O atrito entre o presidente Jair Bolsonaro e o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), foi um divisor de águas na política nacional. O bate-boca entre os dois via entrevistas à imprensa na quinta-feira, 16, mudou os rumos na relação entre o governo e o Congresso. A novidade mais significativa nesse relacionamento é uma tentativa do governo de mudar as relações de força do chamado Centrão, bloco composto por alguns dos partidos mais influentes. A ideia é simples: para arrefecer qualquer tentativa de Maia de dar seguimento a um processo de impeachment e reforçar sua base parlamentar, Bolsonaro busca uma aproximação com integrantes de partidos como PP, PSD e PL.
Oeste conversou fontes do governo federal, aliados de Bolsonaro no Congresso e lideranças do Centrão. O balanço disso é a leitura unânime de que não há mais armistício entre Maia e o Presidente e que eles estão diante de uma espécie de “guerra fria” entre Planalto e Câmara. Sem entendimento entre os dois, conflitos velados serão travados em votações na Câmara.
Na sexta-feira, 17, Bolsonaro recebeu líderes do Centrão no Planalto. Entre eles, o do PP, Arthur Lira (AL), do Republicanos, Jhonatan de Jesus (RR), e do PL, Wellington Roberto (PB). Os três estiveram com o presidente e os ministros da Casa Civil, Walter Braga Netto, e da Secretaria de Governo, Luiz Eduardo Ramos.
Além desses nomes, Bolsonaro também recebeu nesta semana o presidente nacional do PSD, Gilberto Kassab, e se encontrou na última semana com o presidente nacional do Republicanos, deputado Marcos Pereira (SP), que é deputado vice-presidente da Câmara. Outro nome que vem se aproximando de Bolsonaro é o do presidente nacional do MDB e líder do partido na Câmara, Baleia Rossi (SP).
Escanteio
A lógica do governo tem fundamento. Governistas e aliados na Câmara veem com ressalvas o flerte entre Bolsonaro e caciques do Centrão. Não agrada nem um pouco um lado ou outro, mas o pensamento adotado é calcado na linha do estrito pragmatismo político.
O objetivo, explica um interlocutor do governo, é compor com parte do Centrão para dividir o bloco e desidratar os poderes de Maia na Câmara. “Algum risco vai ter em trazer esses caras para dentro do governo, mas precisamos de munição para guerrear com o Maia. Mas se isso significar em colocar o DEM e o PSDB (em referência ao governador de São Paulo, João Doria) em escanteio, esse preço vai ser pago”, sustenta.
Para isso, o governo acena até com a destinação de alguns cargos ao PP e PSD em órgãos como a Funasa (Fundação Nacional de Saúde) e o FNDE (Fundo Nacional para o Desenvolvimento da Educação). Entretanto, diferentemente de outros tempos, essa tentativa de recomposição da Esplanada deve seguir uma lógica não fisiologista, sob a supervisão dos militares e sem qualquer tolerância à atos de corrupção. Eis aí um dos grandes gargalos para a composição com esses membros do Centrão.
Inimigo
A lógica do governo é ancorada em um antigo provérbio. “O inimigo do meu inimigo é meu amigo”. Bolsonaro, pessoalmente, não morre de amores pelos caciques do Centrão. Mas, nesta sexta-feira, 17, o presidente buscou fazer afagos a Lira. Lira é homem forte na Câmara, principalmente entre parlamentares do baixo e médio clero conforme Oeste mostrou em reportagem neste final de semana. Em votações da Câmara, qualquer voto conta. E o líder do PP tem muitos ao seu lado.
O governo vai manter a defesa de suas pautas na Câmara, mas sabe que não contará mais com a boa vontade de Maia principalmente após ter exonerado Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde. Por isso é necessário o esvaziamento do poder de Maia. Somando-se os votos do chamado “Blocão” (que reúne partidos como o PSD, PP, PL), mais outros partidos como Republicanos e o PSL, o governo poderia ter em torno de 270 votos na Câmara. Suficiente para aprovação de matérias simples e para afastar, em definitivo, qualquer fantasma sobre um eventual pedido de impeachment presidencial.
Arte da Guerra
O presidente da Câmara, porém, se movimenta cautelosamente. Conversou com líderes e outros parlamentares influentes e vai manter as conversas ao longo deste fim de semana. A ideia é saber com quem ele ainda pode contar para evitar o contra-ataque de Bolsonaro. Nesta guerra, a oposição será uma aliada de primeira hora.
O governo está ciente disso dos movimentos de Maia. E sabe que, em meio à pandemia e às perspectivas de encolhimento das receitas e da atividade econômica, não pode se dar ao luxo de sofrer derrotas na Câmara. A ideia é calcular mais do que nunca todos os movimentos com muita estratégia. A Arte da Guerra, de Sun Tzu, vai passar a ser um livro indispensável à cabeceira de Bolsonaro.
Colaborou Wilson Lima
Rodolfo Costa, Revista Oeste