sexta-feira, 11 de julho de 2025

O espelho partido: Trump, tarifas e o custo do consórcio, por Flávio Gordon

 O que está em jogo é o lugar do Brasil no mundo: se como nação livre e soberana, ou como apêndice útil de regimes que transformaram seus povos em reféns




“Não há tirania mais cruel do que aquela que é perpetrada sob o escudo da lei e em nome da justiça.” (Montesquieu, O Espírito das Leis)


A história, ao contrário do que pensam os jornalistas “profissionais” amigos do poder, não se escreve com manchetes chapa-branca. Escreve-se, quando muito, com ironias. E poucas são mais saborosas do que aquela servida na quarta-feira, 9, pelo presidente americano Donald Trump ao regime brasileiro. Ao impor uma tarifa de 50% sobre as exportações do Brasil para os Estados Unidos, Trump não apenas retaliou economicamente um país que, outrora considerado parceiro estratégico, resolveu se alinhar a uma confraria de ditaduras totalitárias e antiamericanas. Ele fez mais: entregou, com a crueza típica dos atos políticos significativos, um espelhinho à elite botocuda que hoje governa o Brasil. Um espelhinho cheio de manchas, rachado, e que reflete não a imagem apolínea da República democrática idealizada, mas a fisionomia dionisíaca, ébria e disforme, de um típico regime de exceção. 

A medida não veio sozinha. Acompanhou-a uma carta, endereçada pessoalmente ao descondenado em chefe, em que o presidente americano, sem rodeios diplomáticos, acusou o governo brasileiro e o Supremo Tribunal Federal de promoverem censura, perseguição política, manipulação do sistema judicial e desrespeito à ordem democrática. Foi um desses raros momentos em que a retórica política abandona a hipocrisia usual e se torna uma denúncia moral. O melhor de tudo: apesar de político, Trump só precisou falar a verdade. 

Do lado de cá, o reflexo foi previsível. Em sua pose habitual de monarca tropical — mezzo Getúlio, mezzo Chávez —, o marido de Janja convocou uma reunião de emergência. Sempre integrante do governo, só que agora de toga, o comunista Flávio Dino, apreciador de pantomimas, não teve coragem de mencionar Trump, limitando-se à retórica vazia da defesa da “soberania nacional” (como se fora possível um sujeito ser, ao mesmo tempo, comunista e patriota). Também Gleisi Hoffmann, sempre fiel ao script da indignação terceirizada, acusou Trump de investir contra a nossa soberania (uma “soberania” que consiste em orquestrar Petrolões, Aposentões e permanecer impune). Sim, os integrantes do regime PT-STF ousaram defender a mesma soberania que, até ontem, era alegremente hipotecada a Washington, desde que sob os auspícios de Joe Biden — e que, há tempos, é oferecida de joelhos a Pequim, Teerã e Moscou.


Presidente Lula da Silva | Foto: Marcello Camargo/Agência Brasil


Falar em soberania nacional no Brasil lulopetista é como ouvir um discurso sobre abstinência pronunciado por Calígula. Trata-se de um conceito mobilizado não por convicção, mas por conveniência. A soberania, neste caso, é uma fronteira sem princípio. Ela se contrai diante dos aliados e se expande diante dos adversários. Não é uma doutrina, é uma ferramenta. E, como toda ferramenta de regimes ideológicos, serve apenas à preservação do poder. 

Durante as eleições de 2022, o lulopetismo beneficiou-se abertamente de interferências externas que, em qualquer outro contexto, teriam causado escândalo. O Departamento de Estado americano atuou discretamente, mas de forma assertiva, apoiando a narrativa de que havia uma ameaça golpista pairando sobre o Brasil. ONGs internacionais, plataformas digitais e grupos de “verificação de fatos” foram mobilizados para conter o dito “avanço autoritário” do então presidente Jair Bolsonaro. Sob o comando unipessoal de Alexandre de Moraes, o STF e o TSE operaram como um verdadeiro partido-corte. 

Como já diagnosticado por alguns dos últimos comentaristas independentes do país, o STF tornou-se o novo Poder Moderador. Mas não no sentido constitucional do termo, e sim no seu avesso absolutista: moderador não por frear os excessos dos outros Poderes, mas por absorvê-los todos em si. O Congresso é hoje uma casa subalterna, cujos membros se equilibram entre a omissão covarde e a bajulação estratégica. E o Executivo… bom, o Executivo é apenas o braço orçamentário do que se convencionou chamar, com propriedade, de consórcio STF-PT.


Alexandre de Moraes, durante sessão plenária do STF (14/5/2025) | Foto: Fellipe Sampaio/STF

Trump, ao denunciar essa configuração de poder, rompeu um dos pactos mais silenciosos da diplomacia moderna: o de fingir que países formalmente democráticos ainda o são, mesmo quando os fatos apontam o contrário. E o fez como se deve fazer quando o teatro das boas maneiras se esgota: diretamente, sem eufemismos, e com a autoridade de quem conhece, em carne própria, o funcionamento das engrenagens persecutórias do sistema judicial aparelhado.

É claro que não faltaram “especialistas” para classificar a carta de Trump como “interferência indevida”. Mas esses mesmos não moveram uma vírgula de indignação quando o descondenado, em seus primeiros meses de governo, dedicou-se a visitar e louvar ditadores — de Maduro a Xi Jinping, passando por Ortega e por figuras menores do panteão totalitário. Tampouco reclamaram quando o PT entregou a Petrobras a Evo Morales ou deu a onerosa Abreu e Lima de “presente” a Hugo Chávez. 

Nenhum editorial foi escrito, nenhuma moção parlamentar foi apresentada, nenhum juiz de primeira instância sugeriu inquérito. 

A crítica à “interferência externa” só vale quando parte da direita. Quando é a esquerda que se ajoelha diante de potências autocráticas, trata-se de pragmatismo diplomático. E, se é o senil Joe Biden quem oferece sua mão tutelar, então se trata de “cooperação republicana”. A hipocrisia, no Brasil, já não é mais um desvio: é uma função institucional. Mas o que Trump fez, ainda que alguns prefiram reduzi-lo a um ato impulsivo, carrega um peso geopolítico inegável. 

O Brasil está pagando, em prestações visíveis, o preço de ter trocado o Ocidente liberal pela aliança promíscua com o eixo autoritário. Pequim, Teerã, Moscou, Pyongyang, Manágua e Caracas: essas são as novas luzes-guia da política externa brasileira. E, como toda escolha tem um custo, o país agora sente os efeitos colaterais de sua nova posição no tabuleiro internacional. 


Donald Trump, presidente dos Estados Unidos | Foto: Reprodução/Flick


A tarifa de 50% sobre os produtos brasileiros — sobretudo agrícolas e industriais — não é apenas uma represália econômica. É um recado civilizacional. O Brasil já não é visto como parceiro confiável, mas como satélite ideológico. Não é visto como aliado político, mas como um país em processo de decomposição institucional, onde o Judiciário faz política, o Executivo faz propaganda e o Legislativo faz silêncio.


A consequência econômica será devastadora, sobretudo para o agronegócio, que há anos sustenta a balança comercial brasileira. Mas o problema vai além dos números. O que está em jogo é o lugar do Brasil no mundo: se como nação livre e soberana, ou como apêndice útil de regimes que transformaram seus povos em reféns. O alerta de Trump não é apenas para os próceres do regime brasileiro. É para todos os que, dentro do Brasil, chancelaram, por ação ou omissão, a ditadura socialista ora vigente.

Curiosamente — ou nem tanto —, a reação mais nervosa à carta de Trump partiu justamente daqueles que, até ontem, vangloriavam-se de sua diplomacia “respeitada internacionalmente”. A súbita perda de compostura revela que o regime sabe, ainda que não o confesse, que sua aparência democrática é frágil. 

E que sua narrativa internacional só resiste enquanto não for confrontada por um ator de peso. É o que distingue Trump de tantos outros líderes ocidentais: ele não participa do jogo da simulação civilizada. 

Ele aponta, denuncia, age. E o faz não por capricho, mas por princípio. Porque, goste-se ou não de sua retórica, Trump compreende que o valor central da ordem democrática reside na liberdade — de expressão, de organização, de oposição. E que, onde a liberdade é suprimida por tribunais politizados, já não há democracia, mas apenas a sua fantasia. A tragédia brasileira, portanto, é menos econômica do que simbólica. 

A tarifa de 50% é o castigo pelo desprezo à liberdade. 

É o aviso de que o mundo livre não aceitará passivamente a erosão das instituições em nome de um projeto autoritário travestido de civilização. E é, sobretudo, o espelho partido que nos devolve a imagem do que nos tornamos: uma democracia sem povo, uma soberania sem nação, uma República da coisa privada. Trump apenas segurou o espelho. 

E nele se viu, sem retoques, o retrato fiel do Brasil sob o consórcio. Um país em que a diplomacia virou antiamericanismo, a cadeira do tribunal virou trono, e o povo virou réu. 

Flávio Gordon - Revista Oeste