Técnicas antigas de produção podem aumentar a produtividade e também reduzir a liberação de gases do efeito estufa; medidas podem diminuir a pressão para ampliar a fronteira agrícola e evitar a derrubada da floresta
O pecuarista Mauro Lúcio Costa é famoso no interior do Pará. Alguns de seus colegas fazendeiros dizem que “Maurão é nosso professor”. Costa se tornou referência na região próxima das cidades de Paragominas e Tailândia ao praticar uma pecuária sustentável. Aparece com frequência em publicações sobre o mundo rural, e sua fazenda já ganhou prêmio de sustentabilidade.
A trajetória de Costa como pecuarista, porém, começou diferente. Após comprar uma propriedade em 1997, desmatou cerca de 500 hectares dela e aproveitou mais uma área que já havia sido devastada pelos donos anteriores. Cinco anos depois, o pasto que havia plantado no local começava a entrar em degradação. “Esse era o normal aqui. As pessoas abriam áreas e as degradavam. Era mais fácil ir para a floresta e desmatar de novo do que recuperar. A recuperação até hoje custa muito. Mas quis fazer diferente, porque a degradação é igual cachorro correndo atrás do rabo: arruma, degrada, arruma, degrada.”
O que Costa fez antes dos anos 2000 resume o que até hoje é a principal fonte de emissão de gás carbônico no País: o desmatamento para exploração da terra pela agropecuária. Quase metade das emissões brasileiras atuais são provocadas pelo desmatamento e, das áreas desmatadas, 95% são destinadas à agricultura e, principalmente, à pecuária, segundo Tasso Azevedo, coordenador do Sistema de Estimativa de Emissões de Gases de Efeito Estufa, do Observatório do Clima, uma rede entidades da sociedade civil.
Ranking
Agropecuária e mudanças do uso da terra são as atividades mais poluentes
Apesar do desmatamento crescente, a agropecuária não tem obstáculos tão difíceis de serem superados como o setor de transportes, em que ainda é preciso desenvolver novas tecnologias para atingir o carbono zero. “É muito difícil o País todo zerar as emissões líquidas de carbono antes de 2050, porque precisaria de muito investimento. A meta, aliás, é 2050. Mas no caso do agronegócio, podemos obter a neutralidade antes, porque a maior parte das emissões vem do desmatamento ilegal. Para reduzir as emissões, é só cumprir a lei”, diz Marcello Britto, presidente da Associação Brasileira do Agronegócio (Abag).
Além de reduzir o desmatamento, o setor precisa avançar na adoção de práticas sustentáveis que existem há anos, mas que precisam ganhar escala. Entre essas práticas, a recuperação de pastagem - que começou a ser feita por Costa em sua fazenda no início dos anos 2000 - é o carro chefe.
As soluções para a agricultura ser carbono zero já existem. Elas estão em nossas mãos. O grande desafio é torná-las viáveis em larga escala. É preciso popularizar as práticas. O setor privado tem seu papel de implementá-las, mas os órgãos públicos têm o papel de fazer a articulação.”
A recuperação de pastagem é um trabalho que envolve análise do solo para ver quais nutrientes ele perdeu com a exploração, retirada de plantas daninhas, adubagem e plantação de novo capim. Esse pasto novo, saudável, tem capacidade de retirar gás carbônico da atmosfera e o colocar no solo. Com essa técnica, a pecuária pode compensar os gases emitidos pelo gado.
Além de sequestrar carbono do ar, a recuperação de pastagem também aumenta a eficiência da alimentação do gado. Isso porque o pasto de melhor qualidade é metabolizado mais rapidamente, garantindo que o animal emita menos metano (um dos gases responsáveis pelo efeito estufa) em seu processo de digestão, explica o pesquisador Moacyr Dias Filho, da Embrapa. Com uma alimentação melhor, o gado também engorda num período de tempo mais curto.
Apesar das vantagens ambientais e econômicas da recuperação, dos 170,7 milhões de hectares que o Brasil tinha de pasto em 2018, 57,2% ainda apresentavam alguma degradação, sendo 26% um grau severo. Degradado, o pasto tem baixo nível de nutrientes e, portanto, de produtividade. Em pouco tempo, acaba sendo abandonado, e o produtor desmata novas áreas para colocar seu gado.
Na fazenda de Costa, quando o pecuarista começou a recuperar a fertilidade do pasto, ouviu de pessoas na região que estava “louco” por gastar dinheiro com a prática quando ainda havia mais de 3.000 hectares em sua propriedade que poderiam ser explorados, isto é, desmatados. “As pessoas diziam que, se eu não abrisse (mais área para pasto) naquela época, não ia conseguir depois. Conheço muitas pessoas que desmataram sem ter necessidade, porque estavam prevendo que chegaria a época em que não poderiam mais desmatar.”
Sem optar pelo desmatamento, Costa passou a rotacionar o pasto (método antigo em que a propriedade é dividida em lotes que são ocupados por certo período de tempo pelo gado e, posteriormente, desocupados para que a pastagem descanse, seja adubada se recupere). O pecuarista ainda enriqueceu os 80% da propriedade que são área de reserva legal, plantando árvores nativas.
Hoje, a produtividade da fazenda de Costa é de 4,5 animais por hectare, enquanto a média brasileira é de 0,9. A meta é chegar a dez em 2023. “Já tenho o modelo de como fazer. Agora, o investimento é em rebanho, porque não preciso mais investir para reformar o pasto. O capim, se bem tratado, dura a vida inteira. Hoje, trabalho para não deixar que ele entre em estágio de degradação.”
O projeto de Costa para tornar sua fazenda sustentável foi feito com a ajuda de especialistas como o professor Ricardo Ribeiro Rodrigues, da Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz (Esalq/USP). O docente havia trabalhado no programa Pecuária Verde, que ajudou a reduzir o desmatamento em Paragominas ao aumentar a produtividade e a sustentabilidade das fazendas locais.
“Tem muita área agrícola no País com baixa produtividade. Quando se aumenta a produtividade, se reduz a pressão por desmatamento”, diz Rodrigues. Segundo o professor, se um programa semelhante ao de Paragominas fosse adotado em todo o País e o rebanho brasileiro fosse mantido no tamanho atual, 32 milhões de hectares de pastagem (18,7% do que se tem hoje) seriam liberados. Nos cálculos de Dias Filho, da Embrapa, para cada hectare de pastagem recuperado, deixa-se de desmatar dois hectares de floresta.
“Adotar práticas sustentáveis no agronegócio é um processo lento. Não é feito de um dia para o outro. Tem de mostrar para o produtor como se faz e quais os custos. E precisa ter uma economia estável para ajudá-lo.”
Outra atividade importante para que a agropecuária reduza suas emissões, lembra Celso Manzatto, também da Embrapa, é plantar e manter árvores no meio das produções. O pesquisador explica que a árvore ajuda a manter o carbono no solo. Quando já se tem uma no local e ela é cortada, o teor de carbono no solo diminuiu em um terço.
Técnicas como o plantio direto e a integração pecuária-floresta também ajudam a aumentar o carbono no solo e são fomentadas no País há mais de dez anos, mas ainda não dominam a agropecuária, destaca Angelo Costa Gurgel, do Centro de Estudos do Agronegócio da FGV.
“Há um esforço do Plano Safra para que o produtor pegue financiamento para a atividade sustentável a uma taxa de juros menor que a do mercado. Mas percebemos que os produtores vão em direção à sustentabilidade mesmo quando o gado demora para crescer. Aí, ele tenta adotar tecnologias e melhorar a pastagem”, diz Gurgel. Segundo ele, em regiões onde o preço da terra é maior, também há uma pressão para ser mais produtivo e se buscar essas técnicas.
Empresas criam tecnologias para diminuir liberação de metano pelo gado
Além das emissões de carbono em decorrência do manejo de solo e das mudanças do uso da terra, a pecuária precisa lidar com outro desafio para ser uma atividade de baixo carbono: a poluição gerada pelo gado. No ano passado, a liberação de gases resultantes da digestão dos ruminantes, a chamada fermentação entérica, foi responsável pela emissão de 64,6% do CO2 da agropecuária. Quando se considera o metano (um dos mais nocivos gases de efeito estufa), a participação da fermentação entérica chega a 91,6% do emitido pelo setor.
Diante da nocividade do metano, o Brasil e outros 102 países se comprometeram, durante a Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (COP-26), a reduzir as emissões do gás em 30% até 2030, tendo como base os níveis do ano passado.
Antevendo a tendências, algumas empresas já vinham desenvolvendo tecnologias para ajudar os pecuaristas a diminuir a liberação de gases de seu rebanho. A JBS, por exemplo, participa de pesquisas que analisam como mudanças na dieta dos animais pode interferir na emissão de gases. Um dos projetos estuda a adição de taninos à alimentação do gado e outro, a de capim-limão.
“Os aditivos de taninos, por exemplo, melhoram a eficiência nutricional e diminuem as emissões de metano. Experimentos que já foram feitos mostram que as reduções podem chegar a 40%”, diz o diretor de relacionamento com pecuaristas da Friboi (marca da JBS), Fabio Dias.
A holandesa DSM, por sua vez, desenvolveu um suplemento nutricional chamado Bovaer que, segundo a empresa, reduz de 30% a 90% a emissão de gases de efeito estufa. O produto impede que microrganismos que fabricam metano no trato digestivo do animal sejam produzidos, explica o presidente da empresa na América Latina, Maurício Adade.
Liberado para uso no Brasil pelo Ministério da Agricultura, o Bovaer ainda não teve preço divulgado. O suplemento precisa ser acrescentado à ração diariamente na dose de um quarto de colher de chá por animal para fazer efeito.
Luciana Dyniewicz, Estadão