terça-feira, 8 de dezembro de 2020

"Qual é o problema com essa gente?", questiona J.R. Guzzo


cármen lúcia - stf - rodrigo maia e davi alcolumbre - reeleição

Rodrigo Maia [à esq.] e Davi Alcolumbre | Foto: Reprodução/Setcesp

O Congresso Nacional só não viveu nestes últimos dias o pior momento de sua história por uma razão: os seus momentos ruins se sucedem com tanta frequência aos seus momentos horríveis que fica tecnicamente impossível, na hora da verdade, dar a medalha de ouro ao pior de todos. 

No caso, os presidentes do Senado Federal e da Câmara dos Deputados tentaram um golpezinho grosseiro e pedestre — foram pedir de joelhos que o Supremo autorizasse a ambos violar expressamente o que está escrito no artigo 57 da Constituição e, com essa licença no bolso, pudessem disputar mais uma reeleição para os seus cargos.

Não deu certo — o STF não topou. 

Pode haver desastre mais humilhante? 

O sujeito vai ao STF pedir uma vigarice — e nem o STF, esse STF que topa tudo para atender aos desejos e necessidades de seus clientes, aceita fazer o serviço. 

É como se dizia antigamente: vergonha é roubar e não poder carregar. 

O senador Davi Alcolumbre e o deputado Rodrigo Maia acabam de fazer precisamente isso.

O senador Alcolumbre ainda teve um arranco heroico de cachorro atropelado, como dizia Nelson Rodrigues, e foi um pouco mais adiante do que o deputado Maia. 

Conseguiu que o novo ministro Kássio, o querido do presidente Bolsonaro e do “Centrão”, já desse o primeiro dos muitos votos sem pé e sem cabeça que promete dar em sua carreira — declarou que o errado para um era certo para o outro e deu a Alcolumbre o direito que negou a Maia. 

Não adiantou nada, porque o senador ainda assim perdeu de 6 a 5, enquanto Maia ficou com 7 a 4 contra. 

Foi a cereja no bolo desse desastre.

A desculpa tida como “jurídica” em benefício dos chefes do Legislativo — sempre se arruma uma desculpa dessas no Supremo — ficou a cargo de você sabe quem: o ministro Gilmar Mendes. 

Num voto longuíssimo, pretensioso e irracional, ele veio com a história de que, se a Constituição permite a reeleição do presidente da República, então tinha de permitir a mesma coisa no Senado e na Câmara. 

O que o joelho tem a ver com a gravata? 

A reeleição do presidente é legal porque está escrito na Constituição que é legal. 

A reeleição de Alcolumbre e Maia é ilegal porque está escrito na Constituição que é ilegal. 

Qual é o problema com essa gente?

Mais uma vez tentaram mandar a lógica para o diabo; mas desta vez calcularam mal a munição que tinham e acabaram de cara quebrada. 

A certo momento dessa palhaçada, o governo imaginou que poderia levar na mão e na contramão: Alcolumbre, o amigo do Palácio do Planalto, seria autorizado a bater a carteira, mas Rodrigo Maia, o inimigo, seria proibido. 

Na avaliação da maior parte da mídia, ao serem apresentados os primeiros votos, era isso que iria dar. 

Mas ficou no 6 a 5 — que pode ser aquilo que se chama no futebol de derrota honrosa, mas que para efeitos práticos vale tanto quanto zero.

O Brasil e os brasileiros sempre perdem, em episódios dessa espécie. 


É bacana ganhar uma, para variar.


Publicado originalmente na ‘Gazeta do Povo’, em 7 de dezembro de 2020