A delação premiada de Antônio Palocci incrimina o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e revela detalhes dos crimes de corrupção e fraudes no bilionário negócio de construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, no Pará. Alvo desde 2015 de investigações na Operação Lava Jato, em Curitiba, o caso vai resultar em nova denúncia contra o ex-presidente – preso e condenado – e arrastar de vez para o escândalo a ex-presidente Dilma Rousseff, outros membros do PT e da cúpula do MDB.
Primeiro delator do núcleo político de comando do esquema de corrupção sistêmica nos governos do PT revelado pela Lava Jato, Palocci detalhou sua atuação no acerto de R$ 135 milhões em propinas em Belo Monte – equivalente a 1% do contrato de R$ 13,5 bilhões. O valor dividido de forma igualitária, 50% cada, entre o PT e o MDB. E incriminou Lula e Dilma no esquema.
Palocci afirma que Lula “se envolveu diretamente” na corrupção em Belo Monte. Segundo o delator, o ex-presidente exigiu que o amigo José Carlos Bumlai, pecuarista com livre acesso ao Planalto em seu governo, e Delfim Netto recebessem “milhões” no negócio, por terem formulado o consórcio vencedor do contrato.
“Lula informou que a formação do consórcio alternativo partira de ordem dele próprio”, relata Palocci, no Termo 05 de sua delação premiada fechada com a Polícia Federal e homologado pelo Tribunal Regional Federal da 4.ª Região (TRF-4).
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No depoimento anexado aos inquéritos da Lava Jato em Curitiba, nesta quinta-feira, 17, Palocci detalhes que Dilma sabia das arrecadações de recursos e teria entrado em atrito com Lula. “Lula insistia que deveriam ser pagos em virtude da atuação de Delfim Neto e Bumlai na formação do consórcio vencedor; Que Lula informou que Bumlai e Delfim Neto deveriam receber R$ 30 milhões pela formação do consórcio alternativo e que ainda não tinham sido pagos.”
O ex-ministro ainda cita uma suposta ruptura entre Lula e Dilma. “Que a respeito da ruptura entre Lula e Dilma, recorda-se o colaborador que, durante o crescimento da Operação Lava Jato, Dilma deu corda para o aprofundamento das investigações, uma vez que isso sufocaria e implicaria Lula; que, por sua vez, Lula, em movimento reverso, relembrava que Dilma era a presidente do Conselho de Administração da estatal na época de grande parte dos fatos apurados, lembranças estas que fazia em diversas reuniões no Instituto na presença de dezenas de pessoas; que Lula construía assim sua narrativa, dando recados diretos à Dilma”.
Com base nas afirmações de Palocci e no material apreendido em 2016 na Operação Aletheia, que teve Lula como alvo, a Polícia Federal produziu um documento que destaca dados de uma reunião realizada em 2013 em que o ex-presidente, o delator e outros pessoas estavam presentes.
No documento, diz a PF que “sustenta o criminoso colaborador que Lula tinha conhecimento do cartel de empreiteiras investigado no âmbito da Operação Lava Jato e que à época do processo de licitação e construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte, buscou uma alternativa para redução de preços”.
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“Sustenta ainda que Lula teve a ideia de criar um consórcio alternativo para concorrer com o único consórcio até então inscrito, porém que tinha plena consciência de que esse consórcio alternativo não possuía capacidade técnica de executar a obra.”
E que nas análises do material apreendido com Lula, havia “arquivo de texto em questão contém a transcrição de reunião denominada “GRUPO FUTURO”, na data de 02/09/2013”.
“Inicialmente destaca-se a crítica feita por Lula e Dilma pelo fato de que o desempenho da Petrobrás era diretamente relacionado à gestão dela enquanto Presidente do Conselho da Estatal: “Ela gerou um processo de desconfiança que é inacreditável a quantidade de empresários que são fornecedores da Petrobras e que estão quebrados. E não tem desculpa de que a Petrobras fez alguma coisa errada em qualquer momento porque a Dilma era presidente do Conselho, o Guido é presidente do Conselho, a Graça era diretora. ”
A Informação 120/2018 da PF, anexada aos inquéritos pelo delegado Filipe Hille Pace, destaca ainda as críticas feitas por Lula a Dilma. “Constam relatos do criminoso colaborador Antonio Palocci Filho declarando que Lula criticava o posicionamento de Dilma ao assumir falhas na Estatal, e que durante reuniões na presença de dezenas de pessoas, costumava declarar que a culpa era da própria Dilma pois a mesma era presidente do Conselho de Administração da Petrobrás à época.”
“Que, em meados de 2013, acirrou-se a disputa entre Lula e Dilma e, com o surgimento da Operação Lavajato, ambos começam a discutir abertamente; Que se recorda de pronunciamento de Dilma Rousseff em 2014, no Estadão, em que ela afirmou que, relativamente ao caso de Pasadena, havia ela, na condição de presidente do Conselho de Administração da Petrobrás, assinado um parecer técnica e juridicamente falho; Que aquele pronunciamento de Dilma irritou Lula, uma vez que, em outras palavras, significava que a Presidente da República assumiu a existência de crimes na Petrobrás.”
Belo Monte. A Lava Jato considera ter evidências de que governo federal atuou de forma indevida para que o leilão fosse vencido pelo Consórcio Norte Energia, que posteriormente deu origem à SPE Norte Energia S.A. “O objetivo seria manter a concessão de Belo Monte sob o seu controle indireto, por meio da participação societária predominante da Eletrobrás e suas subsidiárias”, informa o Ministério Público Federal, no autos dos processos.
Às vésperas do leilão de concessão, o governo “montou de forma improvisada o grupo investidor Consórcio Norte Energia”, liderado pela Chesf. A Lava Jato, com base nas confissões que já tinha dos empreiteiros envolvidos no negócio, sabia que “munido de informações privilegiadas da proposta” que seria apresentada pelos concorrentes, o Consórcio Belo Monte Energia, e apresentou proposta “sem embasamento em estudo de viabilidade econômica, com deságio de aproximadamente 6%” sobre a concorrente, vencendo automaticamente o certame.
“Possuindo controle indireto sobre a concessionária Norte Energia S.A., o governo federal, mediante acordo de corrupção, direcionou o contrato de construção da usina ao Consórcio Construtor Belo Monte, consórcio formado por empreiteiras que efetuariam o pagamento de propina na proporção de 1% dos valores contratuais, sendo 50% ao Partido dos Trabalhadores (PT) e 50% ao Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB)”, sustenta a Lava Jato.
Alvo da fase 49 da Operação Lava Jato em Curitiba – batizada de Buona Fortuna -, a corrupção no negócio bilionário da usina de Belo Monte terá novos capítulos em 2019, com a delação de Palocci. Além de envolver Lula e Dilma e uma área de forte influência do MDB, a de energia, o episódio é exemplo de como o próprio governo passou a interferir nas licitações à partir do conluio de agentes políticos e públicos do empreiteiras – que ganhavam, mesmo quando perdiam na formatação dos contratos.
Histórico. Prevista para custar mais de R$ 30 bilhões, Belo Monte foi o mais grandioso projeto iniciado ainda no governo Luiz Inácio Lula da Silva no setor energético. A usina foi projetada para ser a maior hidrelétrica 100% brasileira. Seu leilão foi lançado em 2009, o contrato, fechado no final de 2010 – fim da era do primeiro presidente operário.
Em 20 de abril de 2010, foi realizado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL) o Leilão n.º 06/2009, para a concessão do Aproveitamento Hidrelétrico Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará. Concorreram o Consórcio Belo Monte Energia, formado por Furnas Centrais Elétricas S/A (24,50%), Eletrosul Centrais Elétricas S/A (24,50%), Andrade Gutierrez Participações S/A (12,75%), Vale S/A (12,75%), Neoenergia S/A (12,75%) e Companhia Brasileira de Alumínio (12,75%) e o recém criado Consórcio Norte Energia.
Criado com a ajuda do ex-ministro Delfim Netto, ele foi formado pela Companhia Hidro Elétrica do São Francisco (CHESF) (49,98%), Construtora Queiroz Galvão S/A (10,02%), Gaia Energia e Participações (10,02%), J Malucelli Construtora de Obras S/A (9,98%), Cetenco Engenharia S/A (5%), Galvão Engenharia S/A (3,75%), Mendes Junior Trading Engenharia S/A (3,75%), Serveng Civilsan S/A (3,75%) e Contern Construções e Comércio Ltda (3,75%).
O Consórcio Norte Energia deu lance de R$ 77,97 por megawatt-hora (R$/MWh), contra o lance de R$ 82,90 ofertado pelo Consórcio Belo Monte Energia. O consórcio Xingu, da Odebrecht e Camargo Corrêa, havia desistido de participar do leilão, por entender não haver condições econômico-financeiras de integrar a disputa com uma tarifa-teto estipulada em edital de R$ 83,00/MWh.
Com a vitória no leilão, o consórcio formou a Sociedade de Propósito Específico (SPE) Norte Energia S.A. para receber a outorga de exploração de Belo Monte, e agregou “sócios estratégicos”, segundo o MPF. O quadro da empresa foi acrescido de: as estatais Eletronorte e Eletrobrás, os fundos de pensão Petros, Funcef e Cevix, Bolzano Participações (Previ e Iberdrola), a OAS.
A força-tarefa considera que, embora constituída como empresa privada, a Norte Energia, na prática, “de forma indireta, era controlada pelo governo Federal, haja vista a soma das participações societárias da Eletronorte (19,98%), da CHESF (15%) e da Eletrobras (15%)”.
O contrato de concessão 01/2010, do Ministério de Minas e Energia com a Norte Energia S.A. foi assinado com a União em 26 de agosto de 2010.
Subcontratação. Na sequência, a empresa subcontratou o Consórcio Construtor Belo Monte formado por dez empreiteiras, e liderado pelas três maiores empresas que inicialmente iriam disputar a obras: Andrade Gutierrez, Camargo Corrêa e Odebrecht.
A força-tarefa destaca que a concessionária vencedora do leilão recebeu “massivos aportes de empréstimos do BNDES” e contratou, para a construção da usina, outras empresas.
“Há evidências de que o governo federal, visando manter a concessão da Usina Hidrelétrica de Belo Monte sob o seu controle indireto, notadamente por meio da participação societária predominante da Eletrobrás e de suas subsidiárias, atuou de forma indevida para que o leilão fosse vencido pelo Consórcio Norte Energia, que posteriormente deu origem à SPE Norte Energia S.A.
Ricardo Brandt, Fausto Macedo e Luiz Vassallo