segunda-feira, 5 de novembro de 2018

Para evitar polêmicas, grupo pressiona Bolsonaro a indicar logo novo chanceler

Presidente eleito Jair Bolsonaro já decidiu nomear um diplomata de carreira para o posto mas ainda não definiu quem Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo
Presidente eleito Jair Bolsonaro já decidiu nomear um diplomata de carreira para o posto mas ainda não definiu quem Foto: Cléber Júnior / Agência O Globo


Em uma semana, o presidente eleito Jair Bolsonaro e uma ala de seus auxiliares, na transição, provocaram tantos impasses com declarações sobre política externa que um segundo grupo de conselheiros do presidente decidiu se movimentar para convencê-lo a anunciar logo um nome qualificado para tratar de questões externas. Para essa ala, mais moderada, ao apresentar quem será o chanceler, o presidente poderá evitar controvérsias com potencial para prejudicar o Brasil tanto na área comercial quanto diplomática.
Segundo um integrante desse grupo, Bolsonaro já decidiu nomear um diplomata de carreira para o posto. A extensa lista de candidatos a chanceler, porém, dificulta o processo decisório. Entre as opções em análise por Bolsonaro estão o atual embaixador do Brasil em Washington, Sergio Amaral; e dois ex-embaixadores brasileiros nos EUA, Roberto Abdenur e Rubens Barbosa. No rol de especulações, também estão o atual embaixador do Canadá, Pedro Bretas; o diretor do Departamento de EUA, Canadá e Assuntos Interamericanos do Itamaraty, Ernesto Araújo, e a embaixadora de Direitos Humanos na ONU, Maria Nazareh Farani.
Desde que foi eleito presidente, Bolsonaro deu sinais de que pretende acabar com a histórica neutralidade diplomática do país em conflitos regionais e disputas econômicas globais. Depois de seu futuro ministro da Fazenda, Paulo Guedes, descartar uma relação mais próxima com os vizinhos do Mercosul, Bolsonaro alinhou-se aos EUA, criticou as relações do Brasil com a China — o maior parceiro comercial e o maior investidor — e lançou o Brasil na controvérsia iniciada por Donald Trump ao anunciar que, tal qual o presidente americano, mudará a embaixada brasileira de Tel Aviv para Jerusalém. Um dos argumentos contrários à transferência da embaixada brasileira é que a ONU não reconhece Jerusalém capital de Israel.
O aceno a Israel repercutiu logo no mundo árabe, importante mercado para exportadores de carne brasileiros, que prometeu retaliações comerciais ao país. Um dos ministros do presidente Michel Temer, envolvido em negociações comerciais com o mundo árabe, revelou ao GLOBO ter recebido alertas de autoridades sobre possíveis riscos a embaixadas brasileiras, que não teriam condições de garantir a segurança necessária de seu corpo diplomático, caso o país decida, de fato, seguir o caminho dos EUA em relação a Israel.
Na babel que se tornou o início da transição de governo, com diferentes aliados falando sobre assuntos variados, a ala que aposta no estilo estridente de negociar tem defendido que o presidente dobre a aposta frente às ameaças de retaliações do mundo árabe. Um dos representantes dessa ala chega a dizer que “vale a pena pagar para ver” se os países teriam coragem de retaliar o Brasil pois, na visão dele, “os árabes precisam de nós” mais do que o Brasil depende dos mercados árabes.
Apesar das declarações polêmicas, Bolsonaro não teria a intenção, na avaliação do grupo moderado da transição, de deixar de lado a neutralidade da política externa brasileira, que tem permitido ao Brasil falar com todos os países, sem restrições, na qualidade de “interlocutor confiável”.
Para Thiago Galvão, professor do Instituto de Relações Internacionais da Universidade de Brasília, as declarações de Bolsonaro mostram que ele está menos preocupado com o Oriente Médio. O foco do presidente eleito é acabar com a política pró-Palestina dos últimos anos e priorizar uma aliança direta Brasília-Washington.
— Tanto o governo de Israel, quanto as empresas israelenses, vão se sentir mais à vontade para fazer negócios com o Brasil.
De acordo com o consultor internacional Nelson Franco Jobim, um dos princípios da política externa é o respeito à soberania nacional e a não intervenção nos assuntos internos de outros países. Isso, no entanto, não impediu o governo militar de interferir abertamente, com o aval de Washington, apoiando golpes militares na Bolívia (1971), no Uruguai (1973), no Chile (1973) e na Argentina (1976), além de participar da Operação Condor, em que as ditaduras prenderam dissidentes e entregaram às polícias de seus países de origem.
— O Movimento de Resistência Islâmica (Hamas) protestou contra o anúncio de Bolsonaro. Sempre há um risco de se envolver numa guerra que não é nossa no Oriente Médio — disse Jobim. — Minha esperança é que o pragmatismo político do Itamaraty e os desafios da realidade moderem o futuro governo. Afinal, toda política externa parte do realismo político, do que temos a ganhar e a perder em cada situação — acrescentou.
Ele lembrou que Bolsonaro chegou a anunciar que faria sua primeira visita ao Chile, hoje governado pelo direitista Sebastián Piñera. Pegou mal, porque a Argentina é nossa maior aliada na região por causa do Mercosul. Além disso, durante a campanha, Bolsonaro fez críticas à China, que reagiu com um duro editorial do “China Daily”, porta-voz do governo chinês para assuntos internacionais.
— Como a China é nosso maior parceiro comercial e um investidor cada vez mais importante, a tendência é moderar o tom. O Brasil não tem a força dos EUA para enfrentar a China, mas pode proteger setores estratégicos. É um possível ponto de atrito entre o nacionalismo dos generais e o liberalismo de Guedes — previu o especialista.
Pedro Coelho Afonso, também consultor internacional, questiona o fato de um presidente eleito fazer declarações desse tipo. Ele disse que é natural que esse tipo de atitude gere ruídos.
— Não sei se Bolsonaro, ao dizer que vai mudar a embaixada, quer apenas fazer uma demonstração de força. Política internacional é algo complicado, um jogo em que você acaba gerando mal estar entre aliados importantes. Essas mudanças terão que ser muito cautelosas e justificadas, pois a diferença é que Donald Trump é presidente dos Estados Unidos, enquanto Bolsonaro é presidente do Brasil.
Luiz Augusto de Castro Neves, vice-presidente do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) e presidente do Conselho Empresarial Brasil-China, disse que, no momento atual, o que existem são declarações contraditórias, que precisam ser melhor esclarecidas. A seu ver, ainda é cedo para tirar conclusões.
— Nos últimos 13 anos, tivemos 13 anos de política externa chamada de “altiva e ativa” mas, na verdade, era muito movimento em torno de pouco conteúdo — disse Neves, acrescentando que um parceiro importante, que a seu ver não deve ser deixado de lado, é a China, que tem o maior estoque de investimentos no Brasil, da ordem de US$ 60 bilhões.
— Temos de esperar a designação do ministro das Relações Exteriores e do trabalho da equipe de transição para dar uma opinião definitiva — reforçou o diplomata Rubens Barbosa.
Já o professor de economia internacional da UFRJ, Reinaldo Gonçalves, avalia que as mudanças são positivas. Ele também considera que a política externa do PT foi ineficaz:
— O Brasil tem déficit de poder e, portanto, precisa ter foco.