domingo, 4 de dezembro de 2016

Paulo Delgado: "A lista que amedronta"

O Globo

Herói é quem consegue saber o que o diferencia, mas não se coloca como um pedante da desordem, civil desinformado, parlamentar tosco, toga esnobe


A crise tirou das pessoas o arrebatamento em relação a qualquer preferência política. A lista que amedronta é a dos normais. O Tribunal Superior, moderno e disfuncional, acha que, para respeitar o diferente, precisa fazer lei diferente. A Justiça se especializa em inventar algo novo para a Justiça. Meritíssimos, se escreves para teatro, precisas conhecer um pouco de palco.

A ambição desonesta encontrou o complô ideal para parecer honesta. Herói é quem consegue saber o que o diferencia, mas não se coloca como um pedante da desordem, civil desinformado, parlamentar tosco, toga esnobe, ou o fardado inglório de sempre. Não se faz prisioneiro do poder das circunstâncias.

Se você se contentar em ser contrastante de boa-fé, pode ser o personagem de que a sociedade precisa.

Não existe mais palavra confiável. Não é sério examinar só o confronto. Há um projeto, ainda indefinido, para quem quiser vestir outra indumentária, que irrita os frequentadores assíduos do estabelecimento, respeitosamente chamado de “lugar de encontro dos titulares do poder”. São muitas igrejas ameaçadas. O métier de todos piorou.

E como o que escrevo parece imprecisão sentimental, darei ao que falei leves pistas do contexto em que diferentes destinos se parecem.

Sei que leitor algum se mantém quieto, e como não pretendo acordá-lo simplificando meu relato, sugiro que use na leitura luneta, para ampliar o que escreve um homem míope.

Vamos lá: junto com o dinheiro que boiou na Baía de Guanabara, de Foucault tirei a inspiração para desenterrar a história da ciência política. Ele viu como que em todos os tempos são trágicas as consequências da fúria da competição, do narcisismo doentio e do combate de ideias e pessoas. Então, se apaixonou pelo encanto exótico de um sistema de pensamento mágico que leu no “Empório celestial de conhecimentos benévolos”, citado em conto de Jorge Luis Borges. Ali, o genial argentino, descrevendo a limitação dos sistemas numéricos, esbarra na ambiguidade e deficiência da classificação.

Que piorou, notei, quando as folhas chegaram borradas à superfície da água: em suas páginas consta que os animais se dividem em
a) governistas estáveis;

b) de rodeio, cuja meta é apenas permanecer em cima do arreio ;

c) de farda, militar masculino que veste a ninhada de terno para se aposentar candidato a presidente;

d) amarelos, jovem diplomata fadigado de cobiça e cupidez;

e) que puxam carroça;

f) sereias;

g) desnecessários;

h) oposicionistas eventuais;

i) excluídos desta classificação;

j) iletrados, mas que fazem leis em benefício próprio;

k) todos parecidos;

l) compadre, que usa apelido para esconder o nome;

m) procurador, que revela do outro seu segredo, mas esconde que não trabalha à tarde para cuidar do filho pequeno;

n) de toga, imutavelmente honesto, circunstancialmente falso; que não empurra mala em aeroporto;

o) religioso, que não revela a verdade;

p) sanguíneo, que de longe parece doador, mas é receptor.”

É uma lista infindável de incongruências. Alucinação? Nada. Vozes da elite em ruína com todas as qualidades para pôr o país a perder.