quarta-feira, 4 de julho de 2018

"México vs. Brasil", por Monica De Bolle

Por mais que o embate futebolístico ainda esteja fresco na memória, por mais que a alegria de ter passado para as quartas de final ainda contagie, por mais que se castigue o técnico do México pela infeliz entrevista pós-jogo, por mais que se queira tomar um lado no debate internacional sobre a personalidade de Neymar, este artigo não é sobre o 2 a 0 do Brasil. O jogo entre os dois países se deu justamente no dia seguinte das eleições mexicanas, pleito maior do que o de outubro no Brasil. Em jogo estava a presidência da república, a composição do Congresso, os governadores das várias regiões, além de outros cargos públicos locais. Como já é de conhecimento geral, o grande vitorioso foi o controvertido Andrés Manuel López Obrador, o Amlo, e seu partido, o Morena. 
Amlo não é novidade na cena política mexicana. Concorreu à presidência em 2006 pelo Partido da Revolução Democrática (PRD) e por muito pouco não venceu. Tentou novamente em 2012, depois de sair do PRD e formar coalizão para apoiar sua candidatura. Parte dos partidos que integraram a coalizão de Amlo em 2012 formaram o Morena, que se registraria formalmente como partido político apenas em 2014. Além de concorrer à presidência, Amlo foi prefeito da Cidade do México, e deixou o cargo com cerca de 80% de aprovação. 
Portanto, Amlo não é exatamente um outsider na política, embora sua plataforma de campanha tenha sido a da renovação. Não custa lembrar que há anos o México é governado basicamente por dois partidos hegemônicos: o PRI do atual presidente, e o PAN do presidente anterior. A entrada de Morena na presidência, quebrando a hegemonia partidária, não deixa de ser renovação.
Mais surpreendente, entretanto, foi a vitória do partido de Amlo no Congresso. Desde 1996, não gozava um presidente mexicano de maiorias nas câmaras legislativas. No Senado, o Morena e seus partidos aliados conquistaram 69 de 128 assentos, ou 54%. Na Câmara de Deputados, foram 310 assentos, ou 62% da casa. Somadas às vitórias em algumas eleições locais, Amlo acaba de receber mandato pleno para conduzir reformas e atender aos anseios da população mexicana. 
O momento é complicado, e muitas de suas propostas – a luta contra a corrupção e a violência, a redução da pobreza – enfrentarão obstáculos, podendo trazer desalento mais à frente. Contudo, a grande lição mexicana para o Brasil que brevemente terá suas eleições é que o desgaste institucional e a desilusão do povo com seus representantes pode trazer mudanças profundas desde que exista a liderança política necessária no momento certo. Amlo, goste-se ou não do que representa, conseguiu reunir o que era preciso para receber mandato completo, com todos os riscos que isso traz.
E o Brasil? O Brasil tem circo de candidatos que não consegue articular propostas e menos ainda mover corações. Quando falam, pouco dizem ou dizem coisas que agradam alguns, porém amedrontam outros. A polarização se acentua a cada dia que passa, e diante disso, todos temem falar dos problemas do País. Os que defendem a reforma da Previdência têm medo de detalhar suas propostas pois sabem que o risco de cair nas pesquisas de opinião é alto – preferem as platitudes e as referências genéricas. Os que sabem o real tamanho do problema fiscal brasileiro evitam delinear como ajustarão as contas públicas por conta dos mesmos temores. Corremos o sério risco de eleger alguém sem nada saber o que pretende fazer com a política econômica. 
Mas é ainda pior. O Brasil não corre o menor risco de eleger Congresso coeso como acaba de fazer o México. A fragmentação prevalecerá, tornando tudo ainda mais complicado para o novo ou nova governante. Ou seja, caminha o Brasil para eleger alguém cujas propostas econômicas desconhece por completo – a não ser por suas linhas gerais – e cujas chances de sucesso no Congresso são mínimas. 
Nada disso é novidade. Contudo, cabe olhar para cima. Como conseguiu o México fazer a transformação que, ainda que arriscada, tem maiores chances de dar certo do que qualquer cenário que possa se materializar no Brasil? Por que lá a fadiga do eleitor entregou um caminho? Creio que a resposta seja a liderança que sobra em Amlo e no técnico da seleção canarinho. 
ECONOMISTA, PESQUISADORA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIONAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS  UNIVERSITY 
O Estado de São Paulo