Lula fala abertamente em reabilitar companheiros que pagaram o preço pelos escândalos de corrupção nos seus governos e agora é a vez da turma do Mensalão
E m julho deste ano, quando as pesquisas de opinião indicavam sua reeleição pavimentada, o presidente Lula da Silva revelou, sem muito alarde, uma nova missão: reabilitar todos os corruptos do PT presos nos escândalos do passado. O recado, naquele dia, era para João Paulo Cunha, presidente da Câmara dos Deputados logo que ele chegou ao poder em 2003.
“João Paulo, você trate de voltar para a política”, disse Lula ao microfone. “Pare de ganhar dinheiro como advogado em Brasília. Venha para a porta de fábrica fazer comício, pô”.
Apesar do tom de brincadeira, a fala é cheia de verdades: Lula sonha em reagrupar todos os petistas envolvidos no Mensalão e no Petrolão. Por que Lula está fazendo isso? Aos fatos: é comum ouvir no Congresso Nacional conversas sobre a solidão política do presidente desde que voltou à cadeira. Não tem mais amigos e a presença extremamente controladora da primeira-dama, Janja da Silva, que atende até os telefonemas e participa de reuniões, o incomoda. Desta vez, o petista tem amplo apoio da imprensa tradicional, o que não tinha no passado, governa em consórcio com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), mas perdeu o que mais gostava: a companhia das bancadas do PT e de seus auxiliares de confiança, com quem dividia churrascos aos finais de semana na Granja do Torto.
Um líder de partido do chamado Centrão narrou, reservadamente, que Lula convocou na semana passada a ministra Gleisi Hoffmann (Relações Institucionais) para se queixar do comportamento ginasial de Lindbergh Farias. Gleisi teve de agendar um encontro com o presidente da Câmara, Hugo Motta, para pedir desculpas pelo comportamento do deputado, que é seu namorado. Segundo o relato do líder do Centrão, Lula disse que, se hoje em dia tivesse ao lado os antigos “companheiros”, a crise com o Congresso Nacional já teria sido debelada.
O petista se refere à bancada do PT como frouxa e, várias vezes, prefere conversar com outros nomes, como Guilherme Boulos, do Psol, e os veteranos do MDB — principalmente as famílias Calheiros e Barbalho. Levou todos para o seu ministério. Lula cita nominalmente a portas fechadas José Dirceu, José Genoino, João Paulo Cunha, Gilberto Carvalho, Delúbio Soares e o mineiro Luiz Dulci, que redigia seus discursos.
O único amigo que não foi varrido pelos escândalos é Luiz Marinho, atualmente acomodado na pasta do Trabalho, com quem ainda troca lembranças da Vila Euclides, no ABC paulista, e dos tempos de greve nas portas de fábricas. Marinho, contudo, não é político profissional, tem perfil discreto e não gosta de Brasília. Dois fiéis escudeiros morreram: Luiz Gushiken (a quem chamava de “China”) e o advogado criminalista Márcio Thomaz Bastos, que o salvou no Mensalão.
O eterno tesoureiro Paulo Okamotto (o “Japonês”, como Lula o apelidou) fica em São Paulo e cuida do Instituto Lula. Daquele que era chamado “núcleo duro” do PT, só um nome é proibido: Antonio Palocci, odiado por causa da delação que expôs os tentáculos da roubalheira da Lava Jato — foi a delação mais difícil de ser anulada pelo STF pela quantidade de provas apresentadas.
Com certeza, Lula tem um plano de buscar a reeleição e, se tiver sucesso, encerrar seu ciclo no poder como tudo começou.
Dessa lista toda, alguns nomes estão prontos para voltar a Brasília: José Dirceu, João Paulo Cunha e Delúbio Soares concorrerão a vagas na Câmara — os dois primeiros por São Paulo, e o último em Goiás. O professor de Letras Luiz Dulci também quer voltar, reapareceu nos encontros do PT em Minas Gerais, mas a sigla tem um problema aritmético porque ele divide votos com Patrus Ananias — a legenda terá de escolher um dos dois. A família de José Genoino não quer que ele dispute mais eleições por cFato é que a ação penal do Mensalão, que leva o inesquecível número 470, cumpriu seu destino há mais de uma década, a maioria dos petistas citados foi presa, e depois todos acabaram beneficiados com o indulto assinado pela ex-presidente Dilma Rousseff.
O que veio depois? Por que Lula disse que João Paulo estava ganhando muito dinheiro em Brasília? De fato, o caso dele é curioso. João Paulo Cunha seguiu a trilha clássica dos petistas forjados na porta de fábrica, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, até ser escolhido por Lula para comandar a Câmara dos Deputados. O ano era 2003 e o PT voava com sua vitória nas urnas. João Paulo obteveausa da saúde debilitada — cardíaco, vai completar 80 anos —, e Gilberto Carvalho isolou-se no Paraná.
Fato é que a ação penal do Mensalão, que leva o inesquecível número 470, cumpriu seu destino há mais de uma década, a maioria dos petistas citados foi presa, e depois todos acabaram beneficiados com o indulto assinado pela ex-presidente Dilma Rousseff. O que veio depois? Por que Lula disse que João Paulo estava ganhando muito dinheiro em Brasília? De fato, o caso dele é curioso.
João Paulo Cunha seguiu a trilha clássica dos petistas forjados na porta de fábrica, em Osasco, na região metropolitana de São Paulo, até ser escolhido por Lula para comandar a Câmara dos Deputados. O ano era 2003 e o PT voava com sua vitória nas urnas. João Paulo obteve 434 votos na Câmara — só superado por Arthur Lira (464) e Hugo Motta (444) muitos anos depois. Foi alvejado pelo torpedo do Mensalão porque o seu caso era daqueles sem desculpas: ele mandou a mulher sacar dinheiro vivo na boca do caixa do Banco Rural. As notas saíram da engrenagem corrupta montada pelo operador, Marcos Valério de Souza, e financiaram até sua campanha para a eleição interna de presidente da Câmara.
O petista foi condenado a nove anos de prisão, mas teve a pena reduzida para seis anos com a ajuda do ministro revisor no STF, Ricardo Lewandowski, e passou só um ano no presídio da Papuda — boa parte do tempo em regime semiaberto. Foi nesse período que João Paulo finalizou o curso de Direito e depois virou advogado de grandes empresas como um meteoro.
Uma reportagem recente da revista Veja revelou que o petista atua como lobista em Brasília. Ele marcou encontros com o ministro José Múcio Monteiro, da Defesa, e o comandante do Exército, Tomás Paiva, para apresentar a eles um grupo de empresários interessados em contratos de brigadas anti-incêndios — equipamentos usados também pelo Corpo de Bombeiros.
Ele também ajudou a Iesa, do mercado de óleo e gás, em processos gigantescos com a Petrobras, que estavam travados na Controladoria-Geral da União (CGU) e no Supremo Tribunal Federal. Não é só. João Paulo Cunha virou sócio de Ophir Cavalcante, expresidente da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), num escritório que trabalha para a Previ, o fundo de previdência dos funcionários do Banco do Brasil.
A contratação ocorreu depois que Lula voltou ao
poder, sem licitação. A carteira da Previ supera R$ 200 bilhões. A frase
de Lula sobre “parar de ganhar dinheiro” não foi à toa: em Brasília,
fala-se que João Paulo ficou rico.
O que poderá ocorrer nas eleições do ano que vem ainda é uma
incógnita. Mas, com certeza, Lula tem um plano de buscar a reeleição
e, se tiver sucesso, encerrar seu ciclo no poder como tudo começou.
Sílvio Navarro - Revista Oeste