sexta-feira, 16 de maio de 2025

O álbum de fotos da hipocrisia, por Ana Paula Henkel

A imagem de Lula ao lado de ditadores é um tapa na cara de quem apoiou a volta da bandidagem por puro nojo estético ao governo verdadeiramente técnico de Jair Bolsonaro


Presidentes Lula; Ibrahim Traoré, de Burkina Faso; Umaro Sissoco Embaló, da Guiné-Bissau; Abdel Fattah al-Sisi, do Egito; Emmerson Mnangagwa, do Zimbábue; e Denis Sassou Nguesso, da República do Congo, em cerimônia em comemoração ao Dia da Vitória, em Moscou, Rússia (9/5/2025) - Foto: Divulgação/Reprodução 

E m 2022, durante a eleição presidencial do Brasil, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) assumiu o papel de guardião da verdade, censurando qualquer um que ousasse dizer que Luiz Inácio Lula da Silva era amigo de ditadores. “Fake news! Não pode!”, atestaram, como se a agenda de contatos de autocratas de Lula fosse uma invenção da nossa imaginação coletiva. 

Avance para maio de 2025, e como os “fatos teimosos” vieram bater à porta. Como John Adams, segundo presidente americano, sabiamente observou, os fatos não se curvam à censura ou à manipulação. Eles apenas ficam lá, sorrindo, esperando para serem notados — e sempre são. Nos últimos dias, eles praticamente espancaram as narrativas do TSE com uma foto tirada em Moscou, onde Lula sorriu ao lado de alguns dos mais notórios tiranos do mundo.

Moscou. A Praça Vermelha está enfeitada para um desfile militar. O que deveria ser uma celebração do aniversário de 80 anos da vitória dos Aliados na Segunda Guerra Mundial contra o regime nazista ser tornou uma celebração sombria do poder de Vladimir Putin, o homem que transformou a Ucrânia em uma zona de guerra e a dissidência em uma sentença de morte. E quem está na primeira fila, sorrindo como uma criança em uma loja de doces? Ninguém menos que Lula, o suposto defensor da democracia do Brasil. 


Janja e Lula, durante cerimônia de celebração dos 80 anos do Dia da Vitória na Segunda Guerra Mundial, na Praça Vermelha, em Moscou, na Rússia (9/5/2025) - Foto: Ricardo Stuckert/PR 

Na celebração, Lula está ombro a ombro com uma galeria de vilões autoritários: Vladimir Putin (Rússia), Xi Jinping (China), Nicolás Maduro (Venezuela), Miguel Díaz-Canel (Cuba), Mahmoud Abbas (líder palestino), Masoud Pezeshkian (Irã), Tô Lâm (Vietnã), Thongloun Sisoulith (Laos), Ibrahim Traoré (Burkina Faso), entre outros ditadores — todos posando para uma foto que diz mais do que mil palavras. Isso não é apenas um erro diplomático; é um gesto de desprezo aos amantes da liberdade que foi brutalmente perseguida durante a Segunda Grande Guerra. 

A foto é um tapa na cara de cada um que apoiou a volta da bandidagem, da corrupção e dos afagos a tiranos por puro nojo estético a um governo verdadeiramente técnico, como foi o de Jair Bolsonaro. Uma realidade que Lula e seus apoiadores não podem distorcer. O TSE pode ter silenciado os críticos em 2022, mas nenhum tribunal pode censurar uma fotografia. Lula não está apenas apertando mãos de ditadores — ele está mandando uma mensagem clara: este é o meu grupo.


Vladimir Putin, presidente da Federação da Rússia, e presidente Luiz Inácio Lula da Silva, durante jantar oferecido no Grande Palácio do Kremlin, em Moscou, na Rússia (7/5/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR 

Essa viagem a Moscou não foi um caso isolado. A visita de Lula fez parte de uma peregrinação mais ampla para alinhar o Brasil com o bloco Brics, um clube geopolítico que inclui Rússia e China, ambos ícones da repressão. Ele assistiu a tanques desfilarem, comemorando uma parada de vitória enquanto convenientemente ignorava a invasão da Ucrânia por Putin. O multilateralismo de Lula é, na verdade, um código para se aproximar do eixo das ditaduras. Os fatos, como disse Adams, são teimosos, e este fato é como uma martelada sem piedade: a política externa de Lula é uma carta de amor aos autocratas.

O álbum de fotos da hipocrisia fica ainda mais sombrio quando lembramos de Geraldo Alckmin, vice-presidente de Lula, um homem que deveria ser o contraponto moderado ao radicalismo do presidente. Em julho de 2024, Alckmin fez uma aparição bizarra no Parlamento do Irã, no meio do eixo do mal, para representar o Brasil do PT na posse do presidente iraniano. Ali, mais uma vez, foi escancarado o que o TSE censurou em 2022 — Alckmin, representando o governo Lula, posava para fotos ao lado de líderes ditadores e terroristas, um eliminado duas horas depois da cerimônia, enquanto o Parlamento iraniano entoava “morte à América” (“death to America“).

Geraldo Alckmin na recepção dos convidados da cerimônia de posse do 14º presidente da República Islâmica do Irã, Masoud Pezeshkian, na capital Teerã, no Irã (30/7/2024) | Foto: Aleriza Ramezani/Parlamento iraniano

Isso não foi um encontro secreto; foi um espetáculo público, documentado e circulado como um lembrete das alianças obscuras da coalizão do PT. A presença de Alckmin em Teerã não foi um show solo — ele estava lá como parte de uma delegação brasileira, e a imagem é catastrófica. O homem que agora é o número 2 de Lula, pelo menos oficialmente, estava, no mínimo, confortável o suficiente para posar em um Parlamento ligado a um regime que financia o terror e esmaga a dissidência. Quando juntamos as fotos de Alckmin no Irã e de Lula em Moscou, o padrão emerge: a administração Lula 3.0 não apenas tolera ditadores e seus aliados — eles estendem o tapete vermelho para o presidente brasileiro que “protege nossa democracia”. 

Logo após a viagem à Rússia, o casal presidencial voou para Pequim, onde Janja teve a audácia de criticar a ditadura militar do Brasil dos anos 1960 e 1970, alegando que “milhares” foram mortos. Vamos corrigir isso, dona Janja? O número documentado sob a responsabilidade do Estado brasileiro entre 1946 e 1988, de acordo com a Comissão Nacional da Verdade instaurada em 1995, é de 434 mortes e desaparecimentos. Milhares? Talvez a senhora tenha confundido com o massacre da Praça Tiananmen (Praça Celestial) em 1989, quando o regime chinês esmagou, literalmente, protestantes pró-democracia, matando centenas, possivelmente milhares, de civis — um evento tão apagado na China que você não o encontra nas ferramentas de busca do país. 

Falar de autoritarismo em um país que censura sua própria história sangrenta é o auge da hipocrisia.


Janja, Luiz Inácio Lula da Silva e Xi Jinping e Peng Liyuan, durante cerimônia de boas-vindas no Grande Palácio do Povo, em Pequim, na China (13/5/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

A China de hoje não é apenas um regime autoritário; é um monstro de repressão. Os campos de concentração para muçulmanos uigures — que promovem o trabalho forçado, a vigilância em massa e o apagamento cultural — são condenados por grupos de direitos humanos e governos em todo o mundo. Some isso ao legado do comunismo, que já aniquilou mais de 100 milhões de mortes, de Stalin a Mao. Janja, no entanto, achou que Pequim era o palco perfeito para suas lições de moral. Ela apontou o dedo para o passado do Brasil enquanto ignorava o presente da China, onde dissidentes desaparecem e a liberdade é uma palavra inexistente. Escolher a China como palanque não é apenas falta de noção ou conhecimento histórico — é um sinal deliberado de onde estão as lealdades de Janja e Lula.

Lula, Alckmin e Janja não são anomalias; eles são a cara do longo caso de amor do Partido dos Trabalhadores com o totalitarismo. As ligações do PT com regimes autoritários não são novidade — Lula vem fazendo isso há décadas. Em 2023, ele elogiou Nicolás Maduro, ditador da Venezuela, cujo regime foi acusado até pela ONU de crimes contra a humanidade. Em 2022, ele minimizou o histórico de Putin no mesmo dia em que ataques russos mataram ucranianos. E não vamos esquecer sua história de amizade com a teocracia do Irã e o Assad da Síria. Ted Cruz, um dos mais proeminentes senadores americanos, já chamou Lula de “chavista” que “abraça estrategicamente regimes comunistas e autoritários”. Os fatos são esmagadores: o PT de Lula não apenas flerta com ditadores — eles estão praticamente casados.

A censura do TSE em 2022 parece, mais uma vez, uma tentativa desesperada de encobrir a verdade. Ao calar críticos que apontaram as amizades ditatoriais de Lula, o tribunal eleitoral não protegeu a democracia — ele protegeu uma mentira. A foto de Moscou, o momento de Alckmin no Irã e o show de Janja na China são recibos que o TSE não pode rasgar. Todo brasileiro que foi multado, silenciado ou intimidado por dizer a verdade em 2022 sabe que as alianças globais do PT não são sobre diplomacia; são sobre ideologia. Lula não está construindo pontes — ele está queimando as credenciais democráticas do Brasil em uma pira de admiração autoritária.


Lula e Janja ao lado de ditadores, durante cerimônia de oferenda floral no Túmulo do Soldado Desconhecido, Jardim de Alexander, Muralha do Kremlin, em Moscou, na Rússia (9/5/2025) | Foto: Ricardo Stuckert/PR

John Adams estava certo: os fatos são coisas teimosas. Nenhuma quantidade de manipulação, censura ou buquês de flores de Putin pode esconder a verdade. O Partido dos Trabalhadores passou anos se aconchegando com regimes que prendem, torturam e matam para manter o poder. Da Rússia à China e ao Irã, a política externa de Lula é um desfile de bandeiras vermelhas, e o Brasil está pagando o preço no palco mundial.

 Isso não é sobre esquerda ou direita; é sobre certo e errado. Lula fez campanha como defensor da democracia, mas suas ações contam uma história diferente. Ele não está apenas apertando mãos com ditadores — ele está posando para a câmera, sorrindo como se tivesse encontrado seus pares. A visita de Alckmin ao Irã e a hipocrisia de Janja na China apenas aprofundam a traição que já estava escrita nas próprias páginas do PT. 

O TSE pode ter tentado enterrar a verdade em 2022, mas fotos não mentem. Elas também são teimosas.

Ana Paula Henkel - Revista Oeste