Outras campanhas publicitárias do passado recente caíram no mesmo catastrófico erro
O debate político no Brasil chegou ao chinelo. Há alguns dias não se fala de outra coisa. A campanha publicitária das sandálias Havaianas virou a grande pauta das redes sociais. Uma campanha de boicote se espalhou pelo país. Memes e imagens de sandálias da marca sendo jogadas no lixo lotaram o X/Twitter.
Segundo o site InfoMoney, a indignação deu certo, pelo menos temporariamente: “Na segunda-feira (22), as ações ALPA4 fecharam com queda de 2,39%, a R$ 11,44, enquanto ALPA3 caiu 1,66%, a R$ 10,08. Isso representou uma redução de cerca de R$ 152 milhões em valor de mercado, segundo a Elos Ayta Consultoria”. Mas na terça, 23, já estavam se recuperando da perda.
A causa para o furor, a essa altura, todos sabem. A atriz Fernanda Torres entra em cena sentada numa cadeira, dizendo: “Desculpe, mas eu não quero que você entre em 2026 com o pé direito”. E então vinha o discurso que não é nada contra a sorte, e que o seu desejo era que o espectador entrasse com os dois pés etc.
Os ícones do Brasil brilham pelo mundo, mas gostoso mesmo é estar aqui de havaianas. Todo mundo usa. Todo mundo ama. #ParaTodosVerem o vídeo mostra Fernanda Torres conversando com pessoas na praia, ela usa um par de havaianas Brasil Logo na cor azul. View all 3,075 comments Add a comment...
A peça logo foi considerada um desastre. E não era obra de amador. Ela foi criada pela agência Galeria, a terceira maior do Brasil, com sede em São Paulo. A Galeria atende megaclientes como o McDonald’s, a Natura, a Vivo e, especialmente, o Banco Itaú. A agência já colocou como astros de suas propagandas o ator Owen Wilson, o campeão da Fórmula 1 Lewis Hamilton e o tenista Rafael Nadal.
A Alpargatas, que fabrica as sandálias, é controlada pelas holdings Itausa e Cambuhy desde 2017. O Banco Itaú vai patrocinar um especial de fim de ano com mãe e filha, Fernanda Montenegro e Fernanda Torres. 5
E Fernanda Torres foi chamada para estrelar a campanha da Alpargatas. Ela, que já havia feito o filme Ainda Estou Aqui, dirigido por Walter Salles, herdeiro do Banco Itaú.
Esse círculo de interesses conectados gera para seus membros uma quantidade de dinheiro que nós, meros compradores de sandálias, não podemos imaginar.
Quanto à propaganda em si: publicidade de sandálias costumava mostrar gente na praia, ou provando que as tiras não se soltam, ou a variedade de padrões. O grande gênio criativo que criou essa peça optou por colocar a atriz fazendo um monótono comício com uma óbvia mensagem subliminar: “Direita em 2026, não”.
Se a mensagem não era tão clara, a escolha da atriz não deixou dúvidas. Uma semana antes do lançamento da campanha, Fernanda Torres estava num palco do Rio de Janeiro para defender uma das causas mais insensíveis, cruéis e desumanas da história do Brasil: a “Sem Anistia” para os presos do 8 de janeiro.
Bolhas nos pés
É uma campanha suicida da Havaianas, então? A lógica seria unir o país inteiro para comprar a sandália, e não dividir por meio de um texto tosco. Unir para vender é o sentido da publicidade. Então, por que a agência Galeria aprontou essa? E, ainda mais incompreensível: por que os donos da empresa Alpargatas aprovaram essa ideia?
A diretora de criação Lizzie Capello deu a seguinte explicação na sua conta do Instagram: “As Havaianas e tantas outras marcas estão dando tiro no pé por causa das bolhas. Vivemos num ecossistema onde algoritmos nos entregam quase que exclusivamente mais do que a gente já curte, mais do que já pensamos, mais do que já concordamos. Isso cria uma ilusão superperigosa: a de que todo mundo pensa igual à gente. E não pensa. Nunca pensou. E nunca vai pensar.
Agências são contratadas para atender demandas claras de negócios. Mas, em algum ponto do caminho, elas decidem colocar crenças pessoais e posicionamentos políticos acima da estratégia da empresa”. Mas afinal, quem manda na campanha?
Segundo Lizzie, “não é o empresário”. Nem o diretor de marketing. E definitivamente não é o departamento criativo. Quem manda de verdade é o cliente. E cliente de direita em geral tem muito mais poder de escolha.
Não porque são melhores ou piores que ninguém, mas porque há muito tempo decidiram não se vitimizar. Elegeram o trabalho como um pilar da vida, expulsaram a preguiça da equação. (…) Subestimar esse público é um erro estratégico grave. Ignorar sua força de conjunto é miopia de mercado. E justamente os que mais falam de inclusão são os primeiros a excluir quem pensa diferente”.
Breve história da publicidade woke
O fenômeno da bolha não é novo. Outras campanhas publicitárias do passado recente caíram no mesmo catastrófico erro. Em 2023, a cerveja Bud Light — geralmente associada a uma cultura de “macho” nos bares e eventos esportivos — resolveu usar a “influenciadora” trans Dylan Mulvaney como “garota” propaganda. Resultado: perda de valor de US$ 5 bilhões para a proprietária da marca, a Anheuser Busch-Inbev.
O lendário carro Jaguar fez a mesma coisa este ano. Com slogans como “crie exuberantemente”, a empresa lançou uma campanha com modelos LGBTQ+ vestidos com roupas bizarras e usando penteados assustadores. Balanço da empresa: nos cinco primeiros meses deste ano, as vendas caíram 77,8% em relação ao ano passado, segundo reportagem de Carlo Cauti.
Em 2021, época em que as fintechs estavam começando a se firmar no Brasil, a co-fundadora do Nubank, Cristina Junqueira, deu uma entrevista ao programa Roda Viva, da TV Cultura. Uma jornalista militante de esquerda preparou uma armadilha perguntando sobre cotas para negros na instituição. Cristina foi honesta: disse que a empresa tinha seu sistema de cotas, mas que não poderia “nivelar por baixo” o serviço prestado ao cliente.
O inferno caiu sobre sua cabeça. A máquina de destruição de reputações transformou sua frase numa mensagem racista. Cristina foi crucificada em público. E a reação do banco foi a pior possível. De um dia para o outro, todos os modelos usados no aplicativo eram negros — numa rendição publicitária artificial que não tinha nada a ver com a realidade. Piorou: para acalmar a militância, o Nubank contratou para altos cargos os petistas Anitta (salário: pouco menos de R$ 36 milhões em cinco anos) e Emicida.
Ou a direita cria esse contraponto, ou continuaremos vendo a esquerda usando sandálias para passar recados, doutrinando as novas gerações e enriquecendo loucamente.
Também em 2021, a cerveja Heineken lançou uma campanha para que seus consumidores cortassem o consumo de carne durante um dia da semana — o Dia Sem Carne. Associações de pecuaristas reagiram em massa, criando o movimento “Churrasco Sem Heineken”. Logo, a empresa teve que abandonar a campanha. Nesse caso, mesmo quem apoia a causa (e eu sou vegetariano) tem que admitir que publicidade fala com todos os segmentos. Não é lugar para causas.
Outro caso exemplar aconteceu em 2023. A empresa Lacta resolveu fazer campanha do seu tradicional wafer coberto de chocolate Bis, criado em 1942. Entre tantos possíveis modelos para estrelar a campanha, a agência chamou o gamer/influencer/YouTuber Felipe Neto para aparecer com cara de tédio num jatinho executivo. Felipe já tinha se revelado não só um fanático admirador do lulismo, como um dos mais agressivos e grosseiros.
Como no atual caso das sandálias Havaianas, o país se dividiu. Esquerdistas fizeram campanha grátis para o Bis. Quem não gostasse de Bis era “bolsonarista”. Quem se declarava bolsonarista, comia a marca concorrente, o KitKat. Que, por uma dessas ironias da época em que vivemos, havia feito uma campanha radicalmente woke:
A lição de Antonio Gramsci
Toda essa história, que vai do Bis às sandálias Havaianas, revela uma situação que exige uma reflexão sobre o futuro imediato do Brasil. O primeiro fato, patente e óbvio, é que a esquerda tomou todos os espaços culturais do país. Todos, incluindo a produção de entretenimento, a educação e, como vimos, a publicidade. Eles aprenderam a lição do comunista italiano Antonio Gramsci: para se conquistar um país, é preciso conquistar os corações e mentes de seu povo.
É a guerra cultural. E, por enquanto, a esquerda está vencendo de goleada. Eles foram objetivos e disciplinados em criar um vasto aparelhamento que funciona de forma impiedosa e autossustentável. E que não representa a realidade de um país onde pelo menos a metade da população discorda da esquerda e não aguenta mais viver sob o lulismo.
O segundo fato é que quem não concorda com a esquerda não domina quase nada. Temos Oeste, Gazeta do Povo, Brasil Paralelo e algumas poucas ilhas de “resistência”.
E só. A direita está nessa situação porque não costuma pensar em cultura. Não é orgânica. Briga muito nas redes sociais, promove boicotes às marcas ligadas à esquerda, faz manifestações de rua. Mas não ocupa os espaços de produção cultural.
Se a direita quiser um dia virar o jogo de verdade, vai ter que repensar essa atitude. Deve entrar em campo de olho não apenas na próxima eleição ou no impeachment de juízes fora da lei. Precisa conquistar corações e mentes jogando limpo, espalhando suas ideias, produzindo arte e educação conectadas com a realidade do brasileiro comum. Ou a direita cria esse contraponto, ou continuaremos vendo a esquerda usando sandálias para passar recados, doutrinando as novas gerações e enriquecendo loucamente.
Dasgomir Marquezi - Revista Oeste