segunda-feira, 18 de abril de 2016

Elena Landau - "Repensando o papel do Estado: de novo

Assim como foi no final da década de 80, a profunda crise fiscal deixa claro hoje que se esgotou a capacidade do governo de investir e prestar serviços de qualidade


O prejuízo de R$ 60 bilhões registrado pelas estatais no ano passado, mais as perdas de R$ 113 bilhões dos seus fundos de pensão acumuladas em apenas cinco anos, mostram que já passou a hora de voltarmos a discutir o papel do Estado na economia.

A utilização política pelo governo das empresas que controla está na raiz desse desempenho desastroso. Sua influência se verifica desde a indicação de seus diretores e conselheiros, incluindo neste grupo os executivos dos fundos de pensão, até o uso de recursos para investimentos de retorno duvidoso, tanto do ponto de vista financeiro como social. Um bom exemplo é o desperdício de centenas de bilhões de reais alocados no BNDES que foram destinados a empréstimos subsidiados e desnecessários; a “Bolsa Empresário”.

Não se pode ignorar também o populismo tarifário que impôs o controle de preços a Petrobras e Eletrobrás, gerando perdas de receitas também bilionárias, em paralelo à elevação de suas dívidas, praticamente inviabilizando as, outrora, grandes empresas de energia do país.

Uma revisão da forma de atuação do governo é urgente. Dois projetos de lei merecem atenção e indicam a possibilidade uma transformação na gestão das estatais — mais independentes e mais profissionais. O PLS 555, com relatoria do senador Tasso Jereissati, traz mudanças na governança das estatais, e o PLS 388, de autoria do senador Aécio Neves e relatoria da senadora Ana Amélia, busca profissionalizar a administração dos fundos de pensão. Ambos foram aprovados no Senado e já encaminhados à Câmara de Deputados.

É um primeiro passo, mas muito mais pode ser feito, inclusive uma análise da necessidade de manter certas empresas sob controle estatal ou até mesmo em operação. Por exemplo, muitos se perguntam o que faz a Telebras. Qual é seu papel após a privatização do sistema de telefonia? Lembro-me da promessa eleitoral de um Programa Nacional de Banda Larga a cargo da estatal. Mas não poderia esse programa ser desenvolvido de forma mais eficiente pela iniciativa privada? Sua estrutura é necessária para a prestação de serviços que ainda sejam de sua responsabilidade? Seria possível transferir suas obrigações às empresas privadas? As mesmas perguntas se aplicam a outras estatais, como a Valec, por exemplo.

Durante anos a palavra privatização ficou proibida. Até mesmo os tucanos a negaram por três eleições consecutivas, apesar de todas as evidências dos seus benefícios para os contribuintes e, principalmente, para os usuários dos serviços públicos concedidos à iniciativa privada. A inclusão social via acesso a celulares e a universalização da energia elétrica não teriam existido sem a privatização. Imaginemos, por um instante, os ganhos sobre saúde pública se o saneamento básico tivesse seguido o mesmo caminho.


Mesmo os governos petistas mantiveram a desestatização de vários setores, ainda que na sombra semântica de “concessão versus privatização”. Os resultados não foram positivos por conta de equívocos no processo: a expertise do BNDES foi abandonada e sua implementação fragmentada por vários ministérios. Além disso, a insegurança jurídica, envolvida na análise caso a caso, e o enfraquecimento das agências regulatória afastaram investidores.

A privatização pela metade, de certa forma envergonhada, cria um outro tipo de problema, como mostra o caso da Infraero, cuja presença foi imposta aos consórcios que passaram a administrar os aeroportos, mesmo quando sua incapacidade financeira para acompanhar os investimentos já era evidente.

Assim como foi no final da década de 80, a profunda crise fiscal deixa claro hoje que, além dos desperdícios causados pela influência política nas decisões das estatais, se esgotou a capacidade do governo de investir e prestar serviços de qualidade. Repensar as funções de Estado é uma velha, mas sempre atual, agenda.