Há dias, a Coluna do Estadão informou que a presidência do Conselho de Ética do Senado tem sido usada como moeda de troca nas articulações políticas com vistas à eleição para o comando da Casa a partir do ano que vem, quando começa a nova legislatura. Nada de novo sob o céu de Brasília não fosse a desfaçatez inaudita dos envolvidos na transação.
Reeleito senador, Renan Calheiros (MDB-AL) pretende voltar ao comando do Senado e para isso estaria articulando o apoio da bancada do PT – com seis senadores a partir de 2019, três a menos do que a composição atual – à sua candidatura. Em troca, Renan daria ao partido a presidência de um dos órgãos mais importantes da Casa, o Conselho de Ética, responsável por analisar e processar as representações ou denúncias oferecidas contra os senadores, que podem resultar em medidas disciplinares – como advertência, censura verbal ou escrita –, em suspensão temporária do exercício do mandato e cassação.
O senador Renan Calheiros é o arquétipo da velha política, mas é seu direito tentar voltar à presidência do Senado pelo mandato que lhe foi outorgado pelo povo de Alagoas. Escárnio será receber o apoio de seus pares para a realização do intento. A desmoralização do Senado perante a sociedade, caso Renan Calheiros volte a ocupar a cadeira de presidente da Casa, atingiria um patamar inimaginável, com consequências imprevisíveis para o bom andamento dos trabalhos do Poder Legislativo.
Se a eventual eleição de Renan Calheiros para a presidência do Senado seria uma lástima por representar o triunfo da velha política – que a bem da verdade não é má porque “velha”, mas porque resume práticas condenáveis, alheias ao interesse público –, dar ao PT a presidência do Conselho de Ética da Casa equivaleria a dizer que, ao fim e ao cabo, o exercício do mandato pautado pela ética é o que menos importa para os senadores.
Não há outra conclusão possível quando o que se cogita é dar ao mesmo partido político que legou ao Brasil o mensalão e o petrolão – e disso não se arrepende –, apenas para ficar nos maiores escândalos de corrupção que engendrou, a responsabilidade de zelar pelo decoro parlamentar, condição mínima para o exercício do mandato de senador da República. Só pode ser pilhéria.
A desfaçatez é tal que, como informou a Coluna do Estadão, os petistas avaliam se devem ou não prosseguir com a barganha, mas não pelas razões corretas. Um grupo sustenta que o Conselho de Ética pode ser uma “batata quente”, mirando a poderosa primeira-secretaria do Senado, que administra os recursos financeiros da Casa.
O resultado das eleições de 2018 foi uma lufada de renovação no Senado, a maior desde o fim da ditadura militar. Das 81 cadeiras na Câmara Alta, 54 estiveram em disputa. Destas, 46 serão ocupadas por novos nomes a partir do ano que vem. É esperado que o comando do Senado traduza esse espírito, não necessariamente nas mãos de um neófito, pois o novo por si só não diz muita coisa, mas sob a liderança de um senador ou uma senadora que olhe para o Senado com as lentes do interesse público, da ética, da boa política, valores que vêm sendo clamados pela sociedade com mais vigor há pelo menos cinco anos, na esteira das manifestações de junho de 2013.
Não faltam nomes à altura dos cargos de presidente do Senado e do Conselho de Ética da Casa. Não há justificativa plausível para a escolha de pessoas ou partidos associados a tudo o que os homens de bem repudiam.
O povo brasileiro optou por olhar para o futuro, o que implica o imediato abandono de práticas e negociações que remetem ao atraso. O Senado não pode ficar alheio a esse desejo manifestado nas urnas e chancelar o absurdo representado pela presidência da Casa nas mãos de uma figura como Renan Calheiros ou por um senador do PT como bom zelador da ética de seus pares. Isso seria uma provocação desnecessária à maioria do povo brasileiro, que já disse o que pensa sobre o partido nas urnas, em 2016 e agora em 2018.