Ex-militante do PCB, Frei Chico sai da sombra de Lula e se vê agora no centro do escândalo de fraudes no INSS
N esta semana, a Justiça atendeu a um pedido de Frei Chico, irmão do presidente Lula, para remover das redes sociais publicações que o vinculam ao escândalo de fraudes no Instituto Nacional do Seguro Social (INSS). Vice-presidente do Sindicato Nacional dos Aposentados, Pensionistas e Idosos (Sindnapi), Chico se viu no centro de um escândalo de desvios não autorizados diretamente da conta de milhões de pessoas, depois de as autoridades identificarem o Sindnapi como um dos responsáveis pela roubalheira. Desde que seu nome emergiu na imprensa, Frei Chico tem feito o possível para sair das manchetes.
Enquanto ele atua pela via judicial, governistas da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) do INSS fazem de tudo para blindá-lo. Congressistas de esquerda tentam obstruir os trabalhos e têm até reagido com hostilidade a colegas para impedir que Chico seja ouvido. Quando interpelados pela oposição sobre o porquê dos sucessivos impedimentos, alegam se tratar de “ataque da extrema direita” e “perseguição” contra um homem honesto, com passado impoluto, sobretudo, pela atuação a favor dos pobres.
Militante comunista e mentor do irmão
Um dos 17 irmãos de Lula, José Ferreira da Silva — seu nome de batismo — nasceu em 12 de julho de 1942, em Caetés, no agreste pernambucano. Filho de lavradores, ele migrou com a família para o ABC paulista ainda na adolescência, acompanhando o fluxo cada vez maior de nordestinos em busca de emprego nas fábricas de São Paulo.
Nos anos 1960, já trabalhava como metalúrgico e se aproximava do movimento sindical, ambiente que moldaria não apenas a própria vida, mas também a do irmão mais novo. Foi ainda nos tempos de operário que José Ferreira ganhou o apelido de “Frei Chico”. Isso porque seus colegas diziam que ele falava pouco, fumava muito e defendia os companheiros com uma obstinação quase religiosa, daí o “Frei” (há também a versão de que seria pela calvície no topo da cabeça). O “Chico” veio por influência de seu nome de crisma, Francisco. Com o tempo, o apelido pegou e o acompanha até agora, aos 83 anos. Àquela altura, Chico já participava de assembleias, organizava várias reivindicações e mediava conflitos entre operários e patrões.
Nos anos 1970, Chico se filiou ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), então na clandestinidade. Naquele período, Lula ainda era um jovem torneiro mecânico na metalúrgica Villares, em São Bernardo do Campo, e começava a se aproximar dessas discussões sindicais. Chico apresentou Lula a dirigentes do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo e Santo André. Incentivou o irmão a disputar cargos internos e a se engajar no movimento operário. A influência de Chico seria decisiva para a entrada de Lula no sindicalismo e, depois, na política.
“Ele me convenceu a participar do sindicato”, contou Lula, em uma entrevista anos depois. Em outra ocasião, o petista disse que o irmão “tinha uma cabeça mais politizada” e que “sempre se preocupou com os trabalhadores”. As referências ajudam a esclarecer como o caminho do petista rumo à política começou a ser trilhado, principalmente sob influência do irmão, considerado um militante comunista muitíssimo habilidoso.
Apesar da boa articulação, Chico não participou da criação do Partido dos Trabalhadores. Permaneceu filiado ao PCB, legenda à qual se mantinha leal desde o regime militar. Em entrevistas, chegou a dizer que via com desconfiança a nova sigla formada por sindicalistas e setores das pastorais católicas. Lula seguiu um caminho distinto. Com o protagonismo crescente do irmão, Chico foi empurrado ao anonimato e ali se manteve por algum tempo.
Da sombra ao noticiário
Durante os anos em que Lula ocupou a Presidência, Chico manteve distância da vida pública. Não ocupou cargos no governo federal nem apareceu em campanhas. O nome dele surgiu nas páginas policiais apenas em 2017, quando executivos da empreiteira Odebrecht citaram o irmão de Lula em várias delações premiadas.
De acordo com os depoimentos, Chico teria recebido pagamentos mensais da construtora ao longo de mais de uma década. Conforme a denúncia apresentada pelo Ministério Público Federal em 2019, a “mesada” começou em 2003, com valores que variavam entre R$ 3 mil e R$ 5 mil, pagos em espécie e entregues a cada trimestre. A acusação sustentava que os repasses seriam uma forma de manter boa relação com a família do então presidente. Chico negou ter cometido qualquer irregularidade e disse que o dinheiro representava uma ajuda pessoal de antigos contatos empresariais, iniciada antes mesmo da eleição de Lula.
O caso foi analisado pela 7ª Vara Federal Criminal de São Paulo, sob responsabilidade do juiz Ali Mazloum. Em setembro de 2019, o magistrado rejeitou a denúncia por falta de provas. “A denúncia é inepta”, escreveu Mazloum. “Não há provas da existência dos fatos imputados.” A decisão, posteriormente, foi mantida pelo Tribunal Regional Federal da 3ª Região, que confirmou o arquivamento dos processos.
CPMI do INSS
Depois de seis anos (novamente) nas sombras, Chico retornou ao noticiário, mas desta vez sob os holofotes da CPMI do INSS, por causa do envolvimento do Sindnapi em investigações sobre desvios. Membro do sindicato desde 2008, Chico virou o número 2 da entidade em 2023. A CPMI identificou repasses expressivos do Sindnapi a empresas privadas e, então, pediu quebras de sigilo de seus dirigentes.
O relator Alfredo Gaspar (União Brasil-AL) afirmou que o Sindnapi foi responsável por parte relevante dos descontos não autorizados que atingiram milhões de aposentados. Segundo ele, o esquema envolvia repasse de contribuições sem consentimento direto dos beneficiários e contratos com empresas ligadas a dirigentes da entidade. Um dos casos citados na CPMI mostra que familiares de uma assessora do sindicato receberam cerca de R$ 20 milhões em repasses.
Documentos obtidos pela comissão também indicam que, entre 2020 e 2024, o volume de recursos movimentados pelo Sindnapi cresceu de R$ 23 milhões para R$ 154 milhões, um aumento de mais de 500% no período. Diante das evidências, o colegiado pediu o bloqueio judicial de R$ 389 milhões em bens e valores vinculados ao sindicato. O ministro André Mendonça, do Supremo Tribunal Federal, determinou o bloqueio cautelar, atendendo a um pedido da Polícia Federal, que apura a roubalheira do INSS.
Apesar das suspeitas no entorno do Sindnapi, o governo Lula mantém o discurso de que não há provas contra Chico e de que a CPMI se transformou em palanque político da oposição. Nos bastidores, no entanto, aliados do Planalto reconhecem o desconforto em torno do caso, que recoloca o irmão do presidente no centro de uma investigação nacional. Mesmo ainda não havendo provas contra Chico, a direita cobra esclarecimentos dele na CPMI.
Discreto por natureza, Chico tem evitado falar à imprensa. Ele tenta, mais uma vez, repetir o gesto que o acompanhou por décadas: sair de cena e voltar às sombras.
Cristyan Costa - Revista Oeste