quarta-feira, 19 de dezembro de 2018

"Segundo maior item de gasto, depois da Previdência, funcionalismo também é parte da crise fiscal", editorial de O Globo

Faz sentido que a lista das reformas essenciais para o país superar a crise fiscal e sair da armadilha do baixo crescimento traga no topo das prioridades mudanças estruturais na Previdência. A conjugação de regras desatualizadas com uma dinâmica demográfica que envelhece a população de forma veloz gera rombos crescentes nas contas públicas, degradando as expectativas dos agentes econômicos diante do futuro. O resultado são baixos investimentos, menor geração de renda e a instalação de um círculo vicioso de mediocridade no sistema produtivo.

Mas não se deve menosprezar o peso da folha do funcionalismo, o segundo maior item no Orçamento da União e muito relevante também entre os demais entes federativos. Um gasto que, da mesma forma, apresenta aspectos perversos: é engessado por uma legislação que na prática garante estabilidade plena ao funcionário público e assim contribui para sua baixa produtividade em geral. O servidor tem, portanto, absoluta blindagem salarial, além de receber uma remuneração geralmente bem acima da praticada no setor privado para a mesma função.
Isso, somado a governos populistas que incharam a máquina pública, resulta no quadro mostrado ontem: o número de servidores aumentou 82% em 20 anos, e o país gasta com seus salários 10,7% do PIB, mais do que países desenvolvidos como Estados Unidos e Austrália (na faixa do 9%) e o Chile (6,4%), para citar um latino-americano também de renda média. Os dados são do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
Estabilidade no emprego e forte poder político, dentro da máquina pública, no Legislativo e perante a Justiça, tornam o funcionalismo uma casta na sociedade brasileira. De 2007 a 2016, o salário médio do servidor federal subiu de R$ 6,5 mil para 8,1 mil; o do funcionário estadual, de R$ 3,5 mil para R$ 5 mil, e do municipal passou de R$ 2 mil para R$ 3 mil. Crescimento de 34% acima da inflação.
Ou seja, um país à parte do Brasil, que, neste período, enfrentou grave crise econômica, tendo, em 2017, acumulado 14 milhões de desempregados. Nenhum deles, claro, servidor público.
Os elevados salários, também por força da inflexibilidade de uma legislação que privilegia o funcionalismo, garantem aposentadorias e pensões fora da realidade do país. Só servidores contratados a partir de 2013 é que passaram a deixar de se aposentar com o último salário e a ter direito a reajustes como se fossem funcionários ativos. A consequência de tudo isso é que a Federação está sendo sufocada pela Previdência de seu funcionalismo.
O universo do funcionalismo é mais um desafio dentro do trabalho urgente de ajuste e reforma do Estado. Há uma crucial necessidade de atualização das regras previdenciárias em geral. Mas também de uma revisão das carreiras no serviço público, em que os salários iniciais são muito elevados. É preciso trazer o servidor para a vida real do país.