Os novos presidentes do Brasil e do México são tão diferentes, e as vezes tão parecidos. Prá começar, Jair Bolsonaro e Manuel López Obrador (conhecido pelo apelido AMLO) vem de espectros políticos claramente opostos. Geografia e História os colocaram um muito longe e o outro muito perto de Donald Trump, o que ajuda a entender também as diferenças entre ambos de percepção – e aceitação – daquilo que faz o presidente americano.
Bolsonaro e AMLO começam a governar com cacifes políticos diferentes. O brasileiro terá de atuar dentro de um sistema de governo conhecido como “presidencialismo de coalizão”, que obriga o chefe do executivo a se entender de alguma maneira com o legislativo. O mexicano já assumiu na invejável posição de comandar um partido forte (que o brasileiro não tem) dono de consistente maioria no Congresso e de importante número de governos estaduais.
Ambos – Bolsonaro e AMLO – são fenômenos políticos notáveis. Na memória política recente do México nunca houve tanta concentração de poder político como a que acaba de ser conquistada pelo atual presidente. Na memória política recente do Brasil não houve uma virada política tão pronunciada como a que se registrou nas eleições de outubro.
Mas é a plena consciência que tanto AMLO como Bolsonaro exibem de sua condição de fenômenos políticos que os faz começar a agir do mesmo jeito. Bolsonaro e AMLO foram percebidos como forças políticas capazes de “mudar o sistema”. Nesse sentido, pouco importam as notórias diferenças ideológicas: a mensagem central que Bolsonaro e AMLO empregaram com êxito foi dizer que a política não será mais como antes.
Ambos estão fascinados pelo que identificam como a possibilidade de “falar diretamente” com o eleitor (ou o povo, a sociedade, o País, como se quiser). AMLO assumiu no começo do mês e já deu uma demonstração do que entende por diálogo direto. Organizou como presidente eleito uma espécie de plebiscito no qual o “voto popular” optou por encerrar um gigantesco projeto de infraestrutura, um novo aeroporto junto da Cidade do México, no qual já haviam sido enterrados 13 bilhões de dólares.
Ao ser diplomado no começo da semana, Bolsonaro soltou a frase que parece mesmo orientar boa parte de seu pensamento político (pois não foi improvisada): o poder popular não precisa mais de intermediação, à medida em que novas tecnologias permitiram uma relação direta entre o eleitor e seus representantes. É irresistível a tentação de julgar que o capital político acumulado na expressiva vitória eleitoral não só pode, mas “deve” ser transformado num instrumento de governo, por sua vez entendido como a concretização da “vontade popular” sem atravessadores.
Apenas como exercício teórico, vamos ignorar aqui os obstáculos institucionais, legais ou de coordenação política – no México como no Brasil – que inevitavelmente retardam, modificam ou mesmo impedem que se realize essa “vontade” direta, sem intermediação. Os fenômenos políticos de AMLO e Bolsonaro são em boa medida apostas contra o tempo, ou seja, eles não desfrutarão do prazo que esses mandatários gostariam de dispor para responder aos anseios de transformação, mudança e destruição do “sistema” que os levaram ao poder – fora o resto.
Não sei com que olhos AMLO e Bolsonaro enxergam um colega que os antecede por uns dois anos no posto, Mauricio Macri, da Argentina. Lembram-se? Ele também foi festejado como um fenômeno político relevante dado “el cambio” que representou ao se eleger. As reformas pretendidas por ele pararam a meio caminho. O sucesso político também. Será que Macri não foi “direto” o suficiente?
O Estado de S.Paulo