sexta-feira, 18 de outubro de 2024

'Uma biruta sob ventos erráticos', por Adalberto Piotto

Depois de 1 ano e 10 meses, a equipe econômica ainda não tem um plano competente para trazer as contas públicas para o caminho da austeridade


Reptrodução

É da ministra do Planejamento e Orçamento, Simone Tebet, a pérola da economia lulopetista mais recente. Nesta semana, depois de se reunir com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, na interminável série de encontros para trazer o país a um mínimo de austeridade fiscal, ela falou com os repórteres que a aguardavam do lado de fora. 

“Chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos estruturais”, vaticinou ela, sem, no entanto, antecipar nenhuma medida, tampouco revelar quem não tem sido sério na questão do rombo fiscal que assombra a vida do país. Mas deu pistas quando informou que o pacote de medidas estruturantes “justas e palatáveis”, na definição dela, seria levado ao presidente Lula, “ainda que não sejam as ideais ou as que gostaríamos”, o que revela a fragilidade técnica da equipe diante do chefão no Palácio do Planalto. 

Assista no X A ressalva que veio logo a seguir é quase uma digital do dono da irresponsabilidade. Ao alegar que a política de valorização do salário mínimo e a sua vinculação automática à aposentadoria já foram retiradas do pacote por vetos de Lula, ela consente como “aquilo que imaginamos que vai ficar para uma terceira etapa, para não contaminar o processo e o debate [qual, o eleitoral?], já entendendo o perfil do presidente”. Ou seja, tecnicamente os ministros da área.econômica defendem um ajuste sério e duro, mas Lula não quer. Mesmo assim, ninguém se demite por não ser levado a sério. Por mais evidente que tudo seja, às vésperas de o governo Lula 3 completar dois anos de um perdularismo e irresponsabilidade patológicos com as contas, alguns esclarecimentos são necessários por parte da ministra. Só agora é que o governo considera ter “chegado a hora da revisão de gastos”? Por que não revela as medidas? O governo está esperando a eleição passar para não prejudicar eventuais aliados? 

Estaríamos diante de um caso de estelionato eleitoral? Depois de um ano e dez meses, a equipe econômica ainda não tem um plano competente para trazer as contas públicas para o caminho da austeridade? Há 15 meses consecutivos o país registra déficits nominais, mesmo com aumentos da arrecadação, e nada de anormal foi percebido antes? É Lula, então, quem trava tudo? Inclusive o mínimo de responsabilidade com as contas do governo que sua dócil equipe econômica lhe propõe? As respostas estão na cara, assim como os números do que pode ser classificado como o mais danoso governo à economia do país desde Dilma Rousseff. 

Antes do impeachment, Dilma explodiu tudo porque continuou elevando os gastos públicos depois de um perdulário segundo mandato de Lula, ainda mascarado pelo boom internacional de commodities. Muita gente fez que não tinha nada de errado acontecendo, surfando que estava no período de bonança que antecipava a tempestade. Dilma, ao contrário, tinha certeza de que estava certa e dobrou a aposta. Foi defenestrada do poder ao causar a maior recessão da história brasileira.

A crise pode parecer menos severa agora porque Lula chegou ao seu terceiro mandato herdando seis anos e meio dos governos reformistas de Temer e Bolsonaro, comprometidos com a redução da dívida pública, de políticas de atração de investimento e focados em eficiência da máquina estatal. Mas nada é para sempre. A casa em ordem até 2022 ainda traz um carrego estatístico positivo, sobretudo pelas reformas trabalhista e previdenciária, mas também as microrreformas de desburocratização, redução da interferência do Estado e geração de ambiente favorável aos negócios. 

Até a Moody’s Ratings cita isso na sua controversa decisão de elevar a nota do Brasil, injustificável no momento. Mas o relatório explicando os motivos da decisão da agência cita feitos e reformas de governos anteriores e colocam interrogação justamente no descaso de Lula 3 com o rombo fiscal crescente. Nós, brasileiros, sabemos disso. Tanto que é a sucessão interminável de déficits nominais, a previsão de elevação da relação dívida/PIB a mais de 80%, uma política fiscal errática que fura o próprio arcabouço e uma equipe econômica sem nenhuma ascendência sobre o presidente que deixam o país sem rumo. Economia é feita de gente e vive de expectativa. 

Que gente temos no atual governo e qual expectativa essas pessoas geram diante da conclusão da ministra do Planejamento de que só agora “chegou a hora de levar a sério a revisão de gastos estruturais”? É neste ambiente de uma biruta que ou não se mexe ou é movida por sopros errados que a decisão do investidor precisa ser tomada. Ou não ser tomada, protelando investimentos, o que atrasa a vida dos brasileiros, nos faz perder oportunidades e compromete o futuro de gerações inteiras.

E ainda mais assustador é o silêncio de muitos dos que democraticamente gritavam lá atrás por muito menos. Em que pese o barulho cada vez maior pelo disparate fiscal de Lula, as reclamações de muita gente importante do mercado e das entidades setoriais não têm ido além dos limites da conveniência econômica para um problema que é político e institucional. A estrutura de poder instalada no país com a ascensão do consórcio entre o STF e o governo de Lula 3, sob a trágica anuência dos presidentes das duas Casas do Congresso, hoje é dona da insegurança jurídica e do clima de temor e perseguição que deixam empresas, empresários, líderes de setores expressivos da economia, associações e acadêmicos, mais a mídia comprada, numa espécie de silêncio estratégico combinado com seus departamentos jurídicos ou comerciais. 

Imprescindível lembrar a todos eles que a economia que deu certo no Brasil, que construiu o país, precisou ser livre antes de dar certo. Uma vez livre, deu certo e o país avançou rapidamente.

 Aprisionada, dá errado. Veja que depois da tragédia das chuvas que se abateu sobre o Rio Grande do Sul, o governo Lula tentou importar — e impor ao mercado que garantia não precisar — 1 milhão de toneladas de arroz. A licitação acabou por se revelar uma falcatrua, um escândalo do baixo clero da corrupção estatal, e foi abandonada depois das denúncias. Do outro lado, sob as regras do livre mercado e sem a interferência dos consórcios do poder federal e do Supremo, a produção de arroz no país deve crescer 14% em 2025, segundo o primeiro relatório da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Fruto do talento, da obstinação e da liberdade de fazer e empreender dos produtores brasileiros de arroz, com participação acima de 80% do Rio Grande do Sul

ul. Notícia publicada pela Conab (17/9/2024) 

É menos Brasília e mais Brasil. 

Só isso.

Adalberto Piotto, Revista Oeste