A Bolsa de Valores termina 2019 com alta de 32%, graças à chegada do pequeno investidor ao mercado de ações. Esse é o melhor desempenho desde 2016 e pode ser explicado pela frustração dos brasileiros com o rendimento da renda fixa. À medida em que o juro caía, mais gente migrava recursos para ações.
O Ibovespa, o principal índice acionário do país, saiu dos 87 mil pontos do final de 2018 para 115.645 pontos desta segunda-feira (30), o último pregão de 2019. A alta de 31,6% ocorreu sem a participação de investidores estrangeiros, que deixaram o país ao longo de todo o ano. O dólar fechou o ano a R$ 4,01, alta de 3,5%, contrariando a expectativa de que poderia cair com a onda de otimismo doméstico.
A valorização da Bolsa ficou em linha com a valorização das Bolsas americanas, que subiram entre 23% (Dow Jones) e 35% (caso da Bolsa de tecnologia Nasdaq) e também renovaram recordes ao longo do ano na esteira da queda de juros.
“A alta do Ibovespa este ano ficou abaixo das expectativas iniciais, mas 30% é um patamar bom”, diz Luis Sales, analista da Guide Investimentos.
Ao longo deste ano, a taxa Selic caiu de 6,50% ao ano para 4,50%, aproximando o país do juro real zero visto em países desenvolvidos à medida que a economia brasileira mostrava dificuldade de se recuperar da recessão. A inflação do ano deve terminar ao redor de 4%, enquanto as apostas de crescimento do PIB (Produto Interno Bruto) estão na casa de 1,17%.
“O investidor doméstico teve que diversificar portfólio, enquanto o estrangeiro saiu de países emergentes com o receio de desaceleração econômica global”, diz Michael Viriato, professor de finanças do Insper.
Nem sempre foi assim. Historicamente os investidores estrangeiros são responsáveis por manter o volume de negócios na Bolsa, que registrou média diária de R$ 17 bilhões, um salto na comparação com anos anteriores. Desse montante, 45,2% foram negociados por estrangeiros.
Aos poucos, porém, o pequeno poupador começou a elevar a sua participação. Dobrou o número dos brasileiros que investem em ações, de 813 mil para 1,6 milhão (dado de novembro, o mais recente divulgado pela B3). Já a fatia nos negócios subiu para 18,1%, enquanto os investidores institucionais (empresas e fundos de investimento) corresponderam a 31,5%.
Se a marca positiva do ano é a disposição do pequeno investidor a ações, a negativa é o fluxo de saída de estrangeiros. A frustração é especialmente significativa porque havia uma aposta no aumento de aplicações com a mudança de governo e o compromisso com reformas. Prevaleceu, porém, a espera pela retomada do crescimento econômico.
Estrangeiros retiraram da Bolsa R$ 43 bilhões, montante próximo ao recorde registrado em 2008. Naquele ano, foram sacados R$ 24,6 bilhões que, corrigidos pela inflação, equivalem a R$ 44,6 bilhões.
Quando contabilizados os 5 IPOs do ano (oferta pública inicial de ações, feitas por BMG, Centauro, C&A, Neoenergia e Vivara) e 31 follow-ons (oferta adicional de ações) deste ano, a saída de estrangeiros cai para R$ 7 bilhões. A Bolsa não faz a comparação com o ano de 2008 por essa metodologia.
“Quem movimenta o mercado de capitais brasileiro é o investidor doméstico. O brasileiro foi 80% de compra dessas ofertas de ações [IPOs e follow-ons], que devem movimentar R$ 120 bilhões em 2020”, acrescenta Alexandre Pierantoni, diretor da Duff&Phelps no Brasil.
De acordo com analistas do mercado, a alta da Bolsa brasileira é explicada pelo otimismo dos investidores locais com a guinada liberal da política econômica do país e com o voto de confiança no ministro da Economia, Paulo Guedes.
A votação da reforma da Previdência, projeto mais aguardado pelo mercado financeiro neste ano levou o Ibovespa a patamares recordes à época. Além da aprovação com larga vantagem, o valor estimado de economia para o governo ficou acima do previsto para o mercado: R$ 800 bilhões em dez anos.
“Economia de R$ 800 bilhões na Previdência era algo surreal no governo Temer”, diz Sales, da Guide.
E passada a reforma da Previdência, a agência econômica travou.
“Bolsonaro atrapalhou, se não fosse por ele poderíamos ter um ano melhor. Quem ajudou foi Guedes”, afirma Sales, da Guide.
Houve ainda o momento em que Guedes foi responsável por provocar a própria turbulência no mercado: em novembro, afirmou que não estava preocupado com a alta recorde do dólar e que era bom o país se acostumar com o elevado patamar da moeda estrangeira ainda por um bom tempo. Com a fala do ministro, o dólar bateu recorde e se aproximou dos R$ 4,25. Fechou a R$ 4, em linha com as projeções ajustadas pelo mercado quando o cenário externo começou a se mostrar menos favorável.
Pesaram ao longo do ano a guerra comercial travada entre Estados Unidos e China —atualmente em negociação para um acordo— e o impacto sobre economias desenvolvidas. A crise argentina e a tensão política no Chile também se refletiram no Brasil.
Aos olhos do investidor estrangeiro, países latinos são um único pacote que inclui o Brasil e, em momentos de tensão, eles tendem a retirar recursos deste grupo. A saída de dólares do país eleva a cotação da moeda.
“Nós tivemos um ano muito difícil para emergentes, especialmente latinos. Tínhamos esperança que o governo levasse o patamar de otimismo quanto ao Brasil, mas tivemos muita discussão entre os poderes”, afirma Mauriciano Cavalcante, gerente de câmbio da Ourominas.
A queda de juros, apesar de benéfica à Bolsa, tem o efeito contrário na moeda. Com a Selic a 4,5%, a renda fixa brasileira fica menos atrativa a estrangeiros, que investem sob a estratégia de carry trade. Nela, o ganho está na diferença do câmbio e do juros, pois o investidor toma dinheiro a uma taxa de juros menor em um país, no caso, os EUA, para aplicá-lo em outro, com outra moeda, onde o juro é maior, o Brasil.
Em 2016, com a Selic a 14,25%, o diferencial entre a taxa brasileira e a americana ficou ao redor de 13,75% ao ano. Hoje, com a Selic a 4,5% e o juro americano a 1,5%, esse diferencial fica ao redor de 3%.
Já os investidores brasileiros migram da renda fixa para a renda variável, o que explica o recorde de CPFs na Bolsa. A poupança, contudo, teve captação líquida de R$ 17,4 bilhões em 2019, segundo o BC, abaixo dos R$ 38,2 bilhões captados em 2018, mas acima dos R$ 17,1 de 2017, ano em que a Selic foi de 13,75% a 7%.
“Com o juro real baixo, vamos continuar vendo uma realocação dos investimentos do brasileiro, com migração da renda fixa para fundos multimercado e Bolsa e o mercado de capitais voltou a ficar atrativo para capitalização das empresas, especialmente em um ambiente ancorado nas reformas estruturais. Fundos multimercado e fundos de ações tiveram a maior captação da história em 2019, por exemplo”, diz Pierantoni, da Duff&Phelps.
Segundo a Anbima (entidade do mercado de capitais), as ofertas de fundos imobiliários totalizaram R$ 32,5 bilhões no ano. As emissões de debêntures incentivadas também foram recordes em 2019, com R$ 27 bilhões.
Se em 2019 as projeções eram de valorização expressiva, a alta da Bolsa em 2020 deve ser mais contida. Segundo a mediana da estimativa de 10 estrategistas (economistas) consultados pela Bloomberg, o Ibovespa deve terminar 2020 a 130 mil pontos, que seria uma alta de 12%.
O período não irá contar com a força do corte de juros. Apesar de prever um corte de 0,25 ponto percentual na Selic no começo de 2020, o mercado espera que a taxa básica volte a 4,5% ao final do ano.
“A Bolsa foi bem porque a taxa de juros caiu mais que o esperado. Se o juros não tivesse caído como caiu, a Bolsa não teria subido tanto”, diz Viriato, do Insper.
Ele aponta que o desempenho da economia global no ano também favoreceu a alta do Ibovespa.
“A economia não teve uma forte desaceleração, o ano não foi tão ruim quanto se esperava. A economia seguiu desacelerando, mas ainda cresce” afirma o professor.
Segundo relatório de outubro do FMI (Fundo Monetário Internacional), o crescimento da economia global deve ser de 3% em 2019, o menor desde a crise financeira de 2008 e 2009.
“Não entramos 2020 com risco de recessão nas grandes economias, vemos estabilização e esperamos crescimento do mundo de 3,1%”, aponta Ricardo Peretti, estrategista da Santander Corretora.
AS MAIORES VALORIZAÇÕES DA BOLSA EM 2019
1.BTG Pactual (219,4%)
Por ser banco de investimento, foi favorecido pela valorização do mercado de capitais, apresentando bons resultados. Banco também lançou frente digital para concorrer com fintechs. Valorização das ações ainda foi beneficiadas por follow-on, que injetou liquidez nos papéis.
2. Qualicorp (187,5%)
A administradora de planos de saúde se recuperou da queda de 58% em 2018, com ajustes internos de governança. A companhia também é uma grande pagadora de dividendo, que se torna maior com juros baixo. A compra de 10% da companhia pela Rede D’Or, maior grupo hospitalar do Brasil, também impulsionou a valorização.
3. Via Varejo (155,8%)
O controle da varejista saiu do Grupo Pão de Açúcar e voltou para Michael Klein, que tem promovido uma reestruturação da companhia, com troca de gestores, inclusive do CEO. As mudanças se provaram benéficas quando a companhia reportou bons resultados na Black Friday.
4. NotreDame (136%)
A companhia apresentou crescimento nos planos de saúde, planos odontológicos e serviços hospitalares e lucro líquido acima do esperado do mercado, mesmo com diversas aquisições. A empresa também fez uma oferta secundária de ações, gerando mais liquidez aos papéis.
5. JBS (122,6%)
A empresa foi favorecida pela alta demanda do mercado chinês, após epidemia de gripe suína no país. A companhia também conseguiu diminuir sua dívida.
AS MAIORES DESVALORIZAÇÕES
1.Braskem (-36,6%)
Companhia, controlada pela Odebrecht, que está em recuperação judicial, se desvalorizou com a desistência de compra pelo grupo holandês LyondellBasell. Também pesaram aos afundamentos em Maceió (AL) devido às atividades de mineração da petroquímica na extração de sal-gema e resultados financeiros abaixo das expectativas do mercado, com demanda mundial por produtos petroquímicos em queda.
2. CVC (-28,4%)
A alta do dólar e a recuperação judicial da Avianca Brasil levaram a um grande aumento de custos, que levou a companhia a reportar prejuízos. O vazamento de óleo nas praias do Nordeste também impactou a venda de viagens.
3. Smiles (-10,7%)
Empresa sofreu com concorrência mais agressiva de companhias de fidelidade de bancos e de outras companhias aéreas e com conflito de governança com a Gol, sua controladora, com discussão de possível fechamento de capital. Segundo última proposta da companhia aérea, a Gol irá incorporar as ações da empresa de fidelidade.
4. Embraer (-9,1%)
Investidores aguardam conclusão da fusão com Boeing, que foi postergado para 2020. Empresa também foi impactada por uma menor demanda global por aviões e problemas da Boeing com o jato 737 MAX, proibido de voar depois que dois acidentes com ele mataram 346 pessoas.
5. Cielo (-5,2%)
Com maior competição no setor de maquininhas, empresa reduziu receita e ampliou despesas para aumentar base de clientes, o que levou a resultados financeiros que vieram abaixo do esperado pelo mercado.
Júlia Moura, Folha de São Paulo