sexta-feira, 7 de março de 2025

Adalberto Piotto - 'A América voltou. Recomenda-se negociar'

Com a estratégia política de impor tarifas que mexem com a economia interna dos países, Trump obriga todos a se sentarem à mesa e conversar


O presidente americano Donald Trump discursa em uma sessão conjunta do Congresso, em Washington, D.C. (4/3/2025) | Foto: Win McNamee/Reuters

O histórico ex-presidente americano John Adams costumava dizer que “os fatos são coisas teimosas”. A lição é bem simples. Não adianta ignorá-los porque não se gosta deles. Eles — e Trump pelos próximos quatro anos — continuarão onde estão. Daí que esse mundo atônito poderia começar levando a sério o primeiro discurso do atual presidente no Congresso, feito na última terça-feira, 4 — Carnaval no Brasil, mas não em Washington, D.C. 

Durante uma hora e 40 minutos, o presidente Donald Trump citou casos de jovens americanas vítimas da violência de imigrantes ilegais, solidarizou-se publicamente com suas famílias enlutadas, homenageou policiais de fronteira e mostrou que o combate à imigração ilegal não terá trégua. Foi um discurso para — e com — cidadãos reais de um presidente que não se afasta da realidade. E nada como exemplos para tornar uma política pública visível. 

Ao rememorar as descobertas de dias atrás de fraudes no Seguro Social, que encontraram 1,3 milhão de pessoas com idade entre 150 e 159 anos, e até um segurado que teria 360 anos, entre vários casos, Trump deu forma ao seu trabalho de saneamento da administração herdada dos democratas. 

Ao falar da USAID, a agência de ajuda exterior que financiava projetos no mínimo controversos, mas alguns completamente escandalosos, deu mais números: US$ 22 bilhões do Departamento de Saúde e Serviços Humanos dos EUA para fornecer moradia e carros gratuitos para estrangeiros ilegais; US$ 45 milhões para bolsas de estudo de diversidade, equidade e inclusão na Birmânia; outros US$ 40 milhões para melhorar a inclusão social e econômica de migrantes sedentários; mais US$ 60 milhões para o empoderamento de povos indígenas e afro-caribenhos na América Central; e US$ 8 milhões para tornar camundongos transgêneros. Num país que elege até o xerife da cidade, quantos americanos aprovariam tais gastos? 


Durante seu discurso no Congresso dos EUA na noite desta terça-feira, 4, o presidente Donald Trump destacou o trabalho feito pelo Departamento de Eficiência Governamental (DOGE), com o qual garantiu que o desperdício de recursos dos contribuintes dos EUA fosse exposto. Nessa parte de seu discurso, ele se referiu ao fechamento de entidades estatais que contribuíram para esse desperdício, incluindo a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional (USAID). "US$ 40 milhões para melhorar a inclusão de imigrantes sedentários, ninguém sabe o que é isso...", o que provocou risos no Congresso, e depois continuou com a lista:  

"Oito milhões de dólares para promover programas LGBTQI+ na África, algo que nunca se tinha ouvido falar... 60 milhões de dólares para os povos indígenas e para o empoderamento afro-colombiano na América Central". Outros desperdícios citados por Trump incluem: US$ 1,9 bilhão para um comitê de descarbonização de casas; US$ 1,5 milhão para um programa de confiança dos eleitores na Libéria; Um contrato de consultoria de US$ 3,5 milhões para monitoramento de peixes luxuosos; US$ 14 milhões para "coesão social" no Maui; US$ 59 milhões para quartos em hotel de luxo para imigrantes em Nova York; US$ 42 milhões para mudança social e de comportamento em Uganda; US$ 47 milhões para melhorar os resultados de aprendizagem na Ásia; US$ 101 milhões para contratos DEI no Departamento de Educação. View all 69 comments Add a comment... 

Não há eleitor que não se sensibilize com medidas de moralidade, e essa é a conexão estabelecida que analistas de política e economia e diplomatas ideologizados parecem não levar em conta em suas precipitadas e preconceituosas análises sobre o novo presidente americano. Os efeitos positivos da esmagadora vitória do republicano, em novembro, serão longevos, porque o trabalho de recuperação da máquina pública ainda trará muitos escândalos e economia ao contribuinte. A devolução do país a todos os americanos, sequestrado que estava pelo movimento woke e por organizações multilaterais ineficientes, é algo que vai ficar em evidência por muito tempo, assim como o cansaço com os democratas e suas políticas de costumes. Donald Trump prometeu na campanha ser o antídoto a tudo isso e recuperar a terra dos livres e lar dos bravos, como diz o hino nacional americano. Ganhou a eleição e manteve o discurso. Em menos de dois meses de administração, já entregou resultados concretos. Não por acaso, tem uma das popularidades mais altas para presidentes em segundo mandato, e seu discurso no Congresso foi aprovado por 75% da população. 

Em qualquer governo, política e economia precisam convergir. E, em cada momento, um estará mais em evidência que o outro. E o momento agora é o da política. E Donald Trump sabe disso ao usar a alta aceitação popular para buscar condições mais favoráveis na economia. A política de reciprocidade tarifária de exportações e importações, ousada e até agressiva em muitos aspectos, é isso. Tanto que em um trecho do discurso ele aponta os dedos para o mundo inteiro, reclamando por tratamento justo: “Em média, a União Europeia, a China, o Brasil, a Índia, o México e o Canadá (você já ouviu falar deles?) e inúmeras outras nações nos cobram taxas tremendamente mais altas do que nós cobramos deles. É muito injusto. A Índia nos cobra taxas sobre automóveis superiores a 100%. A taxa média da China sobre nossos produtos é o dobro da que cobramos deles. E a taxa média da Coreia do Sul é quatro vezes maior.” 

Não tenha dúvida de que o presidente americano e seu secretário do Tesouro, Scott Bessent, sabem que, no curto prazo, protecionismo e aumento de alíquotas podem gerar pressão inflacionária. Isso tem o poder de interferir na cadeia de suprimentos das próprias fábricas americanas. Em um país que reprovou a gestão democrata de Biden justamente pelo custo de vida em alta, o remédio não pode virar veneno. Mas, a se levar em conta o estilo Trump, a imposição de tarifas tem tudo para ser passageira na maioria dos casos, como já fez na suspensão até abril das tarifas sobre México e Canadá. E o próprio anúncio, feito com muita antecedência, deu condições para muita reposição de estoque. Num único ato de “reciprocidade de alíquotas”, Trump ganhou tempo interno para mitigar uma alta de preços forte e provocou pressão externa nos parceiros mundo afora que já gerou conversas bilaterais. Não é uma tacada de amador, convenhamos. E, nessa estratégia de impor tarifas que mexem com a economia interna dos países, ele obriga todos a se sentarem à mesa com ele, que é quando cada interesse americano com cada país será discutido individualmente. Longe e se beneficiando de tarifas vantajosas em um mercado do tamanho dos Estados Unidos, que país iria à Casa Branca para conversar? 

Mundo real 1: ninguém quer abrir mão do alto poder aquisitivo do mercado consumidor americano para seus produtos. Por isso, negociar para garantir pelo menos parte de seu fluxo de exportações é inevitável.

Mundo real 2: numa negociação aberta, um negociador como Trump não sai de mãos vazias. A presidente mexicana já disse que aumentou o controle das fronteiras. Qual cenário é melhor para dizer ao seu eleitor que a América está de volta e, mesmo que demore, será grande novamente?


Imagem publicada por Milei em suas redes sociais | Foto: Reprodução/TwitterX 

Trump não tem nenhum problema em anunciar tarifas, recuar e renegociar tudo novamente. Fará isso quantas vezes for necessário, desde que todo mundo esteja por perto. 

Anos atrás, Hussein Kalout, professor e pesquisador brasileiro na Universidade Harvard, que também foi secretário de Assuntos Estratégicos no governo de Michel Temer, defendeu a tese de que uma verdadeira potência global precisava ter pelo menos cinco requisitos. Ser uma potência diplomática, uma potência econômica, uma potência militar, uma potência educacional e de ciência e tecnologia e, também, uma potência alimentar. E os Estados Unidos são a única nação do mundo que atende a todos esses requisitos, como também são uma potência energética com o bônus de ser a maior referência dos valores ocidentais de democracia e liberdade. De alguma forma, Trump torna isso tudo exponencial.

A retomada do controle do Canal do Panamá de um grupo chinês, liderada pelo fundo de investimentos americano BlackRock, é um caso de pressão diplomática, dissuasão militar e poderio econômico dos EUA. 

Foi o mesmo com Zelensky e com os europeus sobre a Ucrânia. Além do que, Putin, o presidente russo, só fala com Trump. Ou seja, não tem acaso nessa resiliente supremacia americana. A Rússia só consegue ser de fato uma potência militar com vastas reservas de petróleo. Muito aquém dos tempos da guerra fria. A China emergente é economicamente uma potência, com crescimento tecnológico e militar incrível, mas seu regime autoritário jamais conseguiria se impor diplomaticamente, com a desvantagem de ser dependente de alimentos. Os europeus vivem de divisão e, sem os EUA, não têm Otan. 

Por fim, na América Latina, o Brasil, embora seja uma das dez maiores economias do planeta, se resume a uma potência alimentar que faz inveja ao mundo inteiro, inclusive aos americanos, pela competência de seu agronegócio tecnológico, produtivo e eficiente que alimenta 1 bilhão de pessoas. É um soft power gigantesco, mas estamos em outro clube. Até porque o país perdeu seu outro valor, a diplomacia de mediação e agregação do Itamaraty, por escolhas erradas e movidas a ideologias ultrapassadas do governo Lula. Na presente guerra de tarifas, tem a chance de demonstrar um pouco de sobriedade porque tem saldo deficitário em relação aos Estados Unidos. No entanto, a questão comercial é o menor de nossos problemas. A Casa Branca e o Congresso americano miram o governo Lula e o STF por desrespeito à democracia e aos direitos humanos, à liberdade de expressão e por perseguição a opositores e a empresas americanas. Nesse caso, não vai sair barato.


Canal do Panamá | Foto: divulgação 

Revista Oeste