No agitado e derruído ano que se encerra (2021), algumas raias se destacam na configuração de um quadro político que caminha, passos largos, para uma desnorteada crise institucional, a culminar no emergente ano eleitoral:
- a aceleração da crise do Estado, com o esgarçamento das relações entre os Poderes constituídos (Executivo, Legislativo e Judiciário);
- a ruptura com a estabilidade constitucional e o Estado democrático de Direito promovida por quem deveria resguardá-los;
- o esfacelamento das cláusulas pétreas da Constituição (liberdades e direitos fundamentais);
- a institucionalização impunida e despótica do abuso de autoridade por parte do Supremo Tribunal Federal (com a omissão vergonhosa e subserviente do Senado Federal) – “ditadura da toga”;
- o desfaçamento e sem-vergonhice do Congresso Nacional na aprovação abusiva (e estritamente corporativa) do maior roubo já praticado contra o erário a céu aberto: os seis bilhões do Fundo Eleitoral;
-a falência desnuda dos partidos políticos, transformados (salvo raras exceções) em organizações criminosas e fim em si mesmos;
- a captura do domínio absoluto (e antidemocrático) das rédeas do processo eleitoral pelo TSE, com deflagração antecipada de um clima de desconfiança quanto à segurança e transparência das urnas eletrônicas e da gestão isenta do sistema decisório correspondente;
- a morte do jornalismo profissional (as exceções confirmam a regra);
- a exacerbação do aparelhamento ideológico dos meios de comunicação de massa e dos institutos de pesquisa;
- o controle e a censura das redes sociais;
- a partidarização das universidades, com a perda progressiva do pluralismo de ideias e do ethos acadêmico (sua própria essência);
- a derrocada definitiva do modelo de escola pública (agravada com o seu fechamento absoluto e indefensável durante a pandemia);
- o retrocesso legal e jurisprudencial no combate à corrupção e ao crime organizado (nova Lei sobre o Abuso de Autoridade, fim da Lava Jato, etc.), com aumento da impunidade e extinção e/ou redução das penas dos condenados de “colarinho branco”;
- a politização delinquente das Cortes Superiores (STF no comando), com a correspondente perda da segurança jurídica e da credibilidade da Justiça (institucionalização da injustiça);
- o uso afrontoso e aético da pandemia para fins eleitoreiros e antirrepublicanos (a demonstrar a mentalidade imoral e sórdida das elites);
- a radicalização irracional dos extremismos de “esquerda” e “direita”, com a perda do espírito de diálogo, do respeito às diferenças e do direito à divergência civilizada.
Sim, o país está em guerra!
Não uma guerra convencional, de ameaça à integridade física dos indivíduos (apesar das prisões inconstitucionais); mas um conflito, ainda que sutil, mais letal, profundo, desmantelador, que sobressalta e comina a inteireza dos espíritos (dos valores, das crenças, da dignidade humana, da civilidade).
As instituições, as estruturas mentais e organizacionais que dão suporte à ordem societária à convivência social com base em regramentos mínimos (e consentidos) de reciprocidade, parecem derreter a cada dia, com a perda de seus significados, credibilidade e de suas tradicionais e assentidas referências.
Nada tem mais sentido. Tudo o que se afigurava sólido – na ilusão de uma modernidade e de um republicanismo que não vingaram – se desmancha no ar.
E por sobre os escombros de uma “civilização” que não se completou (mais uma vez!) em solo verde-amarelo, como numa infinda desventura ornitorrínica, ergue-se, então, o descomedimento generalizado, o caos, a barbárie.
Sim, são tempos de guerra e tudo desmorona (ética e moralmente)!
Não há estadistas no cenário. Poucos Homens. Raros combatentes.
Rapidamente o caráter (como valor cultural) é substituído pela hipocrisia. Assim como a “república”, pela tirania.
Vigora, nesse campo de hostilidades e desinteligência, a farsa do “politicamente correto”; a mentira (fake News) e a impostura.
A cleptocracia estamental, em sua incontida guerra de movimento – e com a retaguarda das organizações criminosas e da rede do totalitarismo globalista –, avança a retomada absoluta do poder político, ante a pusilanimidade indisfarçável dos “defensores da pátria” – e a submissão pacífica e servil do povo brasileiro.
Onde estarão os heróis do impeachment da catástrofe?
Alex Fiúza de Mello. Professor Titular (aposentado) de Ciência Política da Universidade Federal do Pará (UFPA). Mestre em Ciência Política (UFMG) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP), com Pós-doutorado em Paris (EHESS) e em Madrid (Cátedra UNESCO/Universidade Politécnica). Reitor da UFPA (2001-2009), membro do Conselho Nacional de Educação (2004-2008) e Secretário de Ciência e Tecnologia do Estado do Pará (2011-2018).
Jornal da Cidade