sexta-feira, 1 de novembro de 2024

Adalberto Piotto: 'O governo do nunca'

Simone Tebet, ministra do Planejamento e Orçamento, e Fernando Haddad, ministro da Fazenda, em evento no Palácio do Planalto, em Brasília (30/10/2024) | Foto: Fabio Rodrigues-Pozzebom/Agência Brasil

Não há ainda um prazo para o anúncio do pacote de corte de gastos — apenas a marca da indecisão e, sobretudo, da ausência de credibilidade  

Quando o governo de Lula 3 vai finalmente tomar posse para administrar o país? É uma pergunta necessária, porque a lógica administrativa requer competência e ações para equilibrar receitas e despesas já, sempre. É assim no poder público, nas empresas e na vida de cada um. Aqui ou em qualquer lugar do mundo.

Na semana passada, nesta coluna, fiz uma afirmação no título: “O governo do depois”. Tratava-se apenas de uma constatação acerca da enorme quantidade de decisões importantes que o atual governo federal adia sem limites e que têm colocado o país em compasso de espera, ignorando o fato inequívoco de que a realidade não é condescendente com a procrastinação. O governo pode demorar para decidir, mas a deterioração do cenário econômico não espera, acontece. Como aconteceu de novo depois da mais recente decisão não tomada. Volto novamente ao caso específico. Ainda na semana passada, depois de quase um ano e dez meses desde a posse, a equipe econômica ainda apostava no “depois”. 

Chegou a prometer que, logo depois do segundo turno, haveria o anúncio de um pacote de corte de gastos estruturais, que se pretendia ousado, dada a situação fiscal gravíssima que este governo trouxe ao país, fruto de seu perdularismo patológico.

E o que aconteceu logo na segunda-feira, pós-eleições? Nada. Na terça-feira, um movimento de avanço zero com uma declaração. E ruim! Depois de se reunir com Lula (o chefe), o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (o subalterno), sem esboçar um mínimo sinal de preocupação com as coisas, adotou um tom blasé na conversa com os repórteres que o esperavam do lado de fora. E disse que não havia ainda uma data para o anúncio do tal pacote. Foi desastroso, como era de se esperar. O dólar fechou o dia em R$ 5,76, no seu maior valor desde 19 de maio de 2020, em plena pandemia. A Bolsa caiu num movimento claro de perda de confiança. Neste cenário, vale acrescentar que o fluxo na B3 está negativo no acumulado do ano em torno de R$ 30,7 bilhões. É investidor que tirou seu dinheiro do mercado brasileiro e que ainda não voltou. 

Tem de tudo entre as razões domésticas dessa debandada: Selic em alta, insegurança jurídica e, sim, a desordem fiscal do governo que pode levar o país ao buraco a que Dilma já nos levou. Ou seja, nenhuma reação é por acaso e muito menos de graça. Na verdade, custa caro ao país. O “governo do depois” que se transforma a passos largos no “governo do nunca” carece de demonstrar mínimos sinais de que compreende o momento e, pior, que teria soluções e gente competente do lado de dentro para resolver os problemas que ele próprio causa. 

Lula, o presidente, é anacrônico, perdulário na essência e vive sob o mantra de que, se chamar todo gasto de investimento, a contabilidade muda o sinal de negativo para positivo. Não muda. E demonstra estar completamente desconectado do Brasil real. Tanto que continua gastando e dando os piores sinais de prática administrativa, como nos caros sofás comprados a pedido de uma deslumbrada primeira-dama, nas viagens ao exterior com cara de turismo ou na vaidade da vez: a compra de um novo avião presidencial, sem que exista a menor necessidade disso. Mas ele quer e mandou comprar.

De Fernando Haddad, o ministro, mesmo com formação em economia e prática administrativa bem aquém dos dois últimos antecessores, é difícil dizer que não compreenda a gravidade da situação fiscal do país. É, na verdade, um dos poucos com alguma consciência. Mas ele mesmo endossou o devaneio do fura-teto de R$ 200 bilhões ainda na transição, tem feito vistas grossas ao inchaço da máquina pública, é o personagem maior da sanha arrecadatória do governo — o que lhe rendeu memes tragicômicos — e, dado o momento a que chegamos, o pior: não parece ter nenhuma ascendência sobre Lula. 

Aliás, não raro o presidente faz discurso em sentido contrário diante da mínima tentativa de austeridade anunciada pela Fazenda. Só uma suposta pretensão desatinada de ser o candidato de Lula em 2026 poderia explicar comportamento tão vago e inoperante do ministro. Isso nos leva à ministra do Planejamento, Simone Tebet. Uns 15 dias atrás, Tebet disse textualmente que chegara a hora de “levar a sério o corte de gastos estruturais”. 

Quase dois anos de mandato de Lula com a mesma equipe econômica, rombos fiscais sucessivos há pelo menos 15 meses, mais de R$ 1 trilhão adicionados à dívida bruta, e agora é que chegou a hora da seriedade fiscal? Ufa! E pensar que herdaram o país com superávit fiscal superior a R$ 54 bilhões do governo de Jair Bolsonaro, que teve o ministro Paulo Guedes à frente da pasta da Economia, e que juntos enfrentaram uma pandemia sem precedentes e os efeitos da guerra na Ucrânia na economia global. No momento, nada disso importuna o atual governo.

Fato é que, depois da repercussão negativa da terça-feira, do anúncio de que não havia ainda um prazo para anunciar um pacote de corte de gastos, tampouco o valor do corte, mais reuniões aconteceram. E mesmo os anúncios que vieram depois chegam com a marca da indecisão e, sobretudo, da ausência de credibilidade. Será que esse governo vai mesmo levar a sério a responsabilidade fiscal, as contas do país, reduzir o tamanho da máquina pública e fazer uma gestão eficiente? Com essa mesma gente que está aí? 

Quando comecei minha vida de repórter e na cobertura política, havia uma frase jocosa atribuída ao PT, ainda um partido de oposição. Dizia a piada que, depois das longuíssimas reuniões da direção do partido, a única decisão anunciada era a data da próxima reunião. 

O partido da decisão nenhuma comanda hoje o governo do nunca.  


Adalberto Piotto, Revista Oeste