sábado, 15 de setembro de 2018

"Quem ganha com isso?", por Jerson Kelman

Lula utilizou a locomotiva estatal para puxar a economia no pós-2008, e o país viveu a era da marolinha. O primeiro governo Dilma dobrou a aposta, aumentando a dívida bruta. Dez anos atrás era 57% do PIB; hoje, 77%. Tinha-se a expectativa de que a queima desse “combustível” impulsionaria a locomotiva, criando riquezas e aumentando a arrecadação de impostos, o que permitiria o pagamento da dívida, numa feliz espiral positiva.

Só que, ao contrário, a espiral foi negativa: utilizou-se cada vez mais combustível para desenvolver velocidades cada vez menores. Até que a locomotiva começou a andar para trás. Dilma ainda tentou estancar a escalada do desequilíbrio fiscal, mas era tarde demais. 

Os passageiros trocaram de maquinista.

Hoje qualquer pessoa de bom senso sabe que o déficit primário não pode continuar e que o próximo presidente terá que liderar o país numa dolorosa transição. Porém, os candidatos não têm conseguido enunciar claramente quais sacrifícios precisam ser feitos para tirar o país do atoleiro, e quem os deve fazer.

Tipicamente, os entrevistadores constrangem o candidato indagando quais medidas duras pretende adotar. Do tipo, “em seu governo, a gratuidade nas universidades públicas federais será preservada? ”.

Perguntas assim, que identificam os potenciais perdedores sem dar chance ao candidato de contextualizar o assunto de forma a deixar claro quem seriam os vencedores — no caso, as crianças atendidas pelo ensino básico — quase sempre são respondidas com evasivas.

Uma hipotética resposta direta, com a nomeação apenas das corporações que terão que abrir mão de vantagens extravagantes, resultaria na subtração dos votos dos potenciais perdedores, sem a adição de votos dos potenciais ganhadores.

Ainda está em tempo, para o bem do país, que os entrevistadores façam autocrítica e passem a permitir que os candidatos deem respostas complexas para questões complexas.

Jerson Kelman é engenheiro




O Globo