Após um ano de negociação, a Boeing fechou os termos da compra da área de aviação civil da Embraer. O acerto, que cria uma nova empresa no valor de US$ 5,26 bilhões (R$ 20,5 bilhões no câmbio desta segunda, 17), será agora submetido ao governo brasileiro.
Os americanos pagarão aos brasileiros US$ 4,2 bilhões (R$ 16,4 bilhões caso tudo fosse pago hoje, o que não ocorrerá), US$ 400 milhões a mais do que o previsto inicialmente, para ter 80% do controle da nova empresa.
Em julho, a Boeing havia divulgado que o valor total seria de US$ 4,75 bilhões (R$ 18,5 bilhões), que havia sido considerado baixo por analistas e pelo governo.
Segundo comunicado das duas empresas, também será criada uma joint-venture para a produção e comercialização de um único produto militar que ficará fora do escopo da empresa que sobrará do fatiamento da Embraer, o cargueiro militar multimissão KC-390.
A Boeing já era responsável por promover o avião, desenvolvido a custo de US$ 5 bilhões (R$ 19,5 bilhões) com dinheiro do governo brasileiro, no exterior. A aeronave mira um mercado potencial de mais de 700 modelos antigos, a maioria composta por Lockheed C-130 Hercules, no mundo.
Essa terceira empresa não venderá outros produto militares da “velha” Embraer, como o Super Tucano, nem cuidará de contratos de defesa como o sistema de proteção de fronteiras. Essa foi uma exigência dos militares do país, que temiam perder autonomia na hora de fazer novos contratos estratégicos. A nova joint-venture terá controle nacional de 51%, outro ponto que agradou o Ministério da Defesa.
Embora a fabricante brasileira tenha sido privatizada em 1994, o governo detém uma “golden share”, ação especial que lhe permite vetar quaisquer negócios em seu Conselho de Administração. Quando emergiu o começo da negociação entre as duas empresas, a reação inicial do presidente Michel Temer (MDB) foi de recusar “a venda da Embraer”. Isso acabou levando as partes para a mesa de negociações, e o Planalto se diz satisfeito com o acerto —que terá 30 dias para ser analisado a partir da entrega da documentação à Procuradoria Geral da Fazenda Nacional e à Secretaria de Economia e Finanças da Força Aérea.
Foi formado um grupo de trabalho em janeiro e as acomodações foram ocorrendo. Ao longo do ano, autoridades brasileiras deram aval à negociação de forma paulatina, e hoje os óbices ao negócio desapareceram com as concessões feitas de lado a lado —os americanos, por exemplo, queriam comprar toda a Embraer, inclusive a parte de defesa, o que não foi aceito pelos militares. O conselho da nova empresa ficará sediado no Brasil.
O presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), já indicou ser a favor do negócio, que poderá ser assinado já sob sua gestão, em janeiro. Segundo as empresas, se tudo correr dentro do previsto, a concretização do acordo ocorrerá em 2019. Durante a campanha eleitoral, havia o temor por parte dos envolvidos de que o clima nacionalista da disputa prejudicasse o acerto, em especial porque candidatos como Ciro Gomes (PDT) haviam se colocado contra ele, reproduzindo o discurso associado ao sindicalismo à esquerda de perda de patrimônio intelectual público.
A “velha” Embraer buscará sua sobrevivência na venda de produtos de defesa (15% de sua receita líquida no terceiro trimestre deste ano), aviação executiva (cerca de 15%) e serviços (20%). Além disso, receberá recursos proporcionais à sua participação nas “nova” Embraer e na joint-venture do KC-390. Ela também manterá a gerência de projetos estratégicos em curso, como a parceria para a montagem dos novos caças da FAB, os suecos Gripen, e participação em programas como o do submarino nuclear brasileiro.
A nova empresa civil é chamada internamente de “NewCo” (“nova companhia” na abreviação inglesa) e ainda não está definido se manterá o nome Embraer. Há avaliação de que os aviões regionais da empresa brasileira são uma marca estabelecida, mas existe a possibilidade de a linha ser simplesmente absorvida no portfólio da Boeing. A área de engenharia da aviação comercial deverá trabalhar de cara no projeto de um avião de longo alcance de capacidade intermediária.
“A Boeing e a Embraer possuem um relacionamento estreito graças a mais de duas décadas de colaboração. O respeito mútuo e o valor que enxergamos nesta parceria só aumentou desde que iniciamos discussões conjuntas no começo deste ano”, disse em nota Dennis Muilenburg, presidente, chairman e CEO da Boeing.
Já o presidente de CEO da Embraer, Paulo Cesar de Souza e Silva, afirmou no mesmo comunicado estar “confiante na parceria”. "Esta aliança fortalecerá ambas as empresas no mercado global e está alinhada à nossa estratégia de crescimento sustentável de longo prazo”, disse.
A Boeing precisou aproximar-se da Embraer por dois motivos básicos. Primeiro, não possuía uma linha de aviação civil de caráter regional, com aeronaves menores, de 70 a 130 lugares. A brasileira tem uma linha nova, a E2, que dá sequência à bem-sucedida família dos E-Jets. A rival europeia da Boeing, Airbus, tinha o mesmo problema e o resolveu comprando o controle da família regional C-Series, da canadense Bombardier, adversária histórica da Embraer. O movimento de consolidação parecia óbvio. Além disso, a área de engenharia da empresa paulista é vista como de ponta, e poderia injetar dinamismo no setor da americana.
Para a Embraer, fundada pela Força Aérea em 1969, o risco de manter-se sozinha era o de ficar de fora de uma das grandes cadeias mundiais de produção e, num prazo de talvez uma década, ver seus horizontes comerciais se fecharem. No setor, tudo é interligado e retroalimentado, e com a Bombardier indo para o guarda-chuva europeu, o caminho mais lógico seria a associação com a gigante americana. Russos, chineses, indianos e japoneses estão no mesmo processo.