O ministro Luís Roberto Barroso, numa palestra organizada pelo GLOBO há duas semanas, analisou o custo de uma eleição e disse que os números dos gastos de um candidato nunca batem com os ganhos salariais que ele vai auferir em seu mandato.
Segundo o ministro, uma campanha para deputado federal em um estado médio da Federação custa de R$ 5 milhões a R$ 10 milhões. E a soma dos salários do parlamentar nos quatro anos do mandato chegaria a R$ 1,1 milhão. A conta não fecha, disse Barroso.
Na verdade, a campanha não custa tanto assim. Conforme o estado, com R$ 2 milhões um bom candidato se elege. Por outro lado, a soma dos 13 salários de um deputado por quatro anos chega a R$ 1,7 milhão. Mesmo que a distância entre custo e resultado não seja tão grande como o descrito por Barroso, o ministro tem absoluta razão na sua premissa. O modelo eleitoral brasileiro privilegia quem tem dinheiro e estimula que o eleito acabe usando o Estado em benefício próprio para receber de volta, ilicitamente, o que gastou para se eleger.
E como é que o parlamentar brasileiro faz para fechar a conta final da sua eleição? Há inúmeras fórmulas na história, todas reveladas ao longo dos anos pelo bom jornalismo nacional. A mais recente, que retrata um velho hábito político brasileiro, foi contada pelo repórter Vinicius Sassine na edição de segunda do GLOBO. O deputado André Moura (PSC-SE) nomeou o presidente, um diretor e seis assessores da Dataprev, a estatal que fornece as soluções de tecnologia do governo federal e faz o processamento de dados do maior órgão público da nação, a Previdência Social.
É escandaloso que um deputado nomeie e controle a gestão de uma empresa tão estratégica quanto a Dataprev. E, o que é mais grave, com um grupo de pessoas cujo conhecimento do setor é igual ou menor que o meu, que preciso ter ao meu lado um técnico que me coloque de volta no ar toda vez que meu computador dá um pau. Dois dos assessores do presidente sequer moram em Brasília, onde fica a sede do órgão. Preferiram permanecer em Aracaju, capital do estado de André Moura. Seis assessores são sergipanos. Um é primo de Moura, outro é seu advogado, uma terceira é ex-proprietária de um salão de beleza.
As indicações de André Moura fazem parte do pacote com o qual o deputado poderá obter de volta todo o investimento que fez na sua campanha. Ou alguém acredita que o nobre parlamentar está mesmo engajado na busca de soluções tecnológicas para o governo de Michel Temer? Claro que não. Ele obteve as boquinhas para poder dar sustentação política ao governo. Como, aliás, já se fez em tantas outras administrações anteriores que seria cansativo enumerá-las. No governo Fernando Henrique, pelo menos as funções que detinham o controle dos cofres eram preservadas. Mesmo assim, o loteamento de cargos ocorria francamente.
Nos governos do PT, de Lula e Dilma, vimos o loteamento de cargos de uma empresa ainda mais estratégica. Os diretores da Petrobras eram nomeados por partidos políticos com o único objetivo de morder, mastigar, engolir e digerir recursos públicos aliviados do público em benefício do privado. E o privado, no caso, eram os partidos que faziam as nomeações e seus dirigentes. Os políticos ganhavam de duas formas: uma parte servia para financiar eleições deles mesmos, e outra parte acabava nos bolsos de suas excelências. Uma vergonha federal. O rombo, como se sabe, foi bilionário.
No caso de Lula, houve até mesmo um estafeta petista que ganhou cargo no Palácio do Planalto apenas para manter sob controle a lista de indicações partidárias para cargos públicos. Trata-se do outrora famoso Silvinho da Land Rover, condenado no mensalão por obter vantagens indevidas. Silvinho, que mantinha Lula atualizado sobre todas as nomeações políticas, também era conhecido em Brasília por pagar as suas contas com dinheiro vivo.
Barroso, que mostrou sua estupefação com a conta que não fecha, concluiu que “a corrupção tem uma causa aritmética”. O modelo do jogo político partidário, com custos altíssimos, torna quase proibitiva a entrada de novatos. Pessoas que honesta e sinceramente querem ajudar o Brasil a sair da encrenca em que está metido não conseguem se eleger, mesmo quando encontram legenda, o que também não é fácil. O pior é que a necessária reforma política não anda. Quem tem que aprová-la são justamente as senhoras e os senhores deputados e senadores.
Ascânio Seleme é jornalista
O Globo