Na sua estreia na direção, Bradley
Cooper põe Lady Gaga no centro
da história, mas faz de seu próprio
personagem o objeto de estudo
do filme
Fui conferir Nasce uma Estrela tardiamente (estava em férias quando estreou) e, admito, sem pressa nenhuma: não aprecio as três versões anteriores, de 1937, 1954 e 1976, e parecia improvável que, numa quarta tentativa, algo de substantivo pudesse mudar.
Pois em quinze minutos de filme eu estava embevecida.
Estreando na direção, Bradley Cooper teve a grandeza de caráter de mostrar algo que raramente se vê no cinema: um homem se apaixonando por uma mulher sem nenhuma prevenção e sem reservas, feliz com a ideia de baixar a guarda, convicto de que nada melhor poderia lhe acontecer.
E apaixonando-se não porque ela é linda, ou cobiçada, ou universalmente irresistível, e possa por meio dessas qualidades destacar também a ele como homem.
Ally (Lady Gaga) não é – ainda – nenhuma dessas coisas, embora seja, sim, especial. E é por isso ser tão evidente para Jack Maine (Cooper) que me encantei com ele.
Por isso, porque a interpretação de Cooper é linda – a mais nuançada, pessoal e exposta, de longe, da carreira dele – e porque, como ator e como diretor, ele dá provas reiteradas de que, ao menos nesse aspecto essencial do filme, ele e seu personagem estão de pleno acordo.
Não acredito que seja coincidência ele finalmente ter colocado em prática este projeto depois de trabalhar com Clint Eastwood em Sniper Americano: Cooper mostra que aprendeu muito com Eastwood sobre dirigir, e também sobre honestidade intelectual e de espírito.
Pois em quinze minutos de filme eu estava embevecida.
Estreando na direção, Bradley Cooper teve a grandeza de caráter de mostrar algo que raramente se vê no cinema: um homem se apaixonando por uma mulher sem nenhuma prevenção e sem reservas, feliz com a ideia de baixar a guarda, convicto de que nada melhor poderia lhe acontecer.
E apaixonando-se não porque ela é linda, ou cobiçada, ou universalmente irresistível, e possa por meio dessas qualidades destacar também a ele como homem.
Ally (Lady Gaga) não é – ainda – nenhuma dessas coisas, embora seja, sim, especial. E é por isso ser tão evidente para Jack Maine (Cooper) que me encantei com ele.
Por isso, porque a interpretação de Cooper é linda – a mais nuançada, pessoal e exposta, de longe, da carreira dele – e porque, como ator e como diretor, ele dá provas reiteradas de que, ao menos nesse aspecto essencial do filme, ele e seu personagem estão de pleno acordo.
Não acredito que seja coincidência ele finalmente ter colocado em prática este projeto depois de trabalhar com Clint Eastwood em Sniper Americano: Cooper mostra que aprendeu muito com Eastwood sobre dirigir, e também sobre honestidade intelectual e de espírito.
Jack Maine é um astro do country rock mas, embora os sinais ainda não sejam evidentes, seu declínio já começou. Jack é alcoólatra desde a infância, quando seu pai o tornou seu companheiro de copo.
Agora, na meia-idade, está se afogando em bourbon e drogas; é uma pessoa tão alquebrada, tão vencida pela vida, que só com química ele consegue manter os pedaços mais ou menos colados.
Jack está, também, perdendo a audição.
Um ouvido praticamente já se foi. Mas, a despeito da insistência do irmão mais velho (Sam Elliott), seu guardião de todas as horas, ele se recusa a usar o aparelho que alivia o problema.
Jack, no fundo, está doido para se arruinar de vez.
Uma noite, à cata de bebida depois de um show, ele faz o motorista parar num bar.
É um bar de drags (“achei que estava delirando”, diz ele, divertido, a uma drag que puxa conversa), e a única mulher de nascença que tem permissão para se apresentar ali é Ally, em quem as drags reconhecem o espírito de uma diva nata.
Ally arrebenta com uma interpretação rasgada de La Vie en Rose, e Jack depõe as armas ali mesmo, na hora.
Está irremediavelmente rendido e perdidamente apaixonado – pela voz, pelo talento e pela mulher.
Agora, na meia-idade, está se afogando em bourbon e drogas; é uma pessoa tão alquebrada, tão vencida pela vida, que só com química ele consegue manter os pedaços mais ou menos colados.
Jack está, também, perdendo a audição.
Um ouvido praticamente já se foi. Mas, a despeito da insistência do irmão mais velho (Sam Elliott), seu guardião de todas as horas, ele se recusa a usar o aparelho que alivia o problema.
Jack, no fundo, está doido para se arruinar de vez.
Uma noite, à cata de bebida depois de um show, ele faz o motorista parar num bar.
É um bar de drags (“achei que estava delirando”, diz ele, divertido, a uma drag que puxa conversa), e a única mulher de nascença que tem permissão para se apresentar ali é Ally, em quem as drags reconhecem o espírito de uma diva nata.
Ally arrebenta com uma interpretação rasgada de La Vie en Rose, e Jack depõe as armas ali mesmo, na hora.
Está irremediavelmente rendido e perdidamente apaixonado – pela voz, pelo talento e pela mulher.
Na origem e em todas as três versões anteriores, Nasce uma Estrela é uma história não só de paixão, como também de inveja e de ego ferido.
O astro põe a desconhecida para se apresentar com ele e, assim, faz o mundo vê-la pelos seus próprios olhos.
Agora, ela não é mais especial só para ele: é cobiçada e irresistível para todos.
Ele não aguenta o tranco, cede aos seus demônios, faz sua própria carreira ruir, humilha-a em público, e segue-se o desfecho trágico.
Nesta versão, Cooper altera a inclinação do eixo de maneira sutil mas decisiva: não é o sucesso de Ally que fere Jack, mas o fato de que ela agora tem uma paixão maior, que vem antes dele e que se sobrepõe à intimidade deles.
Cooper arrisca um comentário de natureza artística também, mas logo sobe em cima do muro.
Eu, pessoalmente, acho as canções que ele canta sozinho e na companhia dela lindíssimas – e as canções solo dela, bem mais ou menos qualquer coisa.
Jack, o personagem, concorda comigo, e diz para Ally que, para uma intérprete e compositora de talento tão extraordinário, são constrangedores os arranjos pasteurizados e as dancinhas coreografadas a que o empresário dela a obriga.
Ally se ofende, e é de se presumir que também Lady Gaga se ofenderia se Cooper não deixasse a porta aberta para uma outra leitura, a de que Jack falou isso por despeito.
Prefiro acreditar que ele estava sendo honesto, e ponto para ele.
O astro põe a desconhecida para se apresentar com ele e, assim, faz o mundo vê-la pelos seus próprios olhos.
Agora, ela não é mais especial só para ele: é cobiçada e irresistível para todos.
Ele não aguenta o tranco, cede aos seus demônios, faz sua própria carreira ruir, humilha-a em público, e segue-se o desfecho trágico.
Nesta versão, Cooper altera a inclinação do eixo de maneira sutil mas decisiva: não é o sucesso de Ally que fere Jack, mas o fato de que ela agora tem uma paixão maior, que vem antes dele e que se sobrepõe à intimidade deles.
Cooper arrisca um comentário de natureza artística também, mas logo sobe em cima do muro.
Eu, pessoalmente, acho as canções que ele canta sozinho e na companhia dela lindíssimas – e as canções solo dela, bem mais ou menos qualquer coisa.
Jack, o personagem, concorda comigo, e diz para Ally que, para uma intérprete e compositora de talento tão extraordinário, são constrangedores os arranjos pasteurizados e as dancinhas coreografadas a que o empresário dela a obriga.
Ally se ofende, e é de se presumir que também Lady Gaga se ofenderia se Cooper não deixasse a porta aberta para uma outra leitura, a de que Jack falou isso por despeito.
Prefiro acreditar que ele estava sendo honesto, e ponto para ele.
A atuação de Lady Gaga foi elogiadíssima. De novo, eu pessoalmente acho que o talento dramático dela tem limitações – mas Cooper, tanto na função de diretor como de parceiro de cena, mostra-a sempre sob a luz mais generosa e faz o filme girar em torno dos pontos fortes dela. Isso não é condescendência nem favor; é respeito pelo trabalho dos outros e pelo seu próprio, e é fazer o melhor filme de que se é capaz.
É encantador ver Gaga sem maquiagem nem adereços e perceber que, na verdade, ela ainda é tão jovem, tão natural e tão vivaz.
É mais encantador ainda ver como ela e Cooper se afinam cantando e tocando juntos, ao vivo (acompanhados da Lukas Nelson & Promise of the Real, a banda de apoio de Neil Young), sem dublagem e completamente imersos no momento.
Como Eastwood, Cooper sabe fazer o não-planejado, o casual e até o errado parecerem parte do tecido de que a história está sendo cortada, num naturalismo que, menos do que expor as inadequações humanas, comemora-as e encontra beleza nelas.
É encantador ver Gaga sem maquiagem nem adereços e perceber que, na verdade, ela ainda é tão jovem, tão natural e tão vivaz.
É mais encantador ainda ver como ela e Cooper se afinam cantando e tocando juntos, ao vivo (acompanhados da Lukas Nelson & Promise of the Real, a banda de apoio de Neil Young), sem dublagem e completamente imersos no momento.
Como Eastwood, Cooper sabe fazer o não-planejado, o casual e até o errado parecerem parte do tecido de que a história está sendo cortada, num naturalismo que, menos do que expor as inadequações humanas, comemora-as e encontra beleza nelas.
Assistindo a Nasce uma Estrela, aliás, lembrei que, em 1995, numa sessão de As Pontes de Madison – em que Eastwood, fazendo um fotógrafo da National Geographic, se apaixona sem reservas e sem prevenção pela dona-de-casa interiorana interpretada por Meryl Streep –, um sujeito grosseirão se sentou ao meu lado reclamando do filme “de mulherzinha”.
No final, ele saiu do cinema correndo, para ninguém ver seu rosto inchado de tanto chorar.
Desta vez, um número muito maior de leitores do que de leitoras me cobrou uma resenha de Nasce uma Estrela.
Ainda que, para mim, o filme vá perdendo força à medida que Ally se transforma e Cooper tem de lidar com as armadilhas do enredo, nos primeiros 40 ou 50 minutos ele chega perto da transcendência na maneira como faz Jack responder a Ally – e acho que, pelo imprevisto da abordagem e pela vulnerabilidade de Jack, talvez os espectadores fiquem até mais tocados que as espectadoras.
Esse, enfim, é o poder da masculinidade que está em paz consigo mesma e, sobretudo, em paz – e em encantamento – com as mulheres.
No final, ele saiu do cinema correndo, para ninguém ver seu rosto inchado de tanto chorar.
Desta vez, um número muito maior de leitores do que de leitoras me cobrou uma resenha de Nasce uma Estrela.
Ainda que, para mim, o filme vá perdendo força à medida que Ally se transforma e Cooper tem de lidar com as armadilhas do enredo, nos primeiros 40 ou 50 minutos ele chega perto da transcendência na maneira como faz Jack responder a Ally – e acho que, pelo imprevisto da abordagem e pela vulnerabilidade de Jack, talvez os espectadores fiquem até mais tocados que as espectadoras.
Esse, enfim, é o poder da masculinidade que está em paz consigo mesma e, sobretudo, em paz – e em encantamento – com as mulheres.
Trailer
NASCE UMA ESTRELA (A Star Is Born) Estados Unidos, 2018 Direção: Bradley Cooper Com Lady Gaga, Bradley Cooper, Sam Elliott, Andrew Dice Clay, Rafi Gavron, Anthony Ramos, Dave Chapelle, Alec Baldwin, Ron Rifkin Distribuição: Warner |
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