sábado, 19 de outubro de 2024

Depois de se reunir com Lula, Enel contratou conselheiro sem experiência e próximo de Alexandre Silveira

Eduardo Martins foi vice-presidente da empresa que construiu condomínio em reduto eleitoral do ministro de Minas e Energia que, na época, trabalhou por licenças e autorizações junto ao então governador tucano Aécio Neves 


Reprodução

O atual presidente do conselho de administração da Enel, Eduardo Martins, foi contratado pela empresa de energia elétrica depois de uma reunião da companhia com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e encontros com o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. Segundo reportagem do jornal O Globo, as reuniões ocorreram no Brasil e na Itália, onde fica a matriz global da concessionária. Martins não tem experiência no setor elétrico ou em conselhos de administração. 

O executivo afirma que encaminhou um currículo à Enel na espera de alguma oportunidade na área de gestão. Sua experiência, contudo, teria feito com que a empresa decidisse contratá-lo para presidir o conselho. “Eu os procurei e a princípio imaginava que poderia contribuir na gestão. Apresentei meu currículo e gostaram muito. Mas, para uma pessoa da minha idade (74 anos), entenderam que precisava ser no conselho”, disse o executivo ao O Globo. Silveira nega amizade: “Não indiquei ninguém” 

Em 10 de julho deste ano, Martins assumiu o posto no conselho da empresa que comanda as distribuidoras da Enel em três estados brasileiros. Ou seja, menos de um mês depois das reuniões do governo com os italianos que são donos da companhia. Silveira nega qualquer interferência e diz que Martins não é seu amigo. “Nunca frequentou a minha casa, mas o conheço bem. É um dos um dos maiores engenheiros do Brasil, com currículo espetacular”, afirmou o ministro ao jornal carioca, reiterando: “Não indiquei ninguém”.

Ministro ajudou Martins em obras em MG De acordo com a reportagem, Martins foi vice-presidente de uma construtora que ergueu um grande condomínio residencial dentro de um reduto eleitoral do ministro, na região do Vale do Aço, em Minas Gerais. Silveira começou a articular a viabilização do complexo em 2008, na gestão do governador Aécio Neves (PSDB). Era ele quem ajudava a obter licenças e autorizações. 

Na época, a imprensa dizia que Silveira articulou para que a empresa Egesa, da qual Eduardo Martins era vice-presidente, assumisse a obra. Em decorrência do recente apagão na Grande São Paulo, Silveira tem sido duro nas críticas contra a Enel. Além disso, exige que a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) instaure processo administrativo contra a concessionária. Silveira muda tom com a Enel Contudo, a atual postura do ministro chama atenção pelo contraste de suas atitudes em comparação há alguns meses. Em 15 junho, Silveira e Lula se reuniram com o CEO global da companhia, Flávio Cattaneo, durante o encontro dos países do G7. 

Na época, o presidente brasileiro saiu do encontro dizendo que o Brasil estava disposto a renovar a concessão da Enel, que vence em 2028. Com a recente crise em São Paulo, o cenário agora é outro. Para especialistas, houve influência Segundo fontes ouvidas pelo jornal, a contratação foi motivada pela ligação de Martins com Silveira. A Enel Brasil não comenta. Apenas diz que Martins “tem experiência comprovada no setor de infraestrutura”. O próprio conselheiro reconhece, contudo, que não tem experiência no setor elétrico e nem de participação em conselhos – o da Enel é o primeiro na sua carreira.

Delatores denunciaram executivo O empreendimento que teria unido Silveira e Martins não deu certo e o atual conselheiro da Enel carrega no currículo algumas acusações. Numa delação de funcionários da Camargo Corrêa, Martins faria parte de um cartel de obras de ferrovias em Minas Gerais. Em 2016, o empresário apareceu numa delação do doleiro Alberto Youssef. Segundo ele, informa o jornal, Martins e o então deputado José Janene (morto em 2010) negociavam propina de R$ 360 mil em troca de contratos na Petrobras.  


Fábio Boueri, Revista Oeste