O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Dias Toffoli , disse nesta quarta-feira que não há espaço no país para a escravatura, a ditadura, o fascismo, o nazismo, o comunismo, o racismo e a discriminação. O discurso foi proferido em uma sessão no plenário da Corte em homenagem aos 30 anos da Constituição Federal , com a presença do presidente Michel Temer, da procuradora-geral da República, Raquel Dodge, e da cúpula do Judiciário.
— Como disse ontem o professor José Gomes Canotilho, “é função primária de uma constituição cidadã fazer ecoar os gritos do nunca mais: nunca mais a escravatura, nunca mais a ditadura, nunca mais o fascismo, nunca mais o nazismo, nunca mais o comunismo, nunca mais o racismo, nunca mais a discriminação” — disse Toffoli, em citação ao jurista português em visita ao país.
Na segunda-feira, em uma palestra na USP, Dias Toffoli disse que preferia chamar o golpe de 1964 de “movimento”, para não tomar o partido de militares ou de militantes. Nesta sexta-feira, o ministro louvou as conquistas da democracia brasileira e disse que não se pode admitir involuções:
— Nenhum outro ator institucional é mais efetivo do que o próprio cidadão, do que o próprio povo, aquele que se destina ao fim e ao cabo essa Constituição. É essa percepção que deve conduzir seu intérprete, de modo assegurar que as conquistas até aqui obtidas sempre vigorem, não admitindo involuções, especialmente quanto a democracia estabelecida, a cidadania conquistada e a pluralidade até aqui construída.
Toffoli lembrou que o país está às vésperas das eleições gerais e, segundo ele, cabe ao Judiciário garantir a paz na sociedade brasileira – quer entre as pessoas, quer entre as instituições.
— Os desafios existem e sempre existirão. O jogo democrático traz incertezas. A grandeza de uma nação é exatamente se inserir neste jogo democrático e ter a coragem de viver a democracia. Temos como guia, como farol desse nosso pacto fundante, a aniversariante de 1988, e nós, o Supremo Tribunal Federal, cada um de nós somos e seremos os garantes deste pacto, como nos versos: “sofrendo e muitas vezes até chorando a amaremos para sempre” — afirmou Toffoli.
Assim como já tinha feito mais cedo em cerimônia no Palácio do Planalto, o presidente Michel Temer criticou os ciclos de 20 a 30 anos na história brasileira em que há uma "compulsão" para a criação de um nova Constituição.
— Um momento histórico conturbado, em que muitos e muitos desejam uma nova ordem constitucional, ou seja um novo Estado. Para nós da área jurídica, o Estado apenas nasce no momento em que nasce a Constituição Federal. E é curioso que nós temos uma compulsão que poderia chamar de politicamente perversa. Porque temos historicamente essa necessidade extraordinária de a cada 20, 25, 30 anos, ou menos até, achar que precisamos de um novo Estado. A todo momento se postulam constituintes que possam inaugurar uma nova ordem estatal — disse o presidente, que brincou: — Se Deus quiser, daqui a 50 anos estaremos todos aqui para o 80º aniversário da Constituição.
Temer também defendeu a liberdade imprensa como parte de um direito maior: a liberdade de informação.
—As pessoas valorizam a liberdade de imprensa como se fosse a favor da imprensa. Não é. É a favor do povo. Imprensa livre significa informação livre — afirmou Temer.
Defesa da liberdade de imprensa
No evento, o ministro Marco Aurélio Mello disse que, nos últimos anos, a Corte tem dado especial atenção à liberdade de imprensa e de expressão. Em discurso proferido na sessão em homenagem aos 30 anos da Constituição Federal, o ministro destacou os principais julgamentos do tribunal no período.
— No tocante às liberdades fundamentais, direitos de primeira geração, o tribunal tem dado especial atenção à liberdade de expressão e imprensa. Declarou a inconstitucionalidade da Lei de Imprensa, da exigência de diploma de curso superior para exercício da profissão de jornalista e de restrições legais às emissoras de rádio e televisão quanto a programas que pudessem degradar, ridicularizar ou encerrar crítica jornalística favorável ou contraria a políticos candidatos a cargos eletivos, o que inclui manifestações de humor, charge e sátiras — afirmou.
O ministro também destacou o julgamento que assegurou a realização de passeatas e manifestações públicas em favor da descriminalização do consumo de drogas sem que elas pudessem ser enquadradas na apologia ao crime, a chamada marcha da maconha.
Em outro trecho do discurso, Marco Aurélio lembrou que o STF declarou que a execução da pena de condenados deveria começar somente depois de julgados todos os recursos judiciais. Para ele, a Corte retrocedeu no julgamento de 2016, quando mudou o entendimento e estabeleceu o cumprimento da pena a partir da condenação confirmada por um tribunal de segunda instância. O ministro é relator das ações sobre o assunto e pediu novo julgamento, mas o presidente do tribunal, Dias Toffoli, disse que só pautará o tema em plenário em 2019.
— (O STF) proclamou a inconstitucionalidade da execução provisória da pena. O fez ante o princípio da não culpabilidade, da inocência. Posteriormente, retrocedeu. Porém, novos dias virão, devendo haver sempre esperança para aqueles que têm direitos previstos na Carta — declarou.
Constituição como 'bússola'
A procuradora-geral da República, Raquel Dodge, destacou que a Constituição de 1988 foi o documento que "rompeu com o regime de exceção e arbítrio", numa referência à ditadura militar (1964-1985). Ela lembrou algumas garantias do texto, como a liberdade de imprensa e a proteção a minorias, e afirmou que o STF é o seu guardião. Depois, destacou que o Minsitério Público também vem atuando como guardião da Constituição. Ela citou ainda uma frase de Ulysses Guimarães, que presidiu a Assembleia Constituinte, ligando a Carta Magna à sobrevivência da própria democracia.
— A Constituição de 1988 instituiu o governo de leis. Não é pouco, porque o governo de leis é uma das principais marcas do mundo civilizado, pois promove a paz e estimula a concórdia, que são virtudes da justiça. Em uma nação de imigrantes e nativos, nossa Constituição reconhece a pluralidade étnica, linguística, de crença e de opinião. Garante liberdade de imprensa, para que a informação e a transparência saneiem o conluio e revelem os males contra os indivíduos e o bem comum. Regulamenta a convivência das diferenças sob o signo da igualdade de direitos, de oportunidades, de concorrência, de respeito e de tratamento. Visionária, protegeu o ambiente para esta e as futuras gerações. Humanitária, protege minorias e os mais vulneráveis, para que não sejam alvos do injusto. É o documento fundante da convivência democrática. Ulysses Guimarães, ao se referir a ela, advertiu com clareza: a persistência da Constituição é a sobrevivência da democracia — disse Dodge.
O presidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Claudio Lamachia, fez discurso lembrando a polarização política do país às vésperas das eleições. Ele ressaltou que, em períodos de conturbação, a Constituição deve ser a bússola do país.
— Passa a circular a ideia de solução pela força, pelo golpe e pelo fim da ordem constitucional. A presente campanha eleitoral é um retrato preocupante desse estado de coisas. Mais que nunca, é necessário que se busquem na Constituição os remédios para sanear a política. Política, como sabemos, só se cura com política. E as eleições são – precisam ser - um momento de renovação, de oxigenação do ambiente político. Seja quem for o vencedor, nosso socorro estará sempre na Constituição. Ela existe para garantir direitos à sociedade e para limitar os poderes dos que governam — disse Lamachia.O advogado também condenou propostas de candidatos para criar uma nova Constituição. A ideia foi aventada pelo general Hamilton Mourão, vice na chapa de Jair Bolsonaro (PSL) e também pelo petista Fernando Haddad.
— Não podemos, como alguns tentam fazê-lo, de maneira ligeira e superficial, condenar a Constituição de 1988. Não é ela, com as imperfeições que certamente tem, a responsável pelas turbulências da atual conjuntura. Pelo contrário, tem funcionado, com todas as suas limitações, como um anteparo aos excessos e ameaças à ordem institucional — afirmou.
Lamachia ressaltou que a Constituição de 88 foi elaborada depois da ditadura militar, como resultado de “intensa luta da sociedade em favor do retorno ao Estado Democrático de Direito”.
Carolina Brígido e André de Souza, O Globo