Não era crível esperar que presidente avalizasse redução expressiva de despesas, mas o governo se superou ao anunciar isenção maior de Imposto de Renda
Aguardado com ansiedade por um mês, o pacote fiscal anunciado pelo governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) decepcionou. É o que afirma o jornal O Estado de S. Paulo em editorial desta sexta-feira, 29. Mas o resultado não surpreendeu o jornal. “Não era crível esperar que [Luiz Inácio] Lula da Silva daria aval a um corte de gastos expressivo para reequilibrar as contas públicas depois do desempenho pífio de seu partido nas eleições municipais e a menos de dois anos da disputa presidencial”, afirma o Estadão.
Desta vez, no entanto, o governo realmente se superou. Quando as primeiras notícias sobre as medidas do plano começaram a circular, o pronunciamento do ministro Fernando Haddad em cadeia nacional de rádio e TV na noite de quarta-feira, 27, confirmou a isenção do Imposto de Renda para quem recebe até R$ 5 mil mensais. + Leia mais notícias de Imprensa em Oeste Qualquer medida que o ministro anunciasse depois disso não teria a menor relevância, afirma o jornal.
Afinal, um pacote de economia de despesas cuja principal medida reduz a arrecadação do governo em R$ 35 bilhões não poderia ser levado a sério. E foi exatamente o que aconteceu. Antes mesmo do pronunciamento, o dólar, até então cotado a R$ 5,83, rompeu a barreira dos R$ 5,90 e encerrou o dia a R$ 5,91. No início da tarde do dia seguinte, logo depois do anúncio das outras medidas, a moeda norte-americana alcançou a marca de R$ 6, o maior valor nominal desde o início do Plano Real, mas fechou em R$ 5,9895.
Os juros futuros, por sua vez, chegaram a 14% para alguns vencimentos de 2026 e 2027, enquanto o Ibovespa fechou em forte queda de 2,40%, aos 124.610,41 pontos. Para o Estadão, se a ideia era implodir o pacote, o governo conseguiu o que desejava. Porta-voz extraoficial de Lula, a presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann, demonstrou sua incompreensão ao cobrar, por meio de suas redes sociais, que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, interviesse no câmbio para conter a “especulação desenfreada”.
“A questão é que não se tratava de especulação, mas uma reação à quebra das expectativas alimentadas pela própria equipe econômica de Lula entre o primeiro e o segundo turnos das eleições municipais”, avalia o jornal. Leia também: “Receosos com governo Lula, investidores ignoram leilão de títulos públicos” “Quem acreditou no discurso dos ministros Haddad e Simone Tebet de que havia chegado a hora de enfrentar os gastos públicos com seriedade teve de desmontar suas posições para não perder mais dinheiro no futuro”, acrescenta o texto.
Taxar em até 10% quem ganha mais de R$ 50 mil pode até mobilizar apoiadores, mas certamente não salvará a arrecadação. Já a isenção do Imposto de Renda (IR) para quem ganha até R$ 5 mil mensais injetará novos recursos na economia, dando impulso a uma inflação que se aproxima perigosamente dos 5% no acumulado de 12 meses, algo que o Banco Central não poderá ignorar. Interesses políticos de Lula falam mais alto.
A Folha de S.Paulo concorda. Para o veículo, em vez de indicar alguma disposição, mesmo que modesta e dissimulada, para o controle de despesas públicas, o conjunto de medidas escancarou que os interesses eleitoreiros do presidente estão acima de qualquer preocupação com a sustentabilidade da política econômica. Leia também: “Lula sanciona Cadastro Nacional de Pedófilos e Predadores Sexuais com veto”
“O Congresso apreciará a mudança do IR”, avalia o jornal. “É notório que os parlamentares são mais ágeis em conceder isenções do que em cobrar mais impostos. O governo não foi capaz ainda de explicar como ficará a nova tabela do tributo, sem o que é impossível estimar a perda de receita.” Como se não bastasse, o próprio pacote de contenção do aumento de gastos parece frágil.
Promete-se para os próximos seis anos uma economia de fantasiosos R$ 327 bilhões até 2030, mas o mandato de Lula vai se encerrar dentro de dois, em 2026. “Não estão claros os cálculos do efeito das propostas”, diz a publicação. “Por meritórias que sejam as tentativas de combater fraudes e desvios em benefícios sociais com recadastramento e pentes-finos, além de mudanças em subsídios e em gastos com cultura, nada disso significa ajuste estrutural, e os resultados não são líquidos e certos.”
Na visão da Folha, Lula criou para si um problema mesmo antes de tomar posse, em 2022, ao negociar um aumento de gastos para o qual não havia previsão de receita. Em seguida, aprovou-se uma regra fiscal com uma falha congênita: a elevação das despesas obrigatórias acima do ritmo da despesa total tornaria inviável o plano de equilíbrio orçamentário. O objetivo do pacote deveria ser ao menos atenuar preocupações de desarranjo fiscal maior até 2026. “O governo, porém, criou nova rodada de dúvidas e descrédito, que se materializa na disparada do dólar e dos juros, que prejudicará sobretudo a maioria pobre e remediada”, conclui o jornal.
Revista Oeste