Lula & JBS
T alvez por saber quem foi, é e sempre será, Joesley Batista pareceu não entender direito por que o haviam incluído — ao lado de gente como o presidente do Supremo Tribunal no reduzido grupo de homenageados “por relevantes serviços prestados ao Brasil”. Mas o principal patrocinador do II Fórum Esfera Internacional, promovido em Roma, precisou de cinco segundos para aproximar-se dos dois microfones, caprichar na pose de quem achava aquilo tudo muito merecido e torturar a retórica: “Eu, como empresário, eu tô me sentindo aqui representando todos os empresários aqui”, gabou-se. Já sorridente, voltou-se para João Camargo, presidente-executivo do Conselho da CNN e organizador do encontro:
“Porque você conseguiu chamar a nata dos empreiteiros, pessoas que de verdade, João, pessoas muito admiráveis, viu? Parabéns aí e sintam todos recebendo eu em nome de todos os empresários brasileiros”. O discurso do cacique da holding J&F confirmou que é possível tornar-se bilionário com um repertório vocabular menor que o de uma criança estudiosa.
Essa espécie de piquenique internacional, outra criatura dos governos do PT, costuma seguir a receita aperfeiçoada pelo Lide, que detinha o monopólio nessa área até o aparecimento de um concorrente bem mais afinado com o governo Lula. Sem pagar um tostão, figurões alojados no Planalto se misturam num feriadão de elite com empresários em ascensão na planície e ansiosos por gastar fortunas para estreitar relações com quem manda. Numa quinta-feira, todos decolam na primeira classe rumo ao hotel de luxo de alguma capital europeia. Palestras e debates ocupam a sexta-feira e o sábado, quando os trabalhos se encerram.
Mas o convite inclui a diária do domingo. O que se diz nos painéis raramente importa. Muito mais relevantes são as conversas em voz baixa na mesa para dois do restaurante perto do hotel, ou trocas de sussurros nas salas vedadas a jornalistas. O evento em Roma tentou seguir a mesma fórmula. Por falta de compostura e excesso de indiscrição, ficou com cara de festim indecoroso.
A programação original garantia que o tema principal seria “os 150 anos de imigração italiana no Brasil” e incluiu entre os debatedores várias autoridades do país anfitrião. Apareceu no hotel apenas o ministro da Agricultura, à beira da demissão. Como só se falou português, ficou ainda mais difícil entender por que o encontro não ocorreu no Brasil. Sem olhares estrangeiros por perto, a turma dispensou camuflagens. Camila Camargo, CEO do grupo Esfera, resumiu na fala de abertura a diretriz do encontro.
“Estamos aqui para falar bem do Brasil”, avisou a filha de João Camargo e mulher de Bruno Dantas, presidente do Tribunal de Contas da União. O pai sorriu 18/10/2024, 11:05 no palco. Na plateia, o marido aplaudiu. Nove em dez debatedores louvaram o próprio desempenho ou a instituição que representavam. Todos falaram bem do Brasil. A saga dos imigrantes sempre pode esperar.
Joesley Batista tinha muitos motivos para sentir-se em casa. O irmão Wesley, ex-companheiro de cela nos tempos em que a corrupção foi tratada como crime, estava infiltrado num painel. Na plateia ou no palco, circulavam pelo auditório Ricardo Lewandowski, ministro da Justiça, e Dias Toffoli, que compôs com o presidente Luís Roberto Barroso a dupla de representantes do Supremo Tribunal Federal. Depois de deixar o STF, Lewandowski ampliou consideravelmente o patrimônio alojado no departamento jurídico do conglomerado que os Batista controlam. Continua à disposição do ex-chefe na Esplanada dos Ministérios.
Foi Dias Toffoli quem suspendeu em 2023 o acordo de leniência que a J&F fechara com o Ministério Público Federal para escapar da gaiola. Em novembro, os caloteiros alegaram que as investigações sobre a dupla geraram “uma situação de “inconstitucionalidade estrutural e abusiva”. Em dezembro, Toffoli suspendeu o pagamento da multa de R$ 10,8 bilhões.
Relator de cinco ações que envolvem a JBS/AS, o ministro Barroso reitera que todas as decisões que tomou foram contrárias a solicitações dos Batista. Mas os processos continuam em tramitação, e até que sejam encerrados o bom senso e normas éticas recomendam que juízes evitem o convívio com os interessados na causa.
Mais: o STF terá de remover dúvidas que pesam há tempos sobre compra de terras por estrangeiros. As decisões dos ministros influenciarão o desfecho do confronto judicial entre a holandesa Paper Excelence e, de novo, a J&F. Nesse litígio, atua em favor dos Batista a advogada Roberta Rangel, mulher de Dias Toffoli. Em 2017, a Paper adquiriu por R$ 15 bilhões a Eldorado Celulose, controlada pelos Batista. Em setembro de 2018, um ano depois de assinado o contrato e depositado o dinheiro, os irmãos mudaram de ideia.
Como o preço da celulose subira, e a venda de outras empresas do grupo abrandara o aperto financeiro, resolveram brigar na Justiça. Em 2023, num encontro com o indonésio Jackson Wijaya, dono da 18/10/2024, 11:05 A volta dos Irmãos Petralha - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-239/a-volta-dos-irmaos-petralha/ 6/12 Paper, Joesley aconselhou o oponente a esquecer o contrato, desistir de ações judiciais e recomeçar a negociação do zero. Segundo o empresário estrangeiro, o litigante compulsivo argumentou que dispunha de força política suficiente para forçar o recomeço das negociações numa folha em branco. Joesley não blefava. Com a volta de Lula à Presidência da República, a J&F ressuscitou
Depois do impeachment de Dilma Rousseff e dos desentendimentos com o sucessor Michel Temer, Joesley achara melhor sair de cena. Ele e o irmão escaparam da prisão graças à meia delação premiadíssima, inventada em parceria com o procurador-geral Rodrigo Janot. Joesley acusou Temer de chefiar uma organização criminosa, grampeou conversas telefônicas que comprometiam ministros do novo governo e não deu um pio sobre o muito que sabia das bandalheiras ocorridas nos governos do PT.
O regresso de Lula à cena do crime resgatou da semiclandestinidade o campeão do calote. Estimulado pelo amigo presidente, Joesley intensificou a litigância de má-fé: em vez de recorrer ao inesgotável estoque de chicanas que há sete anos vem retardando o desfecho do caso, pediu socorro ao mamute administrativo. Foi atendido pelo Ministério Público Federal, que solicitou a aprovação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) e do Congresso. A direção da Eldorado pediu a anulação do contrato. Joesley alegou que a Paper, para produzir celulose, teria de comprar terras — e nenhum estrangeiro pode sair por aí mutilando o mapa do Brasil, não é verdade?
O Incra já rejeitou três recursos apresentados pela Paper, reafirmou a nulidade do contrato de venda da Eldorado e acusou os negociantes gringos de celebrarem uma aquisição ilegal. Tal parecer inviabiliza a transferência das ações mesmo que a Paper ganhe a disputa na Justiça.
Aos 51 anos, o chefão da J&F não acredita na existência de gente honesta. Para Joesley, todo ser humano tem seu preço, e qualquer relutância pode ser removida com o uso do aditivo certo. É o que informa uma conversa entre ele e Ricardo Saud, então diretor institucional da J&F, ocorrida em 2017.
Enredado em bandalheiras devassadas por ramificações da Operação Lava Jato, com a língua desatada por goles a mais, Joesley desandou, sem ter desligado o gravador, em confidências que deixariam constrangido o mais ousado sócio atleta de um clube dos cafajestes. A primeira exibiu um dos seus pontos fracos: “Rapaz, eu vou comer duas véias, eu ando invocado de comer véia. Acho que vou comer duas veinhas. Acho que é fase. Velhinha meio de cinquenta. Eu tenho que comer umas de cinquentinha. Casadinha…”.
A segunda revelou que dispunha de mais 18/10/2024, 11:05 A volta dos Irmãos Petralha - Revista Oeste https://revistaoeste.com/revista/edicao-239/a-volta-dos-irmaos-petralha/ 8/12 um trunfo para convencer hesitantes com nenhum interesse por mulheres: “Eu já arrumei um viado para dar para quem precisa”, ouve-se a voz pastosa do gabola que Lula tentou transformar em “campeão nacional” com os empréstimos de pai para filho distribuídos pelo BNDES.
Joesley também acredita que nada é impossível para quem tem, no mundo dos poderosos, o que chama de “prestígio”. Essa palavra explica, por exemplo, sua inclusão na comitiva que acompanhou o ministro da Agricultura, Carlos Fávaro, na viagem à China. Porque tem prestígio com os donos de canetas que fazem o diabo, tornou-se proprietário da Âmbar, braço da J&F no setor de energia. Pelo mesmo motivo, conseguiu ser presenteado neste 3 de outubro com uma acrobacia consumada de mãos dadas pelo Executivo e pelo Judiciário.
Para desconsolo da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), uma decisão judicial obrigou o órgão regulador a aprovar em 24 horas o plano de transferência da Amazonas Energia à Âmbar. Antes disso, o governo federal havia repassado a dívida acumulada pela empresa para as contas de luz dos consumidores. Assim, os Batista adquiriram uma Amazonas saneada financeiramente por R$ 14 bilhões, em parcelas distribuídas por 15 anos.
Ao lado de Joesley e Wesley, estava em Roma o ministro das Minas e Energia, Alexandre Silveira. É ele o pai da ideia. Não se sabe em qual restaurante os três festejaram a ligeireza dos trabalhos de parto. Tampouco se sabe como foi a conversa entre o ministro Silveira e Alberto di Paolo, que ocupa na Enel o cargo de Diretor para o Resto do Mundo. Como o Brasil faz parte dessa imensa região, certamente trataram do apagão que surpreendeu São Paulo no primeiro dia do festim romano e não tem prazo para terminar. Num dos painéis, Silveira mencionou “uma possível renovação da concessão da Enel”, distribuidora italiana que também aflige o Rio de Janeiro e o Ceará.
Foi o segundo fórum da Esfera patrocinado pela J&F. O de Roma abençoou a bandidagem sem cura. No primeiro, realizado em Paris no ano passado, coube a Wesley anunciar o retorno da dupla. “Estamos otimistas com o país e com a relação do Brasil com o mundo”, afirmou no painel cujo tema parecia campanha publicitária: “Brasil, o melhor negócio do mundo”.
Wesley achou a coisa muito pertinente: “O Brasil é de novo a bola da vez”, afirmou ao som das palmas dos presentes. Ele garantiu que a J&F investiria R$ 38,5 bilhões entre 2023 e 2026, que coincide com o mandato de Lula. Em 27 de maio deste ano, os Batista se reuniram no Palácio do Planalto com o presidente amigo. Desta vez, Luiz Inácio Lula da Silva Wesley Batista Joesley Batista Luís Roberto Barroso Supremo Tribunal Federal (STF) Operação Lava Jato 2 comentários Assine ou cadastre gratuitamente para comentar não pediram ajuda: queriam ajudar, com a doação de proteína animal para o Rio Grande do Sul devastado pelas chuvas.
De lá para cá, houve mais visitas fora da agenda. O anfitrião e os visitantes não costumam fazer favores de graça. Os Irmãos Petralha estão de volta. Que se cuidem os pagadores de impostos.
Augusto Nunes e Eugênio Goussinsky, Revista Oeste