como alternativa ao casamento e até votou para que as pessoas trans fossem reconhecidas pela identidade que escolheram, e não pela imposta por nascimento.
Além disso, ao longo da campanha, repetiu que não promoveria recuos na chamada “agenda dos direitos”, que inclui, entre outras questões, a descriminalização do aborto - ainda que não tenha apoiado a lei quando esteve no Parlamento.

Luis Lacalle Pou autografa bandeira do Uruguai; nas fileiras do Partido Nacional, a garantia é que a agenda e as promessas serão cumpridas
Luis Lacalle Pou autografa bandeira do Uruguai; nas fileiras do Partido Nacional, 
a garantia é que a agenda e as promessas serão cumpridas 
Foto: AP Photo/Matilde Campodonico
Em matéria econômica, Lacalle Pou promete uma redução do Estado através de “medidas de austeridade”. Ele propõe economizar US$ 900 milhões anuais, o que implica, entre outras coisas, nenhuma nova contratação de funcionários públicos. Ele também adverte para a necessidade de o país se abrir para o mundo. 
Seu programa de governo critica a negativa da Frente Ampla de firmar um tratado de livre-comércio com o Chile e de não participar do Trade In Services Agreement (Tisa), que inclui EUA e vários países da Europa e da América Latina. O Partido Nacional prega “sair de encontro ao mundo”, deixando de lado as preferências ideológicas. 
Apesar das promessas de Lacalle Pou, a desconfiança de que várias leis sobre direitos sejam revogadas cresce entre políticos de esquerda e atores que defendem minorias. Acontece que o novo presidente, líder do Partido Nacional, é apenas uma das cinco partes de uma “coalizão multicolorida”, como ele gosta de chamar, na qual coexistem opiniões diferentes.
Na equipe de Lacalle Pou existem vários líderes da direita católica. O caso mais notável é o de Pablo Bartol, da Opus Dei, futuro titular do Ministério do Desenvolvimento Social (Mides). A pasta foi criada em 2004, no primeiro governo da Frente Ampla, para atender quem a crise de 2002 deixou na pobreza, um número que chegou a 30% (hoje é de 8%). 

Diante de dezenas de milhares de pessoas em frente ao Rio da Prata, em Montevidéu, Lacalle Pou disse que a região precisa ser fortalecida e ter governos com
Diante de dezenas de milhares de pessoas em frente ao Rio da Prata, em Montevidéu, 
Lacalle Pou disse que a região precisa ser fortalecida e ter governos com 'bom 
relacionamento' Foto: Pablo Porciuncula Brune / AFP
O Mides também começou a trabalhar em planos de inclusão para a população LGTBI, contra a violência de gênero e em oficinas de educação sexual. Bartol foi um dos primeiros ministros escolhidos por Lacalle Pou e isso se deve a sua experiência em um centro de estudos públicos, com financiamento privado e aberto apenas a homens, no bairro pobre de Casavalle.
Fabiana Goyeneche, diretora de Desenvolvimento Social do município de Montevidéu, membro da Frente Ampla e militante feminista de destaque, diz que há incerteza. “Embora Lacalle Pou tenha repetido que não revogará a agenda de direitos, pessoas que fazem parte da coalizão que ele lidera se manifestaram contra ela. No caso de Bartol, ele dirigiu uma instituição que só admite homens, pois acha que as mulheres podem distraí-los.”
No Partido Nacional está também o deputado Álvaro Dastugue, que militou contra todas essas reformas. Ele acusou a Frente Ampla de promover uma “ideologia de gênero” que destrói os valores da família.
Para Carolina Cosse, senadora eleita pela Frente Ampla, a maior preocupação vem do Cabildo Abierto, uma nova força política liderada pelo ex-comandante do Exército Guido Manini Ríos. Um dos integrantes da legenda, o deputado Martín Sodano, declarou dias atrás à revista semanal Búsqueda sua discordância com o aborto.

Lacalle Herrera, pais de Luis Lacalle Pou, iniciou privatizações em seu governo
Lacalle Herrera, pai de Luis Lacalle Pou, iniciou privatizações em seu governo 
Foto: Andres Stapff/Reuters

“O novo governo receberá pressão. Por um lado, deve satisfazer uma coalizão com uma ideologia muito heterogênea. É preocupante imaginar quais serão os acordos com o Cabildo Abierto, um partido de gênese militar e associado à extrema direita que não disfarçou sua ideologia, sua doutrina de violência e ódio contra diferentes coletivos, em particular contra as mulheres”, alerta Denisse Legrand, editora da seção Feminismos do jornal uruguaio La Diária.
A organização Mulher e Saúde Uruguai vem tentando estender a lei do aborto para que as mulheres que o fazem fora do prazo regulamentar (até a 12.ª semana de gravidez) não sejam acusadas de crime e para que as estrangeiras também possam ter acesso às interrupções. A perspectiva de Manini Ríos ser o próximo ministro da Saúde Pública, pasta que gerencia o orçamento para a interrupção voluntária da gravidez, preocupa esses grupos.
Nas fileiras do Partido Nacional, a senadora eleita Graciela Bianchi garante que as promessas serão cumpridas. “A posição de Luis é manter a agenda. O que vamos fazer é torná-la realidade. A maioria das leis não foi implementada, não há recursos previstos”.
Na Igreja Católica, o cardeal e arcebispo de Montevidéu, Daniel Sturla, pede calma. “Nas reuniões com todos os candidatos, apresentamos nossa disponibilidade de cooperar em diferentes campos em que as instituições da Igreja têm experiência e, assim, contribuir para superar a fragmentação social.” Uma iniciativa é o plano que busca facilitar o processo de adoção como política para reduzir o número de quase 10 mil abortos anuais.

Herança paterna

Luis Alberto Lacalle Herrera, pai de Lacalle Pou, foi o último líder do Partido Nacional a chegar à presidência, entre 1990 e 1995. Tachado de neoliberal pela Frente Ampla, Lacalle Herrera tinha uma agenda econômica caracterizada pela ideia de Estado mínimo e país aberto ao mundo. 

Também eliminou os Conselhos de Salários - a negociação entre empregados e empregadores para definir salários -, fez um corte significativo nos cargos públicos e encaminhou privatizações.

Carlos Tapia, O Estado de São Paulo

The Economist: O fim da OMC como a conhecemos

“O inverno está chegando”, alertou o representante norueguês em 22 de novembro durante reunião da Organização Mundial do Comercio (OMC). O sistema de comércio multilateral que a organização supervisiona desde 1995 está prestes a congelar. No dia 19 deste mês, dois juízes do seu órgão de apelação, que analisa os recursos em disputas comerciais e determina sanções contra os contraventores, devem se aposentar, e um bloqueio americano a novas nomeações indica que eles não serão substituídos. Apenas um juiz ficará na função. E não terá mais possibilidade de analisar novos casos.
A OMC é base de sustentação de 96% do comércio global. Segundo uma estimativa recente, a afiliação dos países à organização, ou seu predecessor, o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (Gatt, na sigla em inglês), impulsionou o comércio entre seus membros em 171%. Quando iPhones mudam da China para os Estados Unidos ou as garrafas de uísque da União Europeia vão para a Índia, é a OMC que decide se as tarifas e barreiras não tarifárias têm de permanecer baixas e dá às empresas a segurança que necessitam para planejar e investir.
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Reclamação. Trump diz que disputas se arrastam por muito tempo
Foto: Tom Brenner/Reuters

A ideia é que o sistema se imponha automaticamente. Muitos países cumprem as regras da OMC. Mas se um deles entende que um outro as transgrediu, lançará uma discussão comercial individual que poderá se transformar numa disputa formal na organização. Se a decisão da OMC desagradar a uma das partes, esta pode recorrer. Os julgamentos do órgão de apelação têm grande impacto. Se o perdedor não cumprir as regras, o vencedor tem direito a impor tarifas acima daquele valor que os juízes consideraram ser o custo pela transgressão. É essa punição que constitui um freio, em primeiro lugar, à violação de normas.
Não surpreende o fato de o presidente Donald Trump ter descartado esses árbitros estrangeiros diante do seu desagrado geral com regras estabelecidas internacionalmente. Em 12 de novembro, ele disse estar “muito incerto” em relação à OMC. Mas os problemas são mais profundos do que a aversão às instituições multilaterais. Eles decorrem de uma quebra de confiança na maneira como a lei internacional funciona e uma falência mais geral da divisão de negociação da OMC. 
Se os americanos sentissem que conseguiriam resolver suas queixas, seus ressentimentos em relação ao órgão de apelação poderiam não se intensificar. Mas com tantos membros relutando a uma liberalização do comércio, incluindo países menores que temem a abertura para a China, isso é impossível.
Os EUA tiveram algumas vitórias na organização: contra a UE pelos subsídios concedidos à Airbus; e contra a China pelos seus subsídios domésticos, roubo de propriedade intelectual, controle das exportações de metais de terras raras utilizados na fabricação de celulares e mesmo contra suas tarifas sobre a carne de frango americana. Mas também foi levado várias vezes ao órgão de apelação por países que se opuseram ao seu uso autocrático de “remédios comerciais”, ou seja, tarifas adotadas supostamente para defender seus produtores contra uma concorrência desleal.
Se governos anteriores nos EUA resmungaram e ocasionalmente interferiram nas nomeações dos juízes, desta vez a administração Trump foi mais longe. Ele se queixa de que as disputas com frequência se arrastam por muito mais tempo do que o prazo máximo de 90 e, mais sério, de que as decisões do órgão de apelação vão além daquilo a que os membros se comprometeram. E deixou claro que, salvo se essas questões não forem solucionadas, nenhum novo juiz será confirmado.
O excesso judicial está nos olhos de quem vê. Os perdedores sempre acharão que não foram tratados de maneira justa, e os EUA são rápidos em comemorar decisões da OMC quando saem vitoriosos. Mas, para muitos outros países, o órgão extrapolou sua função. Uma pesquisa recente com pessoas envolvidas com a OMC, incluindo representantes nacionais, concluiu que 58% concordam com esse veredicto.
Conseguir que um número tão grande de países aderisse à OMC foi um êxito notável. Com 164 membros, a OMC ficou mais inclusiva, mas incapaz de ter a concordância de todos. Cada membro tem poder de veto sobre qualquer nova liberalização comercial multilateral. E sem novas negociações, o ressentimento com relação ao órgão de apelação aumentou.
Se o sistema multilateral tivesse sido mais eficiente na condução da ascensão da China, talvez seu maior problema atualmente, então os apelos para salvá-lo seriam mais vigorosos em Washington. Embora vários governos americanos tenham interposto e vencido vários casos, os EUA afirmam, com razão, que, quando quiseram chamar a China à responsabilidade por suas violações, não tiveram muito apoio. Agora que o governo Trump ignorou a OMC e entrou em disputa direta com a China, não há nada que ele particularmente deseje da organização. E assim, as chances de que ceda e permita a nomeação de juízes no dia 10 são mínimas. 

Tudo isso significa que o comércio global está prestes a se tornar muito menos previsível e muito mais contencioso. Sem o órgão de apelação para agir como um intermediário de confiança, as disputas entre os membros de mais peso devem se intensificar. De todas as políticas comerciais adotadas por Trump esta talvez seja a mais difícil de reverter e terá os efeitos mais duradouros. / TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

O Estado de São Paulo

"Rumo à miragem - Lula mentiu a si próprio ao dizer que não havia corrupção em seu governo", por JR Guzzo

Há quantos anos Lula não ouve alguém lhe dizer a verdade - não entre as pessoas com quem fala e que falam com ele? 
Dez anos? Vinte? Trinta? 
Não é uma pergunta à toa, a começar pelo fato de que trinta é o triplo de dez, e faz o triplo de mal ficar durante tanto tempo assim selado dentro de um ambiente a vácuo, onde é proibida a entrada dos fatos e onde 100% das pessoas só falam aquilo que você quer ouvir. 
Pior que isso, como ensina o bom senso, é que escutar a verdade pode doer na hora, mas viver na mentira vai machucar para sempre. 
Não poderia haver melhor prova dessa desventura do que o abismo em que o próprio Lula está metido hoje.
Não é preciso ser nenhum Prêmio Nobel para ver que se alguém nunca ouve a verdade, acaba se tornando incapaz, também, de dizer a verdade. 
Eis aí um problemão, no caso de Lula. 
Foi desligada, em algum lugar do seu circuito mental, a válvula que leva o indivíduo normal a dar a resposta certa quando alguém lhe pergunta, por exemplo, que horas são, ou qual foi o resultado do futebol. 
O ex-presidente dá a impressão de que não consegue mais perceber a diferença entre o verdadeiro e o falso – ou, se percebe, prefere ficar com o falso. 
Pior ainda, fica injuriado toda vez que sai da bolha onde vive, cercado por gente que lhe diz exclusivamente o que ele exige ouvir, e vê a verdade contrariar as fábulas que quer passar adiante para o resto do mundo. 
Essa realidade só é apresentada a Lula por quem está fora do seu vasto cordão de puxadores de ego –  e que ele considera, sem nenhuma exceção, como inimigos. 
É lógico, aí, que diga que está sendo caluniado, perseguido e impedido pela extrema direita de ser de novo o presidente deste País.
Lula se arruinou por causa das próprias mentiras, ou da incapacidade patológica de reconhecer a realidade – o que, talvez, dê na mesma. 
As mentiras mais perigosas, muitas vezes para o próprio mentiroso, são aquelas que são ditas por quem acha que está dizendo a verdade, ou finge que está. 
O ex-presidente perdeu o poder, foi à falência na sua carreira política, passou mais de um ano e meio na cadeia e vive, hoje, num estado de desgraça judicial permanente, porque proibiu que lhe dissessem a verdade – e, pior ainda, proibiu a si próprio de procurar por ela. 
Mania de grandeza em estágio clínico? 
Psicoses escondidas nas zonas mais escuras da mente? Egoísmo degenerativo? 
É melhor deixar essas coisas com os profissionais da psiquiatria. 
O fato é ele que ficou machucado para sempre.
Nunca ocorreu a Lula ter cometido algum erro, nem que possa ter tido qualquer tipo de responsabilidade em absolutamente nada que lhe aconteceu de ruim. 
Mentiu a si próprio achando que não havia corrupção em seu governo, e que nada iria lhe acontecer por conta de seu casamento com empreiteiros de obras, piratas disfarçados de empresários (“campeões nacionais”) e ladrões da Petrobrás. 
Fechou-se num mundo imaginário onde ninguém lhe dizia, nem ele permitia que lhe dissessem, que o convívio íntimo com políticos venais, fornecedores vigaristas do governo e toda a espécie de corruptos poderia, um dia, dar problema. Acreditou que o PT não sairia nunca do governo. 
Em vez de pagar pelo maldito triplex e pelas reformas no raio do sítio – e pronto – exigiu fazer tudo do seu jeito. 
Não quis ouvir um único advogado capaz de lhe mostrar as realidades da sua metástase perante o Código Penal. 
Quando a casa caiu, a culpa foi de Sérgio Moro, do FBI, das elites, da imprensa, “deles” – nunca de um erro seu.
Solto, Lula continua vivendo na sua miragem. 
No deserto, o viajante vê um oásis à frente. 
O ex-presidente vê a si próprio como já foi um dia. 
O problema, para ambos, é que as miragens desmancham quando se chega perto delas.

O Estado de São Paulo

No radar de empresas estrangeiras, profissionais de tecnologia deixam o País

Trabalhadores da área de Tecnologia da 
Informação (TI) têm sido recrutados, 
principalmente, por empresas na Europa



Cinco convites para processos seletivos, por semana, costumam chegar pelo LinkedIn para o engenheiro de software Lucas Albuquerque, de 27 anos. São, em sua maioria, enviados por empresas europeias de Tecnologia da Informação (TI), que, assim como as brasileiras, sofrem com a falta de mão de obra. Diante da baixa oferta de trabalhadores qualificados na área, países como Alemanha, Suécia e Polônia têm aberto suas portas para brasileiros, e as companhias, bancado passagens e moradia para a família dos trabalhadores nos primeiros meses após a mudança.
Vivendo com a mulher na Polônia há dois anos, Albuquerque já comprou apartamento, viu seu filho nascer em um hospital onde as enfermeiras não falavam inglês – nem ele polonês – e mudou de emprego. “Nunca tinha pensado na Polônia, mas a empresa me encontrou (pela internet) e aí descobri que, enquanto a Alemanha concentra mais startups, a Polônia tem empresas mais robustas, o que deu segurança para eu mudar.” 
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Mudança. Lucas Albuquerque, 27 anos, vive na Polônia há 2 anos 
Foto: Lucas Albuquerque/Estadão
Albuquerque já chegou a trabalhar ao lado de outros dois brasileiros em uma equipe de apenas dez profissionais. “Quando cheguei aqui, tinha como saber quem eram quase todos os brasileiros. Agora, não dá mais. O grupo no WhatsApp de brasileiros de TI em Cracóvia tem 207 pessoas.”
Os altos índices de violência, a falta de serviços públicos de qualidade e a dificuldade para desenvolver tecnologias de ponta estão entre os fatores que têm levado os brasileiros de TI a deixar o País. Como consequência, está o aumento da distância entre o Brasil e os países mais avançados. 
Na Suécia, por exemplo, o número de vistos concedidos para brasileiros trabalharem na área passou de 15 em 2014 para 126 no acumulado deste ano. Do total dos novos vistos em 2014, 19% eram para profissionais de TI. Hoje, esse número chega a 36%.
Um dos destinos mais procurados, a Alemanha deu 2.851 vistos de trabalho para brasileiros no ano passado – em 2014 foram 904. A embaixada alemã no Brasil não segmenta esse dado por área, mas calcula que, em 2018, 1,5 mil brasileiros trabalhavam com ciência e tecnologia no país.
“Falta talento na área. E o talento brasileiro que vem para a Europa costuma ser mais sênior”, diz o português Pedro Oliveira, cofundador do Landing.jobs, um site que conecta empregadores da Europa e trabalhadores de tecnologia. Na plataforma, brasileiros são o segundo maior grupo de usuários, com 15% do total, atrás apenas dos portugueses, com 30%.
“Como esse é um momento de expansão do mercado, grande parte das empresas nunca para de contratar. As que têm estrutura para trazer pessoas de fora optam por esse caminho”, diz o engenheiro de software Felipe Ribeiro Barbosa, de 34 anos.
Após sete anos na Suécia, Barbosa está agora nos Estados Unidos, trabalhando na Netflix. Na Suécia, ele chegou em 2012 e era o único brasileiro na companhia em que trabalhava. “Depois, em 2015, durante a crise no Brasil, foi impressionante a chegada de brasileiros. A empresa contratou até uma recrutadora brasileira.” Em 2018, quando Barbosa deixou Estocolmo, já havia 30 brasileiros na empresa. 
Segundo pesquisa do Boston Consulting Group (BCG), os EUA são o destino preferido dos brasileiros de TI. De 131 profissionais ouvidos pela consultoria aqui, 63% afirmaram estar dispostos a se mudar para o país. Canadá, Portugal e Alemanha aparecem em seguida. 
Os países europeus, porém, acabam ganhando dos EUA por facilitarem a permanência de estrangeiros. É comum, por exemplo, que o cônjuge do profissional contratado também consiga visto de trabalho – o que dificilmente ocorre nos EUA.
Na Europa, a maioria dos países também não exige que o trabalhador tenha concluído o ensino superior. É o caso de Daniel Rodrigues da Costa Filho, de 37 anos – 23 deles como programador. Ele chegou a cursar Ciências da Computação, mas largou, o que não o prejudicou no processo de seleção. Apenas quando solicitou o visto no consulado alemão, precisou comprovar que tinha experiência na área.

O paulista trabalha em uma startup, mas já passou pelo N26, um dos maiores bancos digitais da Europa. “Trocar de emprego é simples aqui. A procura (por parte das empresas) é grande e, com o Brexit, tem muita empresa vindo para Berlim.”
Luciana Dyniewicz, O Estado de S.Paulo

TCU aponta baixa eficácia na aplicação de emendas parlamentares

Após analisar dados de 2014 a 2017, 

auditoria mostra que necessidades

do povo são ignoradas na hora em 

que deputados e senadores decidem

onde alocar dinheiro público




Recursos destinados por deputados e senadores para financiar obras e programas nas suas bases eleitorais não contribuem para melhorar a vida das pessoas. Na hora em que se decide para onde parte das emendas parlamentares deve ser enviada, necessidades reais da população são ignoradas. Estas são algumas das conclusões de uma auditoria em emendas feitas entre 2014 e 2017 que o Tribunal de Contas da União (TCU) acaba de concluir.
Todos os anos, parlamentares podem decidir onde o governo deve colocar parte dos recursos públicos. Ao todo, cada um tem o direito de apresentar até 25 emendas individuais. O valor muda ano a ano. Em 2020, serão R$ 15,9 milhões por parlamentar, o que significa que o destino de R$ 9,5 bilhões será decidido pelos 513 deputados e 81 senadores do Congresso.
A emenda destinada a custear o 7.º Réveillon Popular de Nova Xavantina (MT), em 2018, ilustra o alerta do TCU para a utilização de investimento público em eventos que não são prioridade. O então deputado Ezequiel Fonseca (PP-MT) enviou R$ 100 mil para a prefeitura realizar a festa com show sertanejo. O Ministério do Turismo autorizou o empenho (promessa de pagamento), mas voltou atrás após a equipe de fiscalização flagrar a venda de espaços para ambulantes.
O TCU encontrou ainda um caso de verba pública que financiou atividades privadas. A Associação Fluminense de Reabilitação, instituição filantrópica que atua na saúde pública, adquiriu com dinheiro de emenda um baropodômetro (equipamento para estudo de pisada e postura) por R$ 20 mil. O equipamento foi usado para atendimento de quem poderia pagar por consulta particular a R$ 420. 
Este caso ilustra uma potencial falta de priorização dos recursos para questões mais prementes da área de saúde, no qual uma entidade privada recebe recursos públicos para a aquisição de equipamento que não é colocado à disposição da população
Auditores do TCU
A Corte de Contas tem entre suas responsabilidades fiscalizar o Legislativo e fazer recomendações para melhora no uso do dinheiro público. Para essa auditoria, os técnicos analisaram uma amostra de 42 emendas em 16 Estados, que englobam 25 obras do Ministério do Desenvolvimento Regional, estimadas em R$ 24 milhões, e compra de 43 equipamentos no valor de R$ 10,3 milhões pelo Ministério da Saúde. 
Essas emendas foram apresentadas por deputados da legislatura anterior à atual e executadas até 2017, durante os governos Dilma Rousseff e Michel Temer. Os parlamentares que tomaram posse este ano apresentaram emendas para execução em 2020. O pente-fino alarmou os técnicos. “Há risco de ocorrência de situações indesejáveis, principalmente na grave situação fiscal pela qual passa o País, de haver destinação de recursos para objetos não prioritários ou que requeiram soluções estruturais prévias.”

Parcela de culpa

O descompasso entre as propostas dos parlamentares e as necessidades reais do País também tem responsabilidade do governo federal. Pela análise da auditoria, a maior parte dos ministérios não orienta a alocação de recursos. Apenas as pastas de Saúde, Educação, Turismo, Cidadania, Infraestrutura, Ciência e Tecnologia e Mulheres recomendaram para onde os políticos deveriam destinar emendas. Eles podem aceitar ou não.
Por determinação legal, o Ministério da Saúde é o que mais recebe emendas individuais – 50% delas devem custear ações na Saúde. Ainda assim a pasta “não disponibiliza aos parlamentares informações sobre os Estados com maior carência financeira na área da saúde, sobre a dimensão epidemiológica e demográfica, sobre as necessidades ou sobre a capacidade dos serviços de saúde em cada localidade”, anotou o TCU.
Os técnicos também concluíram que os governos têm sido pouco transparentes sobre os critérios utilizados para liberar o dinheiro das emendas. Embora sejam impositivas – o Executivo é obrigado a pagar –, a prioridade e o ritmo são fruto de negociação política e, segundo o TCU, sem “critérios objetivos”.
Na gestão Bolsonaro, o processo é controlado pela Secretaria de Governo e costuma seguir um calendário conveniente a pautas de interesse do governo. O mês com maior liberação de recursos foi julho, em meio à aprovação da reforma da Previdência. No sábado, 30, o Estado mostrou que o governo liberou R$ 2,2 bilhões em emendas após um grupo de deputados ameaçar paralisar as votações.

Documentação

Problemas burocráticos também se tornam um entrave à aplicação eficaz da verba pública. Quando o governo dá aval para liberar o dinheiro, muitas vezes o valor acaba retido devido à dificuldade de prefeituras e Estados para formular projetos. Nesses casos, o parlamentar pode redirecionar a emenda, mas o processo recomeça do zero.
Em Águas Claras, cidade no entorno de Brasília, uma emenda do então deputado Vitor Paulo (Republicanos) destinava R$ 869 mil para construção de uma passarela de pedestres próxima a uma futura estação do metrô, que deve atender 15,5 mil passageiros. A verba não saiu por falhas na documentação.
ctv-dpo-carapicuiba alex silva estadao
O Parque Gabriel Chucre, em Carapicuíba, Região Metropolitana de São Paulo, 
perdeu verba de emenda parlamentar por falta de documentação 
Foto: Alex Silva/Estadão

No Estado de São Paulo, o Parque Gabriel Chucre, em Carapicuíba, na Região Metropolitana, ficou sem verbas para reforma. O contrato foi rescindido por falta de envio da documentação. Desde o ano passado, 64 convênios e contratos vinculados a emendas para obras foram anulados.

O TCU também aponta que, em média, o primeiro repasse de dinheiro – o pagamento é parcelado – demora dois anos para ocorrer, o que faz com que a conclusão dos projetos atrase. Atualmente, as obras de infraestrutura urbana demoram em média oito anos.
Daniel Weterman e Felipe Frazão, O Estado de S.Paulo

Glória Eterna ao Flamengo