A essência do coquetel está no old fashioned. Uísque, bitter, açúcar e gelo. Todo um universo está contido nesses quatro elementos. No entanto, não é fácil preparar esse drinque. Exige um equilíbrio perfeito entre o doce e o amargo, o álcool e a água.
Bem dosado, um old fashioned é como uma canção lounge: desce em câmera lenta e aquece a alma.
Cole Porter sabia bem disso quando compôs "Make it Another Old Fashioned, Please" para o musical "Panama Hattie". Na letra, os copos de âmbar cintilante servem aos "refugiados do amor" que estão prestes a entrar para "o time dos desiludidos". A bebida aprofunda a fossa ao mesmo tempo que a torna suportável.
Mais que Ethel Merman, a engraçada cantora original, ou Ann Sothern, Julie London encarnou a harmonia etílica de Porter com sedução irresistível. Sua entoação ondulante reproduz as curvas do corpo de sereia. As notas aveludadas aumentam a sensação hipnótica da embriaguez e o tempo deixa de existir.
A série Mad Men começa nessa mesma suspensão das horas. A primeira cena do primeiro episódio mostra Don Draper numa mesa de bar. Em sua volta, sons de risadas e tilintar de copos se misturam à fumaça dos cigarros.
Os relógios perdem a utilidade diante de garrafas e cinzeiros. Ele anota ideias num guardanapo. E pede mais um old fashioned ao garçom, com quem conversa, em busca de inspiração.
O dia chega e ele se perde na reunião com o dono de uma famosa marca de cigarros. O que fazer? Vem um estalo e ele encontra o slogan na essência do tabaco: "É torrado". É a mesma essência dos old fashioneds que toma nas sete temporadas da série criada por Matthew Weiner.
O drinque surgiu em meados do século 19, chamado simplesmente whisky cocktail. Era servido em taças, sem gelo, e tomado pela manhã, como estímulo para a jornada. Por volta de 1870 apareceram versões "melhoradas", com o acréscimo de absinto, licor de laranja, Chartreuse e outras invenções. A turba chiou e começou a pedir a bebida "do jeito antigo", daí o nome.
Depois da Lei Seca, em 1933, bartenders entusiasmados, fiéis seguidores do capitalismo colorido e infantil corrente nos Estados Unidos, passaram a colocar frutas no old fashioned. Laranjas, cerejas e até abacaxis eram macerados no fundo do copo, diluindo a elegância primordial do coquetel.
Focado e autoconfiante, Draper não tolera bobagens. Há um episódio em que ele está no casamento do chefe, celebrado no jardim de uma mansão. Enfadado com a balbúrdia sem sentido, ele deixa a festa e se refugia num bar sombrio, um dos muitos cômodos vazios da casa.
Lá encontra um sujeito de fraque branco, que está atrás do balcão. Fica a dúvida se é um bartender perdido ou outro convidado procurando afogar o tédio numa bebida.
Como um personagem de John Updike ou Raymond Carver, Draper pede um old fashioned. O sujeito diz que também gostaria, mas não há bourbon. O publicitário pula o balcão e encontra uma garrafa de rye. Serve? Claro, até porque o uísque de centeio era o destilado original do drinque.
Então ele prepara dois old fashioneds com movimentos seguros de quem sabe o que faz, direto ao ponto, sem frescuras. É gelado. É alcoólico e ligeiramente doce. É à moda antiga.
OLD FASHIONED
Ingredientes
75 ml de bourbon ou rye
Um torrão de açúcar
Quatro espirradas de Angostura
Passo a passo
Ponha o açúcar e a Angostura num copo old fashioned. Se quiser, acrescente um pouco de club soda e misture. Coloque gelo, bourbon e mexa de novo. Finalize com uma fatia de laranja
Daniel de Mesquita Benevides, Folha de São Paulo