quarta-feira, 4 de julho de 2018

Não há garantia de que a Rússia esteja livre do doping, diz investigador

Diante do comportamento do governo russo em relação aos recentes escândalos de doping no esporte russo, não há como ter hoje garantias de que o time que disputa a Copa do Mundo esteja "limpo". Quem faz o alerta é Richard Pound, ex-presidente da Agência Mundial Antidoping (WADA, na sigla em inglês), vice-presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI) e decano do movimento olímpico.
O canadense foi escolhido pela revista Time como uma das 100 pessoas mais influentes do mundo. Mas seu maior trabalho foi o de liderar, em 2015, um ampla investigação sobre o doping na Rússia, que concluiu que a prática era até mesmo apoiada pelo Kremlin. O resultado acabou levando parte do esporte russo a ser banido dos Jogos Olímpicos de 2016, no Rio de Janeiro.
Richard Pound
Pound. ‘A Fifa nunca foi entusiasta do controle de doping’
Foto: Denis Balibouse/Reuters
No centro do escândalo estava o então ministro dos Esportes, Vitaly Mutko, acusado de ser o artífice do sistema de doping.  Após as revelações, o presidente Vladimir Putin retirou Mutko da pasta. Porém, ao desafiar a agência internacional, colocou-o como vice-primeiro-ministro do país. 
Em entrevista exclusiva ao Estado, Pound também criticou a Fifa e alertou que a entidade não quer exames positivos saindo dos jogos da Copa do Mundo. 

Confira os principais trechos da conversa: 

Diante da história recente do doping no esporte russo e seu envolvimento pessoal nas investigações sobre o atletismo, podemos estar certos de que os jogadores atuando na Copa do Mundo estão limpos?
Onde o doping em todos os esportes na Rússia foi provado - e a Rússia se recusa a reconhecer esse fato - não pode haver garantias de que o time que está jogando a Copa do Mundo esteja limpo. 
O vice-primeiro-ministro, Vitaly Mutko, vai aos jogos e se faz presente. O senhor considera que o governo russo fez o suficiente para lutar contra o doping desde que o senhor revelou o doping de Estado?

Não. O governo se recusou a reconhecer o sistema estabelecido e ainda se recusa a dar acesso à WADA ao laboratório onde centenas de amostras são mantidas. Isso faz parte de um acordo estabelecido para readmitir a Agência de Controle de Doping Russo dentro do status de compliance (da WADA).
Como o senhor avalia a posição da Fifa com o controle de doping?  
A Fifa nunca foi uma entusiasta do controle de doping. Jogadores são escolhidos num sorteio. Não há um teste com um alvo. Ele é desenhado para ser ineficiente. Mas você pode ter certeza de que não haverá um resultado positivo de doping durante a Copa do Mundo na Rússia?
Por quê?
Por ser um evento de US$ 6 bilhões, e eles não querem qualquer resultado positivo. 
Mas não sabemos em quais circunstâncias esses testes foram realizados. Mas que tivessem feito 20 mil testes, não significa nada. Os números não importam. O que interessa são as circunstâncias. Como, quando, onde e por quem foram realizados.   
Todos os esportes do mundo são afetados pelo doping. Mas sempre foi alegado na Fifa que esse não era um problema grande no futebol. Os jogadores são os únicos atletas do mundo que não pensam em obter vantagens com o doping?
Eles provavelmente pensem que nós acreditamos nessa declaração sem base, o que não é o caso. De fato, é muito decepcionante que o maior esporte do mundo não leve o doping a sério. 
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Como presidente da WADA, o senhor enfrentou resistência da Fifa em casos de doping?
Tivemos sérias dificuldades em fazer a Fifa aceitar o código da WADA. Tive de voar a um dos congressos da Fifa para explicar o que era e convencer o futebol a aceitar o código. 
Que mensagem a Fifa manda quando atua de tal forma, enquanto lida com o problema do doping?
É uma mensagem ruim. Ela mina a base ética fundamental dos esportes.

Segundo Fifa, seleção russa foi uma das mais testadas

Em uma dura resposta aos comentários de Richard Pound, a Fifa o acusa de "desinformado" e de não ser preciso. "Contrário ao que ele diz, a Fifa conduz testes específicos, em especial para a Copa do Mundo", garantiu.
"Todos os jogadores foram testados em controles de surpresa, antes da competição e mais testes - tanto depois dos jogos como em dias sem jogos - são realizados durante a competição", disse a Fifa, por meio de uma nota. "Os controles de doping na Copa do Mundo estão sendo realizados atualmente e, portanto, não podemos dar mais detalhes." 
De acordo com a entidade, o plano de testes foi discutido e acordado com a WADA antes da Copa, focalizado em "testes inteligentes". A entidade também aponta que a WADA tem o direito de realizar testes se acreditar que o sistema não esteja funcionando, o que não foi o caso até agora. 
A Fifa aponta que, entre janeiro e 13 de junho, 2,7 mil amostras foram coletadas pela entidade em controles de surpresa - 912 amostras de sangue. Desse total, 24 foram em competições e o restante fora de jogos. 
"Não houve caso positivo na caminhada para a Copa do Mundo", garantiu a Fifa, que indicou que ainda colaborou com agências nacionais para testar todos os jogadores que estivessem na Rússia. 
Sobre a seleção russa, a Fifa diz que não pode dar detalhes específicos sobre cada um dos times. "Mas podemos confirmar que a seleção russa foi uma das mais testadas antes da competição", disse.  
A entidade também garantiu que vai manter as amostras coletadas por dez anos, para novos testes no futuro. Além disso, o sistema permite que a Fifa tenha acesso a eventuais resultados de testes desses jogadores, em futuras competições nacionais ou regionais. "Isso se aplica a todos os jogadores da Copa do Mundo", disse a entidade. 
A Fifa ainda apontou que "nenhum russo esteve envolvido na implementação do programa antidoping da Copa do Mundo" e que "todas as análises de amostras foram conduzidas por laboratórios da WADA fora da Rússia". A entidade explicou que o mesmo padrão já havia sido usado na Copa das Confederações, em 2017, quando nenhum resultado foi positivo. 
Para completar, a Fifa ainda reforçou que está aberta à possibilidade de que uma auditoria seja enviada pela WADA. "As portas estão abertas", completou.

Jamil Chade / Moscou, O Estado de S.Paulo