Desculpe, Ash, tarde demais
Ativista de esquerda Ash Sarkar - Foto: Reprodução/YouTube
A Teen Vogue ficou encantada. Até hoje você encontra socialistas empoderadas em Homerton usando brincos com os dizeres “literally a communist” (“literalmente uma comunista”). Eles custam 25 libras. O comunismo de Sarkar tinha menos a ver com as classes trabalhadoras desafiando o sistema e mais com a classe média irritando o papai.
Mas, para mim, existe um clipe de Sarkar muito mais revelador, de dois anos antes. Foi em julho de 2016, duas semanas depois da votação do Brexit. Sarkar e seus amigos jornalistas da Novara Media fizeram um de seus safáris de classe em Barking, leste de Londres. E perguntaram aos brancos da classe trabalhadora por que tinham votado pela saída da União Europeia. Sarkar então encontrou um rapaz de apenas 17 anos vestindo uma camisa do time inglês West Ham. Ele está nervoso, pouco articulado e se enrola na resposta. O garoto diz que tem muita gente vindo para cá e “roubando nossos empregos”, mas também que “eles não estão trabalhando”. Sarkar olha diretamente para a câmera, para a plateia de falsos radicais abastados da Novara, e arqueia uma sobrancelha. E lá estava a expressão que viria a definir o que hoje é chamado de esquerdismo: o olhar cético do escárnio burguês.
A esquerda adorou o espetáculo. Seus colegas woke da publicação britânica Joe convidaram seus leitores de coque no cabelo a “se deleitar” com o rapaz fazendo papel de bobo. Vejam só. Esse triste episódio registrou a verdade e a crueldade da política identitária, a maneira como ela se tornou um meio para os esquerdistas de boa formação zombarem dos “brancos” que estão mais embaixo na escala social. Aliás, a Novara intitulou sua corajosa expedição ao coração sombrio de Barking como “The unbearable whiteness of Brexit” (“A insuportável branquitude do Brexit”). Uma comunidade destituída de seu status, de seu brilho e de sua história, reduzida às suas características raciais: esse foi o veneno do identitarismo.
Então imagine minha surpresa quando soube que Ash Sarkar agora acha que a política identitária é um pouco duvidosa. Ela está promovendo seu novo livro, Minority Rule: Adventures in the Culture War. Pelo jeito, ela acha que “o woke está morto” e que a esquerda está “se destruindo” com uma política que se resume a “eu, meu, experiência subjetiva, experiência vivida”. Sarkar diz que a esquerda enlouqueceu com o identitarismo e “em nenhum momento alguém disse: ‘Calma lá’”. Não? Nós dissemos, sim. Todos nós dissemos “Calma lá”. E fomos chamados de preconceituosos, transfóbicos e racistas por fazermos isso. Ash pode escrever um livro se quiser, mas não pode reescrever a história.
‘Não seja um babaca’
Ver a equipe da Novara Media criticando a política identitária é um pouco como ver a Shell lamentando a poluição — essas pessoas bombardeiam o eleitorado com esse lixo corrosivo há mais de dez anos. Foram a vanguarda do woke, alimentando os jovens da classe média britânica, que têm tempo de sobra, com uma dieta constante de bobagens sobre raça, supremacia estrutural e violência quanto à identidade de gênero. Veja, se você acha que vamos ouvir um sermão sobre a loucura da política identitária de uma publicação da mídia que acredita que é um “ato psicologicamente dominante” se referir a uma pessoa que tem pênis como “ele”, você deve estar louco.
A Novara está totalmente obcecada com a “branquitude”. Além de reclamarem da “insuportável branquitude do Brexit” — uma ótima maneira de apagar as minorias étnicas que votaram pela saída da UE —, eles se manifestaram sobre a verdade “tautológica” do “privilégio branco” e a “formação discursiva da branquitude”. Frases de efeito. Que vão levar as pessoas às barricadas. E deram conselhos arrogantes para as “pessoas brancas” sobre como serem menos racistas. “Não seja um babaca” foi uma das dicas de Sarkar. O mesmo vale para você. “A branquitude [é] um composto”, ela explicou certa vez. Não se trata de um “processo único de racialização contra uma outra raça única e tangível”, mas de “muitos processos diferentes de racialização”. Eu criticaria se soubesse o que isso significa.
Os jornalistas da Novara criticam “a questão estrutural” da “supremacia branca” no Reino Unido. Sinto muito, mas qualquer um que ache que a Grã-Bretanha é uma nação supremacista branca precisa ser internado, e não escrever colunas em uma revista on-line. Eles reclamam que a “elite governante” da Grã-Bretanha é “desproporcionalmente branca”. Talvez isso se deva ao fato de 82% das pessoas na Inglaterra e no País de Gales serem brancas? É só um chute. E ficaram empolgados quando o rolo compressor da deprimente política racial dos Estados Unidos — Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) — invadiu o Reino Unido. “O que os brancos devem fazer agora”, aconselharam. Não parar na rua se virem uma equipe de filmagem da Novara Media seria minha primeira dica.
Puberdade agora é fascismo
Depois, temos a loucura do gênero. A equipe da Novara tem sido uma tropa de choque do delírio pós-verdade da ideologia trans. Eles ficam nervosos com o “ciscurso” sobre as questões trans. Adoro o fato de terem juntado duas palavras que nenhuma pessoa normal usa (“cis” e “discurso”), expondo com clareza a arrogância acadêmica por trás desse cosplay marxiano. Ash defende a rígida etiqueta eduardiana da linguagem trans. “‘Cis’ é apenas um prefixo usado para descrever pessoas que se identificam com o mesmo gênero de seu nascimento”, ela explicou certa vez sobre o termo “mulher cis”. Não é, não. É uma calúnia misógina que transforma as mulheres em um subconjunto de seu próprio sexo.
Novara apoia as crianças “em transição”. “A transição é boa para adolescentes trans”, declarou uma manchete. Quando a Grã-Bretanha finalmente caiu em si sobre a insanidade de bombardear crianças confusas, muitas delas gays ou autistas, com bloqueadores de puberdade que têm graves consequências para a fertilidade e a saúde mental, a Novara enlouqueceu. Negar esses medicamentos às crianças é a prova de que estamos vivendo um “pânico moral transfóbico em rápida escalada” e um “fascismo em ascensão”, eles afirmaram.
Sim, deixar as crianças passarem pela puberdade agora é fascismo. A Novara Media está totalmente tomada pela política “queer”. Ela publica vídeos perguntando: “O que é homonacionalismo?”. Como se alguém se importasse com isso. E discute “a violência como o estado normativo da vida queer”. É mesmo? E assim por diante. A doutrina vazia de “interseccionalidade” da Novara destrói qualquer possibilidade de solidariedade de classe ou até mesmo de bom senso.
Até hoje, Sarkar parece estar mais preocupada com o impacto do woke em sua preciosa esquerda. “Como a esquerda está SE DESTRUINDO!” foi o título da entrevista que o podcast The News Agents fez com Sarkar no mês passado. Estou muito mais preocupado com as vidas que o woke destruiu.
Woke: um modismo para a esquerda classe média
Sejamos claros. Mulheres foram estupradas por causa do woke, por causa da política desvairada de colocar homens (“mulheres trans”) em prisões femininas. Será que Sarkar ainda defende essa política? Certa vez, ela chamou Julie Bindel de “intolerante antitrans” por se opor ao encarceramento de “mulheres trans” em prisões femininas. Jovens homossexuais foram mutiladas por causa do woke, por causa da nova histeria que diz que remover os seios de uma lésbica magicamente a transforma em um homem. Nada sugere que a Novara tenha mudado de opinião sobre esse elemento tão letal da loucura identitária.
O poder da classe trabalhadora foi ainda mais enfraquecido por causa do woke. Ele já estava em um estado deplorável depois dos anos 1980 e 1990. Mas, agora, aqueles que diziam que classe é mais importante do que raça, e que os trabalhadores de todas as origens deveriam se unir contra as elites que os odeiam, estavam sendo tachados de “reducionistas de classe” e até mesmo de racistas. Essa sempre foi a ironia desses novos marxistas: eles se apresentavam como radicais, mas tanto sua política neoliberal de identitarismo quanto sua hesitação com o “blá-blá-blá” da classe trabalhadora os fazem parecer completamente thatcherianos. Querem até que as minas de carvão sejam fechadas, como ela fez.
Esse é o verdadeiro saldo do woke. Talvez tenha sido apenas um modismo para a esquerda de classe média, que pode ser descartado agora. Talvez para as elites liberais tenha sido apenas um meio de acumular virtudes. Mas para os demais — mulheres, jovens homossexuais, trabalhadores — foi uma ideologia venenosa que afetou suas vidas, seus meios de subsistência e seus corpos da maneira mais terrível. Se você foi um entusiasta dessa política, não basta apenas dizer “Ops”. Sinto muito, Ash, esse tipo de mea culpa não basta e chegou tarde demais.
Brendan O’Neill é repórter-chefe de política da Spiked e apresentador do podcast da Spiked, The Brendan O’Neill Show. Assine o podcast aqui. Seu novo livro, After the Pogrom: 7 October, Israel and the Crisis of Civilisation, foi lançado em 2024. Brendan está no Instagram: @burntoakboy
Revista Oeste