Trump sempre teve a completa noção do que representa a população americana para o comércio mundial
N um parágrafo, talvez seja possível resumir o quadro das negociações tarifárias dos Estados Unidos com o mundo inteiro. Não que não haja uma série de detalhes que mereçam uma análise mais aprofundada — o que farei logo em seguida — mas a intenção da síntese é justamente expor nua e cruamente uma realidade que estava aí para todo mundo ver. Realidade essa que parece ter sido inadvertidamente relegada a um segundo plano, o que tornou ruins, até precárias, as análises que se dividiram entre uma simplória acusação de “protecionismo norteamericano”, sem levar em conta a vida geopolítica como estava até a posse de Trump, e o paupérrimo argumento do “Trumpismo” na seara política. Os fatos não se incomodam com opiniões. Continuam fatos sem se importarem com as versões construídas para atendê-las. Então, fiquemos com os fatos, pois eles nos bastam.
O maior ativo hoje no mundo é ter público consumidor. E quem tem 340 milhões de consumidores com alto poder aquisitivo e desejo de consumo latente e crescente são os Estados Unidos da América. Ninguém, nenhum outro país, sequer chega perto dessa virtude — essencialmente americana — para o comércio global. Se, no final dos anos 1990 e início do século 21, ser a fábrica do mundo — como de fato foi ao catapultar os tigres asiáticos e, mais recentemente, transformar a China na segunda maior economia do mundo — representava poder, hoje, quem manda, dado o excesso de oferta de manufaturados de todos os preços, é quem pode e quer comprar. Não existe fábrica bemsucedida no planeta se apenas for um fenômeno de produção em escala, qualidade e capaz de garantir oferta rápida e acessível. É preciso vender. E para vender é necessário ter compradores, demanda. E os principais compradores — de tudo! — estão no país de Donald Trump. Pronto, isso explica o título deste artigo e as razões de o mundo, voluntária ou forçadamente, “ajudá-lo” no projeto MAGA, o “Make America Great Again”
Trump sempre teve a completa noção do que representa a população americana para o comércio. É um negociador nato, dos bons — desnecessário aqui descrever sua trajetória profissional de enorme sucesso. Jamais desperdiçaria uma oportunidade de ter na manga uma carta desse tamanho num jogo internacional em que não existem bonzinhos, em que todo mundo entra para ganhar. Necessário, portanto, compreender que a carta, neste momento, está com o atual mandatário da Casa Branca.
Adicione o cenário geopolítico particular, o cansaço com a deletéria, maçante e declinante agenda woke e um mundo pedindo socorro, dado o avanço do terrorismo e de certa proeminência da China — que é sempre uma ameaça à indústria de qualquer lugar — e a figura do “laranjão” se torna um desejo oculto ou confesso de muitas nações.
E justamente por ser o cara que jamais abriria mão de entrar nessa briga porque tem poder para tanto. Não por acaso, temos o mundo aceitando sentar-se com Washington e cedendo bastante para não ser vítima de tarifas alfandegárias que inviabilizariam a exportação para o maior mercado consumidor do mundo. E antes que eu conclua esse artigo, trarei o caso do Brasil, potência alimentar que se tornou prioridade para Trump.
O Brasil tem excedentes que garantem a segurança alimentar do planeta. Perder o Brasil como um lugar democrático e seguro não é permitido dentro da doutrina americana. Não como um dependente dos EUA, mas parceiro na manutenção da paz. Antes, no entanto, vamos falar dos grandões do mundo dos manufaturados que inundam as lojas e sites de compra americanos. A começar da Europa, altamente protecionista, que cedeu para não perder mercado e proteção.
Há trinta anos, a Europa acumula superávits seguidos contra os Estados Unidos. Só para nos debruçarmos em apenas um número, no ano de 2023, que antecedeu a campanha eleitoral americana do ano passado e serviu de mote para denunciar o desequilíbrio, o comércio com o bloco chegou a € 851 bilhões. Na conta final, superávit europeu de € 157 bilhões. Trump preferiu chamar isso de déficit americano e decidiu cobrar não só a diferença na balança comercial como a inequívoca dependência militar da Europa.
Se líderes europeus aproveitaram a situação favorável de vender mais do que compravam e tinham todas as frotas americanas de prontidão para garantir a efetividade da OTAN, a conta chegou. E coube a Ursula von der Leyen, presidente da Comissão Europeia, aceitar uma imposição de 15% para os produtos europeus com destino à América. Melhor que os 30% de antes. Ainda se comprometeram a gastar US$ 750 bilhões do setor de energia e investir US$ 600 bilhões nos Estados Unidos, muito disso na indústria militar. No sentido contrário, os carros americanos viram a alíquota europeia cair de 10% para 2,5%.
Sobre outros produtos, para zero. Gerou gritaria na parte mais radical da esquerda. Mas os adultos na sala falaram mais alto ao ponderarem o avanço da China, na economia europeia, e da Rússia, na segurança do continente.
Com o Japão, que também conta com a proteção militar dos EUA, outro acordo vantajoso para os americanos. Os japoneses ganharam uma redução de impostos de 25% para 15%. Em contrapartida, comprometeram-se a investir US$ 550 bilhões na América, além de abrir seu mercado a produtos agrícolas e automotivos americanos, mesmo com o aço e o alumínio japonês excluídos, por ora, das negociações. Trump comemorou dizendo que o acordo com o Japão “pode ser o maior da história” e criará centenas de milhares de empregos.
Fora da comunidade europeia, o Reino Unido fez o primeiro acordo tarifário do segundo mandato de Donald Trump. Com o anúncio feito ainda em 8 de maio, a alíquota básica sobre produtos britânicos ficou em 10%, com componentes e produtos aeroespaciais britânicos isentos, desde que dentro de uma cota de exportações. Em troca, a taxação da Grã-Bretanha sobre bens americanos caiu de 5,1% para cerca de 1,8%, além de acordos para redução da burocracia aduaneira.
O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, fala à imprensa na Cúpula do Brics no Rio de Janeiro, Brasil, em 7 de julho de 2025 | Foto: Ricardo Moraes/Reuters
A Coreia do Sul comprometeu-se a criar um fundo de US$ 350 bilhões com os EUA. Desses, US$ 150 bilhões foram destinados à construção naval, gerando empregos para americanos. Em contrapartida, viu a tarifa cair de 25% para 15%. Houve ainda acordos fechados com Indonésia, Filipinas, Vietnã e Paquistão. Bastante adiantados e prováveis, Argentina e Chile. Ganharam mais prazo o México e, sobretudo, a China.
O Canadá, ao dizer que reconheceria o Estado da Palestina, trouxe um ingrediente a mais que gerou um dificultador. O mesmo com a Índia, dada a relação com a Rússia e o esforço americano para encerrar o conflito na Ucrânia, depois da invasão russa. Independentemente do estágio da costura de um acordo, todos esses países estão na mesa negociando com a Casa Branca.
Assim que foi anunciado o tarifaço americano, países e suas diplomacias profissionais apressaram-se na abertura de um canal de negociação. Diferenças e entraves que apareceram ao longo do caminho foram automaticamente colocados sobre a mesa e a rediscussão começou imediatamente. O Brasil de Lula preferiu fazer o contrário. Tomou para si o protagonismo da desdolarização e do Brics — não como grupo de comércio e de junção de interesses comuns, mas de mera afronta ideológica aos americanos em contextos de geopolítica que afastam o país dos valores ocidentais e dos próprios valores de sua população. Inocente e pretensioso, viu logo Rússia e Índia se distanciarem da proposta de abandonar o dólar como moeda global. Ao se associar ao Irã e demonstrar simpatia a grupos terroristas como o Hamas, Lula retirou o Brasil do clubão privilegiado da tarifa de 10% e colocou o país na mira de 50% de sobretaxa. Pior: com acusações de graves abusos aos direitos humanos. E, como nunca na história deste país, viu um ministro da sua mais alta corte ser sancionado com a aplicação da Lei Magnitsky. O ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal, parceiro do consórcio que atropelou a Constituição e fez do Brasil uma anomalia institucional longe de suas tradições democráticas, está hoje na mesma lista de sancionados que inclui ditadores, genocidas e criminosos internacionais — a escória do mundo.
O caso brasileiro, que ganhou uma série de comunicados da Casa Branca que expõem o desvirtuamento do país com graves violações dos direitos civis e garantias individuais de sua própria Constituição, tem um particular. Tudo isso aconteceu sem que antes o país tivesse aberto uma conversa de alto nível, visto que destruiu a própria diplomacia e sua história conciliadora.
Não ajudaria muito na acusação de violar direitos humanos, mas preservaria alguma conversa para proteger os produtos brasileiros e quem trabalha e produz. Se na confirmação da sobretaxa de 50%, feita nesta semana, houve exceção para quase 700 produtos made in Brazil, foi por mera concessão americana, não pelo trabalho inexistente dos negociadores do governo brasileiro.
As sanções tarifárias e contra um juiz brasileiro pretendem mudar o comportamento errático e temerário de Brasília. Se não, a mensagem do secretário de Estado, Marco Rubio, deixou claro que ou o governo Lula e o STF se dedicam a trazer o país de volta à normalidade democrática institucional, respeitando sua própria Constituição e os direitos humanos, ou mais sanções virão.
A aplicação da Lei Magnitsky contra Alexandre de Moraes foi comemorada. Isso mostra o que e como pensam os brasileiros que já não suportam mais o estado de exceção e insegurança jurídica instalado no país. Os Estados Unidos de Donald Trump estão de volta ao comando de negociações e acordos internacionais.
As tarifas foram meio e fim de uma promessa de campanha que devolve o protagonismo geopolítico a Washington, ameaçado pelo pífio governo democrata de Joe Biden, que permitiu o avanço da influência de Pequim no mundo e do belicismo russo na Europa. Estar na proa dos movimentos da política internacional é algo de que a política de Estado da Casa Branca não abre mão desde a Segunda Guerra Mundial.
Internamente, permite calibrar a qualquer momento a intensidade das sobretaxas de importação, até para controlar os efeitos nos índices econômicos. Uma leve pressão inflacionária de 0,3%, registrada em junho, pode incomodar. Mas o crescimento de 3% da economia americana no trimestre encerrado em junho, depois de um recuo de 0,5% nos três primeiros meses do ano, com aumento do consumo das famílias, é um sinal de confiança. Ficar fora desse mercado não parece ser bom negócio para ninguém. Por isso, países com presidentes e primeirosministros sensatos negociaram ou ainda negociam com a Casa Branca.
Os fatos recomendam.
Adalberto Piotto - Revista Oeste